A palestra “O que é vulnerabilidade em direito das famílias no atual contexto social?”, proferida pela defensora pública e professora Elisa Cruz, abriu a programação de hoje, na parte da manhã, do segundo dia do XII Congresso Brasileiro de Direito das Famílias e Sucessões: Famílias e Vulnerabilidades. O evento, realizado no Sesc Palladium, em Belo Horizonte, reúne grandes nomes da área do direito de família e das sucessões do País e mobiliza um público de 1.500 pessoas.
Elisa Cruz se disse emocionada ao falar sobre o tema. “Isso significa trazer a experiência das pessoas, aquilo que elas são, e agregar ao que a lei, de forma abstrata, regulamenta. É muito importante falar desse encontro entre individualidades, coletivo e norma, em busca de uma sociedade melhor, de uma aplicação da lei melhor e de aprimoramentos de formas de acesso à justiça”, destacou.
Na sequência, a advogada Fernanda Tartuce, presidente da Comissão de Processo Civil do IBDFAM, abordou o tema “Como lidar com as vulnerabilidades sob o prisma processual”. Segundo ela, “a intenção foi mostrar que no Código de Processo Civil existe uma regra sobre justa causa (artigo 223), que pode ser útil para sensibilizar os magistrados sobre a situação das pessoas vulneráveis em juízo”.
Tecnologia, planejamento sucessório e negócio jurídico
A tecnologia transforma as nossas vidas a todo o momento. Essas mudanças também esbarram no direito de família, como detalhou, em sua palestra, “Tecnologia e proteção de dados: quais os desafios e como os avanços tecnológicos têm transformado o direito das famílias?”, o advogado Marcos Ehrhardt Júnior.
“A tecnologia muda o jeito da gente se relacionar com as pessoas, o lugar de trabalho, a forma de monitorar os filhos. A ideia, primeiramente, é termos consciência disso, para, em um segundo momento, entendermos o impacto em cada situação. Queremos preparar o Direito de Família com relação à tecnologia para os próximos anos”, destacou.
A advogada e professora Daniele Chaves Teixeira ministrou a palestra “Quais os limites do planejamento sucessório e suas consequências frente aos herdeiros?”. Ela ressaltou as controvérsias do tema.
“Tem-se que tomar cuidado com as fraudes, até porque o planejamento sucessório deve fugir de problemas e futuros litígios. Deve haver segurança jurídica, que atenda o autor da herança, seja célere e facilite o processo, junto a outras faces do Direito”, explica Daniele.
Em seguida, a advogada Bianca Sarubi de Serpa Pinto apresentou o trabalho científico com o tema “Por que aplicar o negócio jurídico processual no direito das famílias e sucessões?”.
“Eu vejo esse tema como vulnerável porque é um instituto novo, trazido pelo Código de Processo Civil de 2015, que os operadores de Direito não costumam aplicá-lo. Talvez porque ficam com dúvida sobre a sua eficácia, ou por se tratar de uma cláusula muito abrangente, e também indecisos se podem fazer ou não. Por se tratar de um direito sensível, íntimo e relacionado a afeto, acredito que agilizaria o processo e adequaria o procedimento de acordo com o caso concreto”, destaca.
Mediação e Multiparentalidade
Em sua palestra, “Qual a eficácia para o Direito das Famílias e Sucessões da cláusula escalonada de mediação e arbitragem?”, o professor Gustavo Tepedino, diretor nacional do IBDFAM, ressaltou a importância dos processos de mediação, em especial para cônjuges e companheiros, a fim de atender à urgência dos pleitos.
“A mediação é muito proveitosa para evitar a judicialização e promover formas alternativas de solução de conflitos, desde que se leve em conta as peculiaridades do Direito de Família, as vulnerabilidades e, por vezes, a falta de isonomia”, afirma Tepedino.
A advogada Ana Carla Harmatiuk Matos, diretora nacional do IBDFAM, tratou dos alimentos na multiparentalidade, na palestra “Como se dá a convocação dos demais devedores de alimentos nos termos do art. 1.698 do CCB? Como ficam os alimentos na multiparentalidade?”.
Segundo ela, mais de duas figuras parentais não podem representar uma adversidade para um direito fundamental. “A multiparentalidade é a tradução de uma realidade da vida. A complexidade desses casos é imensa, porque eles trazem uma realidade a que o Direito não está habituado”, afirma Ana Carla. “A multiparentalidade necessita de interpretações flexíveis para que o sistema funcione de modo adequado para essa realidade concreta”.
Temas polêmicos
“As famílias simultâneas, para o Direito Brasileiro, devem ser entidades protegidas?”. Com essa pergunta, a advogada Luciana Brasileiro quis fazer de sua palestra uma provocação. “Essa discussão foi muito trabalhada pelo IBDFAM em duas décadas de atuação, em que o instituto remodelou o conceito de família no Direito brasileiro”, afirma.
Ela fala também sobre a emergência do tema, atualmente em abordagem no Supremo Tribunal Federal - STF. “Estamos na expectativa de que o STF se posicione favoravelmente (às famílias simultâneas), como fez com as relações homoafetivas”, assinala Luciana.
A ‘ideologia de gênero’ também foi debatida nesta manhã. A advogada Lígia Ziggiotti, na palestra “O que é ideologia de gênero e qual sua implicação no Direito das Famílias?”, destacou que esse termo é um recurso semântico para fazer uma determinada propaganda política, criando uma espécie de “fantasma” sobre feminismo e igualdade de gênero.
“Aquelas pessoas que dizem que a chamada ‘ideologia de gênero’ é um perigo para crianças e adolescentes, uma inverdade. Estão desprotegendo esses jovens que nem sempre estão inseridos em normas hegemônicas de gênero e muitas vezes são vítimas de violência doméstica, de abuso sexual, entre outras circunstâncias. Crianças e adolescentes aproveitam das temáticas críticas de gênero e não são, portanto, vítimas de discursos igualitários”, ressaltou.
Companheiros como herdeiros necessários
A primeira mesa-redonda do evento trouxe um tema urgente no Direito das Famílias brasileiro: “A equiparação entre cônjuge e companheiro transforma o companheiro em herdeiro necessário?” A discussão reuniu três diretores nacionais do IBDFAM: Mário Delgado, Paulo Lins e Silva e Zeno Veloso.
Paulo Lins e Silva parte do princípio da isonomia, visto que todos os relacionamentos amorosos têm a mesma origem: o afeto. “Por que vamos estabelecer que, na ausência de ascendente ou descendente, o cônjuge ou companheiro não vá ser herdeiro necessário? É preciso assegurar isso”, defende.
Zeno Veloso endossa o entendimento do STF sobre casamento e união estável para fins sucessórios. “No Direito brasileiro, essas são entidades praticamente equiparadas. Se isso é bom ou ruim, não sei, mas são - pela lei e por uma jurisprudência ativa, firme. Não há diferença entre essas formas de companheirismo, por que há de ser diferente quanto aos herdeiros necessários?”, indaga.
Mário Delgado diverge dos dois, trazendo outro entendimento acerca do tema. Ele afirma que incluir companheiro como herdeiro necessário restringe a liberdade do autor da herança. “O STF tratou apenas da concorrência sucessória, dizendo que se o cônjuge concorre com ascendentes e descendentes, conforme o Código Civil, o companheiro também deve concorrer”, diz.
Segundo ele, o STF não fez qualquer alusão a mudanças no entendimento do artigo 1.845, do Código Civil. “A lei continua expressa quando diz que somente o cônjuge, ascendentes e descendentes são herdeiros necessários”, afirma.
O XII Congresso Brasileiro de Direito das Famílias e Sucessões: Famílias e Vulnerabilidades acontece até amanhã, dia 18, quando mais palestras e mesas-redondas serão realizadas. Acompanhe a cobertura completa em nosso portal e nas nossas redes sociais.
Fonte: IBDFAM