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22/09/2014

Artigo: ISSQN fixo aos notários - Rodrigo Reis Cyrino

O caso prático é: com a vigência da Lei Complementar nº 116/2003, alguns Municípios começaram a cobrar, de forma equivocada, o ISSQN sobre a totalidade do faturamento dos titulares de Cartórios (sobre a renda bruta), ao fundamento de que o tributo incide sobre a pessoa jurídica do Cartório, aplicando-se uma alíquota variável sobre a receita bruta, sob o argumento da existência da pessoa jurídica do Cartório. No entanto, em razão dos notários ou tabeliães e registradores exercerem sua atividade de forma pessoal, incide a alíquota do ISSQN na modalidade fixa, conforme se verá a seguir.

No primeiro momento, cumpre comprovar através da legislação atual que a  atividade notarial do Tabelião de Notas é exercida de forma pessoal e não através de uma pessoa jurídica, conforme dispõe o artigo 22,in verbis: "Art. 22. Os notários e oficiais de registro responderão pelos danos que eles e seus prepostos causem a terceiros, na prática de atos próprios da serventia, assegurado aos primeiros direito de regresso no caso de dolo ou culpa dos prepostos".

Essa legitimidade do tabelião (pessoa física) e não do Cartório (pessoa jurídica) já foi decidida pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça - STJ:

PROCESSO CIVIL. CARTÓRIO DE NOTAS. PESSOA FORMAL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. RECONHECIMENTO DE FIRMA FALSIFICADA. ILEGITIMIDADE PASSIVA. O tabelionato não detém personalidade jurídica ou judiciária, sendo a responsabilidade pessoal do titular da serventia. No caso de dano decorrente da má prestação de serviços notariais, somente o tabelião à época dos fatos e o Estado possuem legitimidade passiva. Recurso conhecido e provido. (STJ - REsp nº 545.613 MG - Ministro Cesar Asfor Rocha -  Julgado em 08/05/2007).

Dessa forma, em razão do caráter pessoal, que reveste o exercício das atividades dos titulares de Cartórios, o Tabelião somente alcança a delegação mediante o concurso público de provas e títulos, onde a outorga é dada em caráter pessoal (ato personalíssimo), ao candidato aprovado no certame.

Prova dessa incoerência na tributação pelas Prefeituras é que o Tabelião é tributado pela Receita Federal e pelo INSS como pessoa física, não podendo a Municipalidade dar tratamento diferenciado, visando atender somente seus interesses arrecadatórios, sob pena de ferir o princípio da isonomia tributária e todo o sistema legislativo tributário. Não se pode ainda interpretar a norma da forma mais conveniente e mais benéfica ao Município, até mesmo porque a atividade do Tabelião é regida por Lei Federal (Lei 8935/94).

Portanto, ao contrário do que vem entendendo alguns Municípios, o tabelião ou o registrador, não exercem atividades empresariais, mas são profissionais do direito, ou seja, pessoas físicas com formação jurídica, segundo dispõe o artigo 3º, da Lei 8.935/94 (Lei Federal que dispõe sobre os serviços notariais e de registro), e exercem a atividade notarial de forma pessoal, nos seguintes termos:

"Art. 3º Notário, ou tabelião, e oficial de registro, ou registrador, são PROFISSIONAIS DO DIREITO, dotados de fé pública, A QUEM é delegado o exercício da atividade notarial e de registro."

O artigo 14, da Lei n. 8.935/94 assim dispõe:

Art. 14. A delegação para o exercício da atividade notarial e de registro depende dos seguintes requisitos:

I - habilitação em concurso público de provas e títulos;

II - nacionalidade brasileira;

III - capacidade civil;

IV - quitação com as obrigações eleitorais e militares;

V - diploma de bacharel em direito;

VI - verificação de conduta condigna para o exercício da profissão.

De fato, para participar do concurso de delegação notarial ou registral é preciso ser bacharel em direito (Lei 8.935/94 art. 14, V).

Por fim, o artigo 28, da Lei 8935/94, dispõe que o valor dos emolumentos integrais é direito do Tabelião, nos seguintes termos:

Art. 28. Os notários e oficiais de registro gozam de independência no exercício de suas atribuições, têm direito à PERCEPÇÃO DOS EMOLUMENTOS INTEGRAIS PELOS ATOS PRATICADOS na serventia e só perderão a delegação nas hipóteses previstas em lei.

Para as Pessoas Jurídicas (Empresas), a Lei Complementar nº 116/2003 adota alíquota máxima de 5% (cinco por cento), estabelecendo como base de cálculo  a receita bruta auferida pela atividade Empresarial, o que não é o caso, pois a delegação é feita em caráter pessoal, intransferível e com responsabilidade pessoal dos titulares de serviços notariais e de registro,  fatores que autorizam concluir que a tributação incide sobre o trabalho prestado na forma pessoal, devendo ser cobrado o ISSQN sobre um valor fixo, na forma do artigo 9º, § 1º, do Decreto-Lei nº 406/68.

Ademais, como os Tabeliães, também os médicos, dentistas e advogados necessitam para o exercício de suas atividades de auxiliares ou prepostos, o que não desnatura a PESSOALIDADE. Além disso, há Cartórios pequenos,  onde só existe a figura do Tabelião e aí não se terá o ISSQN fixo? Teremos regimes jurídicos iguais aplicáveis para situações distintas?

Sobre essa pessoalidade da atividade, também é inviável a aplicação do instituto do direito empresarial da sucessão de empresas, porque a delegação não é negociável ou trasferível a outrem, sendo outorgada em caráter originário e personalíssimo (não podendo nem passar de pai para filho). A delegação é conferida pelo poder público ao delegatário em virtude de condições pessoais. Com a morte, aposentadoria ou afastamento do seu títular a serventia fica vaga, devendo abrir concurso público segundo a regra do artigo 236, da Constituição Federal de 1988. A vacância não se coaduna com a sucessão.  Não são empresários ou equivalentes. Não podem constituir empresa e jamais os delegatários poderão ultilizar as estratégias legais de retirada pró-labore e distribuição de lucros que qualquer empresa pode fazer e que, em o fazendo, recebe tratamento diferenciado em relação ao contribuinte que paga o IR na condição de pessoa física.

 Assim, sendo pessoal a responsabilidade do tabelião, notário ou registrador, aplica-se o regime tributário do artigo 9º, § 1º, do Decreto-Lei nº 406/68, que dispõe:

 Art 9º A base de cálculo do imposto é o preço do serviço. 

§ 1º Quando se tratar de prestação de serviços sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte, o imposto será calculado, por meio de alíquotas fixas ou variáveis, em função da natureza do serviço ou de outros fatores pertinentes, nestes não compreendida a importância paga a título de remuneração do próprio trabalho.

O artigo 10, da Lei Complementar nº 116/03 (Lei do ISS) não revogou o art. 9º, DL 406/68, in verbis:

Art. 10. Ficam revogados os arts. 8º, 10, 11 e 12 do Decreto-Lei nº 406, de 31 de dezembro de 1968; os incisos III, IV, V e VII do art. 3º do Decreto-Lei nº 834, de 8 de setembro de 1969; a Lei Complementar nº 22, de 9 de dezembro de 1974; a Lei nº 7.192, de 5 de junho de 1984; a Lei Complementar nº 56, de 15 de dezembro de 1987; e a Lei Complementar nº 100, de 22 de dezembro de 1999.

A Súmula 663 do Supremo Tribunal Federal - STF diz: "Os §§ 1º e 3º do art. 9º do Decreto-Lei 406/1968 foram recebidos pela Constituição".

Assim, o ISSQN dos notários deve ser cobrado na forma do artigo 9º, § 1º, do Decreto Lei 406/68, não revogado pela Lei Complementar nº 116/03, em especial pela natureza do serviço prestado, que é essencialmente pessoal e exercido por delegação do Poder Público, e não sobre a receita bruta de toda arrecadação.

Alguns Tribunais pátrios, já decidiram que a cobrança do ISSQN dos tabeliães incide sobre um valor fixo, dentre elas:

AGRAVO DE INSTRUMENTO - RECOLHIMENTO DE ISSQN - SERVIÇOS CARTORÁRIOS - ALÍQUOTA FIXA. O tabelião ou oficial de registro prestam serviço sob a forma de trabalho pessoal e em razão da natureza do serviço tem direito ao regime especial de recolhimento, alíquota fixa, e não em percentual sobre toda a importância recebida pelo Delegado a título de remuneração de todo o serviço prestado pelo Cartório Extrajudicial que administra. Recolhimento do imposto na forma do art. 9º, § 1º, do Decreto-Lei nº 406/68.  (TJ/MG - 2ª Câmara Cível - Agravo de Instrumento nº  10701092762627001 -  Desembargador Relator Carreira Machado - Publicado em 10/03/2010).

TRIBUTÁRIO - DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE CRÉDITO TRIBUTÁRIO - ISSQN - SERVIÇOS CARTORÁRIOS (registrais e notariais) - INCIDÊNCIA - ISS incidente sobre serviços prestados por notário e oficial de registro - Serviços delegados exercidos em caráter privado. Serviço de natureza pública, mas cuja prestação é privada. Precedente do E. Supremo Tribunal Federal reconhecendo a constitucionalidade da exigência (ADI 3089/DF), julgada em 13/02/2008) - Base de cálculo do ISS - valor destinado ao oficial delegatário, excluídos os demais encargos, como, por exemplo, custas destinadas ao Estado e a órgão representativo. 2. O regime instituído pelo art. 9º do Decreto-lei nº 406/69 não foi revogado pelo art. 10, da lei Complementar nº 116/03. O tabelião ou oficial de registro prestam serviço sob a forma de trabalho pessoal e em razão da natureza do serviço tem direito ao regime especial de recolhimento, alíquota fixa, e não em percentual sobre toda a importância recebida pelo Delegado a título de remuneração de todo o serviço prestado pelo Cartório Extrajudicial que administra. Recolhimento do imposto na forma do art. 9º, § 1º, do Decreto-Lei nº 406/68. 3. Recurso da Municipalidade provido para declarar constitucional a incidência do ISS sobre os serviços notariais. Recurso oficial provido para determinar o recolhimento do ISS na forma do art. 9º, § 1º, do Decreto-lei 406/68. Sentença reformada. Ação julgada parcialmente procedente." (TJ/SP - Apelação nº 6569345000 - 15ª Câmara de Direito Público - Desembargadora Relatora Daniella Carla Russo Greco de Lemos -  Julgado em 07/08/2008).

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DECLARATÓRIA. CARTÓRIO EXTRAJUDICIAL. RECOLHIMENTO DE ISSQN. VALOR FIXO. DECRETO-LEI Nº 406/68. CONFIGURAÇÃO DOS REQUISITOS DE VEROSSIMILHANÇA. PERIGO DE LESÃO GRAVE E DE DIFÍCIL REPARAÇÃO. TUTELA CONCEDIDA. O recolhimento do ISSQN pelo cartório extrajudicial deve ocorrer em valor fixo do serviço prestado e não sobre o valor genérico, até o deslinde da ação declaratória. (TJ/MG - 3ª Câmara Cível - Agravo de Instrumento nº  32033447820098130105 - Desembargador Relator Silas Vieira - Publicado em 05/05/2010).

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DECLARATÓRIA. CARTÓRIO EXTRAJUDICIAL. RECOLHIMENTO DE ISSQN. VALOR FIXO. O recolhimento do ISSQN pelo cartório extrajudicial deve-se dar em valor fixo do serviço prestado e não englobadamente no valor genérico daqueles referidos serviços. (TJ/MG - 7ª Câmara Cível - Agravo de Instrumento nº 13422503120098130704 - Desembargador Relator Belizário de Lacerda - Julgado em 12/03/2010).

O Superior Tribunal de Justiça - STJ, em diversos julgados, já definiu também que a responsabilidade dos Tabeliães é PESSOAL:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. TABELIONATO. AUSÊNCIA DE PERSONALIDADE JURÍDICA. RESPONSABILIDADE DO TITULAR DO CARTÓRIO À ÉPOCA DOS FATOS. 1. O tabelionato não detém personalidade jurídica, respondendo pelos danos decorrentes dos serviços notariais o titular do cartório na época dos fatos. Responsabilidade que não se transfere ao tabelião posterior. Precedentes. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. Recurso conhecido e provido.  (STJ - Quarta Turma - Agravo Regimental no Recurso Especial nº 624.975 -  Ministra Relatora MARIA ISABEL GALLOTTI  - Julgado em 21/10/2010).

RECURSO ESPECIAL - CARTÓRIO EXTRAJUDICIAL - TABELIONATO - INTERPRETAÇÃO DO ART. 22 DA LEI N. 8.935/94 - LEI DOS CARTÓRIOS - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - RESPONSABILIDADE CIVIL DO TABELIONATO - LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM - AUSÊNCIA -  RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO. 1. O art. 22 da Lei n. 8.935/94 não prevê que os tabelionatos, comumente denominados "Cartórios", responderão por eventuais danos que os titulares e seus prepostos causarem a terceiros. 2. O cartório extrajudicial não detém personalidade jurídica e, portanto, deverá ser representado em juízo pelo respectivo titular. 3. A possibilidade do próprio tabelionato ser demandado em juízo, implica admitir que, em caso de sucessão, o titular sucessor deveria responder pelos danos que o titular sucedido ou seus prepostos causarem a terceiros, nos termos do art. 22 do Lei dos Cartórios, o que contrasta com o entendimento de que apenas o titular do cartório à época do dano responde pela falha no serviço notarial. 4. Recurso especial improvido. (STJ - Terceira Turma - Recurso Especial nº 911.151 -  Ministro Relator MASSAMI UYEDA  - Julgado em 17/06/2010).

Em conclusão, e a fim de evitar prejuízos financeiros futuros aos notários, o ideal é requerer administrativamente ao Município a incidência da alíquota fixa de ISSQN, com a exposição de toda a legislação e jurisprudência aplicável. Se não der resultados, deverá ser contratado um advogado habilitado para ingressar com um mandado de segurança e depositar mensalmente em juízo o valor cobrado a título de ISSQN sobre a renda bruta, até mesmo para possibilitar o futuro levantamento das diferenças depositadas a maior em benefício do Município, caso seja julgado que para a atividade notarial aplica-se o ISSQN fixo. Se houver sucumbência na demanda pelo notário ou registrador, o tributo automaticamente já estará quitado junto ao Município. De outro lado, em vários outros Municípios, foram criadas legislações que permitem o repasse ao usuário do custo do tributo, o que de plano soluciona também a questão.

Rodrigo Reis Cyrino
Tabelião de Notas do Cartório do 2º Ofício - Tabelionato de Linhares - ES
Presidente do Colégio Notarial do Brasil - Seção Espírito Santo
Vice-presidente regional do Sudeste da Diretoria do Colégio Notarial Federal - Conselho Federal
Diretor do Tabelionato de Notas do SINOREG-ES
Mestre em Direito Estado e Cidadania
Pós Graduado em Direito Privado e Direito Processual Civil
Palestrante em Direito Notarial e Registral

Email: cartorioreis@gmail.com


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