Notícias

13/09/2013

Nota Técnica – MPMG – Reserva Legal

NOTA TÉCNICA 

 

Ref.: Ofício n. 122/2013/PRE. 

Ementa: I—Solicitação da Associação dos Notários e Registradores do Estado de Minas Gerais (Anoreg) de esclarecimento de recomendações editadas pelo MPMG, presentemente lastreadas em decisão do Plenário do Conselho Nacional de Justiça, no que atine à obrigação da averbação da reserva legal florestal no Cartório do Registro Imobiliário. II—Decisão do CNJ, que reafirma a exigibilidade da averbação, enquanto não for efetivamente implantado o Cadastro Ambiental Rural (CAR), instituído pela Lei 12.651/2012. III—Reafirmação do posicionamento do Parquet, compartilhado pelo Superior Tribunal de Justiça, de que, enquanto não for efetivamente implantado o Cadastro Ambiental Rural (CAR), a averbação da reserva legal florestal no cartório de registro imobiliário permanece como “condição para a prática de qualquer ato que implique transmissão, desmembramento ou retificação de área do imóvel” (REsp 831212/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, julg. 01-09-2009). 

I—Caracterização da Demanda

1.                              Trata-se de pedido da Associação dos Notários e Registradores do Estado de Minas Gerais (Anoreg) tendente ao esclarecimento, por este Centro de Apoio Operacional, de aspectos atinentes à obrigação, recentemente reafirmada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mediante decisão liminar no Procedimento de Controle Administrativo 0002118-22.2013.2.00.0000, da averbação da reserva legal no registro imobiliário, nomeadamente no que atine à seguinte questão: “quais operações estão dispensadas da averbação da reserva legal como condição sine qua non para a prática de atos registrais pelo oficial de registro de imóveis, sugerindo, sejam os atos de financiamento, como as hipotecas e alienações fiduciárias, todos os atos judiciais (neste caso pouco importando exista transmissão), e ainda os atos acessórios de averbação”.

2.                              Nos termos do requerimento, a Anoreg refere que:

(a)    “diversas recomendações foram expedidas, no âmbito do Estado de Minas Gerais, pelos doutos promotores de justiça em que recomendam aos oficiais dos cartórios de registros de imóveis do Estado a exigência da averbação da área de reserva legal junto à(s) matrícula(s) do(s) imóvel(is), cuja(s) localização(ões) deverá(ão) ser aprovada(s) pelo órgão ambiental, como condição para a prática de TODOS os atos do registro relacionados à(s) respectiva(s) matrícula(s). Para nós Registradores de Imóveis, recomendação do Ministério Público, é disposição que é recomendável que se cumpra”;

(b)    “Tal recomendação provoca a paralisação geral das transações envolvendo imóveis rurais. Isso é muito ruim pois paralisa a economia, especialmente em zonas rurais. Mas, entendemos que um critério de razoabilidade deve ser aplicado a tal recomendação”.

3.                              Expostos os elementos gerais da consulta, e tomando-a como ensejo para esclarecer o posicionamento do Caoma no que atine à obrigatoriedade da averbação da reserva legal no cartório de registro imobiliário, apresenta-se a seguinte nota técnica, com fulcro no art. 2º, inc. VIII, da Resolução PGJMG 64/2001. 

II—Análise Jurídica

1.                              Desde a sua instituição, o Caoma tem orientado as Promotorias de Justiça de defesa do meio ambiente a exigirem a averbação da reserva legal pelos cartórios de registro de imóveis, nos termos da lei e no interesse da coletividade. Com efeito, como preceitua a Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB, arts. 127 e 129, inc. III), incumbe ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, entre os quais se inclui o relativo ao “meio ambiente ecologicamente equilibrado” (art. 225, caput). Adicionalmente, são atribuições do MP:

§         Zelar pelo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública assegurados pela CRFB, promovendo medidas judiciais e extrajudiciais pertinentes (art. 129, inc. II);

§         Expedir recomendações, visando à melhoria dos serviços públicos e de relevância pública, bem como ao respeito aos interesses, direitos e bens cuja defesa lhe cabe promover (Lei 8.625/1993, art. 27, parágrafo único, inc. IV, e Lei Complementar 75/1993, art. 6º, inc. XX);

§         Acompanhar a fiscalização dos processos nos cartórios ou nas repartições congêneres, adotando, quando for o caso, as medidas necessárias para a apuração da responsabilidade de titulares de ofícios ou serventuários de justiça, consoante estabelece o art. 67, inc. VIII, da Lei Complementar Estadual 34/1994;

§         Zelar pela regularidade dos registros públicos, nos termos do art. 74, inc. XXIV, da Lei Complementar Estadual 34/1994.

2.                              O regime jurídico da reserva legal passou por alterações, com a promulgação da Lei Federal 12.651/2012, conhecida como “novo” Código Florestal. O art. 18, §4º, dessa lei dispôs que o registro da reserva legal no chamado Cadastro Ambiental Rural (CAR) desobrigará a averbação no cartório de registro de imóveis. Entretanto, o referido dispositivo não dispensa imediatamente o detentor do domínio ou posse do imóvel rural da averbação da reserva no registro imobiliário, pois condiciona a desoneração ao registro no CAR, ainda não implantado. A propósito, nos termos do art. 21 do Decreto 7.830/2012, o CAR somente será considerado implantado a partir de data a ser estabelecida por ato do Ministro de Estado do Meio Ambiente, ouvidos os Ministros de Estado da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e do Desenvolvimento Agrário.

3.                              Nesse contexto, até que ocorram, efetivamente, a implantação e o registro das reservas no CAR, prevalece a obrigação da averbação junto ao cartório de registro relativamente àquele que detenha o domínio ou a posse do imóvel rural, conforme art. 167, inc. II, item 22, e art. 169 da Lei 6.015/1973. Cabe referir que tal obrigação tem caráter real (propter rem), como reconhece o Superior Tribunal de Justiça (STJ)[1][1]. Ademais, a Lei 12.651/2012 reafirma esse caráter das obrigações atinentes à reserva legal, ao dispor que são transmitidas ao sucessor, de qualquer natureza, no caso de transferência de domínio ou posse do imóvel rural (art. 2º, §2º; art. 66, §1º).

4.                              Deve-se lembrar que o dispositivo do Projeto de Lei de Conversão 21/2012 (MedProv 571/12), que revogava o art. 167, inc. II, item 22, da Lei 6.015/1973, foi expressamente vetado pela Presidente da República, ao argumento de que a dispensa da averbação da reserva legal sem que houvesse ainda um sistema substituto impossibilitaria o Poder Público de controlar o cumprimento das obrigações legais referentes ao tema. De fato, a averbação confere efetividade à vedação de alteração da destinação da área, especialmente nos casos de transmissão, a qualquer título, ou de desmembramento, assegura a publicidade acerca da existência reserva e de sua localização até a instituição do CAR (mediante a convergência de todas as informações relevantes sobre o imóvel num único lugar, a matrícula do bem), pelo que perfaz lídimo exemplo da função socioambiental da propriedade e do registro de imóveis, com garantia de autenticidade, segurança e eficácia do ato jurídico (Lei 6.015/1973, art. 1º, e Lei 8.935/1994, art. 1º).

5.                              Assim, como reconheceu o STJ, “a averbação da reserva florestal é condição para a prática de qualquer ato que implique transmissão, desmembramento ou retificação de área do imóvel” (REsp 831212/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, julg. 01-09-2009). Adicionalmente, ao julgar o REsp 1221867/MG (julg. 15-05-2012), firmou o entendimento de que o oficial de cartório também é responsável pela averbação da reserva legal em matrícula de imóvel, nas hipóteses de transmissão, desmembramento ou retificação de área de imóvel rural, confirmando julgado do eg. Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), com a seguinte ementa: 

APELAÇÃO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - DIREITO AMBIENTAL RESERVA LEGAL - DEMANDA AJUIZADA EM DESFAVOR DA REGISTRADORA - POSSIBILIDADE - RECUSA DO REGISTRO SEM OBSERVÃNCIA DO ARTIGO 16, DO CÓDIGO FLORESTAL - POSSIBILIDADE - INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 167, II, 22 E 169 DA LEI 6.015/73 - SENTENÇA REFORMADA. É obrigação do registrador de imóveis averbar à margem do registro próprio a área de reserva legal prevista no artigo 16 da Lei Federal nº 4.771/65, conforme previsto nos artigos 167 e 169 da Lei 6.015/73, em suas novas redações postas pela MP 2.166-67 de 2001 e pela Lei Federal nº 11.428/06, respectivamente (Apelação Cível 1.0481.03.020218-0/001, Rel. Des. Afrânio Vilela, 2ª Câmara Cível, julg. em 06-10-2009, publ. da súmula em 21-10-2009). 

6.                              Entrementes, cabe ressalvar que, mesmo após a implantação do CAR, a reserva legal poderá ser averbada no cartório de registro imobiliário, nos termos da Lei 6.015/1973 e da Lei 12.651/2012, constituindo opção que desonera o proprietário das exigências relacionadas à identificação do perímetro e localização da reserva no CAR, nos termos do art. 30 do “novo” Código Florestal. Como contraponto, a não averbação da reserva legal, além de violar a regra constante do art. 167, inc. II, n. 22 c/c art. 169, da Lei 6.015/1973, pode, desde 11 de junho de 2012, configurar infração administrativa, já que, nos termos do Decreto 7.719/2012, está em vigor o art. 55 do Decreto 6.514/2008, que regulamentou a Lei 9.605/1998 (dispõe sobre as infrações administrativas ambientais).

7.                              Adicionalmente, é oportuno esclarecer que, de fato, como refere a solicitante, o CNJ se pronunciou expressamente, mediante decisão liminar datada de 19-04-2013, a respeito da exigibilidade da averbação da reserva legal pelos cartórios de registro imobiliário. Para o Conselho, enquanto ainda não efetivamente implantado o CAR, a averbação obrigatória do referido Espaço Territorial Especialmente Protegido (CRFB, art. 225, §1º, inc. III), que atende ao princípio da prevenção, deve prevalecer. A propósito, referiu-se na decisão que: 

A nova legislação, ao revogar o antigo Código Florestal, passou a controlar a proteção das áreas de Reserva Legal por meio do Cadastro Ambiental Rural. Com plantas georreferenciadas, o novo controle deve mapear todo o território nacional, o que deverá tornar mais eficaz a proteção das áreas de reserva. Por esse motivo, entendeu o legislador ser facultativa a averbação da área de proteção junto ao cartório de registro imobiliário:

Art. 18. A área de Reserva Legal deverá ser registrada no órgão ambiental competente por meio de inscrição no CAR de que trata o art. 29, sendo vedada a alteração de sua destinação, nos casos de transmissão, a qualquer título, ou de desmembramento, com as exceções previstas nesta Lei.

(...)

§ 4º O registro da Reserva Legal no CAR desobriga a averbação no Cartório de Registro de Imóveis, sendo que, no período entre a data da publicação desta Lei e o registro no CAR, o proprietário ou possuidor rural que desejar fazer a averbação terá direito à gratuidade deste ato. (Redação dada pela Lei nº 12.727, de 2012).

Ocorre, porém, que o Cadastro Rural ainda não foi criado, embora haja previsão de que até o fim do primeiro semestre de 2013 já esteja em funcionamento. Não obstante, ainda que em pleno funcionamento, a legislação concede aos proprietários o prazo de um ano para se adaptar as novas exigências da lei, sendo lícito perguntar se haveria, nesse interregno, obrigação de averbação a fim de garantir efetividade à proteção das áreas de reserva.

Assiste razão ao requerente quando afirma não ter havido a revogação da obrigação de averbar a área de reserva legal. Da leitura do disposto no art. 18, §4º, da Lei nº 12.651, de 2012, fica evidente que a faculdade de averbar depende da opção pelo Registro no Cadastro Rural: não havendo o Cadastro, não há faculdade. Subsiste, portanto, a obrigação constante da Lei nº 6.015, de 1973.

Observe-se, com efeito, que a averbação da área de Reserva Legal é verdadeira condição de existência do espaço protetivo, pois “o efeito da inscrição (...) no Registro de Imóveis é o de definir a área reservada, marcando a mesma com a inalterabilidade” (Paulo Affonso Leme Machado). Além disso, como destaca o professor de Direito Ambiental:

Essa inscrição é de alta relevância para a sobrevivência do ecossistema vegetal não só no Brasil como no planeta Terra. Essa afirmação não é exagerada, pois a existência e manutenção das Reservas Legais não têm efeitos ecológicos benéficos somente no Brasil, mas têm também consequências extremamente positivas além fronteiras (MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro).

A manutenção da obrigação de averbar no Registro de Imóveis, enquanto ainda não disponível o Cadastro Rural, atende, portanto, ao princípio da prevenção ambiental, tal qual previsto pela Lei nº 6.938, de 1981, em seu art. 2º:

Art. 2º. A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento sócio-econômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana, atendidos os seguintes princípios:

(...)

IV - proteção dos ecossistemas, com a preservação de áreas representativas.

Há que se reconhecer, aqui, que a lei apenas dá concretude à diretriz constitucional de preservação; diretriz que, frise-se, é dever do Poder Público e da coletividade. A aplicação do princípio da preservação ao caso em tela não autoriza, portanto, outra interpretação que não a que exija dos proprietários, enquanto ainda não estiver plenamente em funcionamento o Cadastro Ambiental Rural, a averbação no Registro de Imóveis da área de Reserva Legal. Plena, portanto, a plausibilidade jurídica invocada pelo requerente.

 

8.                              Em 23-04-2013, a decisão — clara em seus termos — foi ratificada, à unanimidade, pelo Plenário do CNJ, de maneira que não há dúvidas em torno da validade, exigibilidade e obrigatoriedade da averbação da reserva legal florestal pelos cartórios de registro de imóveis.

9.                              Ante o exposto, nos termos do art. 2º, inc. VIII, da Resolução PGJMG 64/2001, este Centro de Apoio Operacional compreende que, enquanto não for efetivamente implantado o CAR, a averbação da reserva legal florestal permanece obrigatória, i.e., como “condição para a prática de qualquer ato que implique transmissão, desmembramento ou retificação de área do imóvel” (REsp 831212/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, julg. 01-09-2009). 

Belo Horizonte, 20 de agosto de 2013. 

Alceu José Torres Marques

Procurador de Justiça

Coordenador do Caoma


 

    

Alceu Jose Torres Marques
Procurador de Justiça
Procurador-Geral de Justiça

Avenida Álvares Cabral 1690, 12º andar
Belo Horizonte - MG
Cep.: 30170-001 - Tel.: (__) ____-____


•  Veja outras notícias