O testamento é um ato solene que deve ser submetido a numerosas
formalidades; caso contrário, pode ser anulado. Entretanto, todas as etapas
formais não podem ser consideradas de modo exacerbado, pois a exigência
delas deve levar em conta a preservação de dois valores principais:
assegurar a vontade do testador e proteger o direito dos herdeiros do
testador, sobretudo dos seus filhos. Com esse entendimento, a Quarta Turma
do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve, por unanimidade, decisão do
Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) que reconheceu a validade da disposição
de vontade da testadora, contestada por um de seus sobrinhos.
De acordo com as informações processuais, a vontade da testadora era a de
beneficiar as próprias irmãs que ainda estavam vivas na época e com as quais
tinha maior afinidade. Mas um dos sobrinhos, cuja mãe já havia falecido e
não foi contemplada, resolveu contestar a validade do testamento para que
também fosse beneficiado.
Para tanto, alegou que a escritura pública do documento não teria sido
lavrada pelo oficial do cartório, mas por terceiro, funcionário da
serventia, que não possuía fé pública. Argumentou também que as cinco
testemunhas não acompanharam integralmente o ato, o que levaria à nulidade
“a disposição de última vontade, por ausência de requisitos essenciais
elencados no artigo 1.632 do Código Civil”. Para o sobrinho, a irmã que foi
mais beneficiada pelo testamento teria acompanhado a testadora durante todo
o procedimento, influenciando-a de forma a obter maior vantagem.
O TJPR não acolheu os argumentos em favor do sobrinho, esclarecendo que
levou em consideração a vontade da testadora, e não o excessivo rigor
formal. “O referido documento foi elaborado pelo Cartório Salinet,
tabelionato de notas tradicional da cidade de Londrina. Foi comprovado e não
restou dúvida alguma quanto à lucidez e juízo perfeito da testadora, e que
sua enfermidade não alterou essa condição. A simplicidade, pouca instrução,
hábitos reservados, vida recatada, poucas palavras, vêm demonstrar a lisura
da condução da vida da testadora, de sua educação, cordialidade e presteza
como pessoa e ser humano. Nada pode caracterizar que a mesma não tivesse
vontade própria. Portanto, não há o que falar em ilegalidade dos autos
formais do Testamento Público, uma vez que o documento é legal, legítimo,
verdadeiro, constando de informações e assinaturas verdadeiras, registradas
com fé pública”.
Inconformado, o sobrinho recorreu ao STJ para conseguir a nulidade do
testamento, mas o ministro Aldir Passarinho Junior, relator do recurso
especial, entendeu que a decisão do tribunal estadual “não merecia reparo”.
Segundo o ministro, “o vício formal somente deve ser motivo de invalidação
do ato quando comprometedor da sua essência, que é a livre manifestação da
vontade da testadora, sob pena de se prestigiar a literalidade em detrimento
da outorga legal à disponibilização patrimonial pelo seu titular”.
Em seu voto, Aldir Passarinho Junior enfatizou que não foi identificado
qualquer desvio de vontade da testadora e que os únicos “vícios” encontrados
se resumiam à ausência da testemunha “durante o ato da redução a escrito” e
ao fato de o testamento ter sido lavrado por servidor de cartório, não pelo
tabelião, mas dentro do Ofício de Notas e, por este último, lido e
subscrito. “Ora, parece-me que muito mais relevante é o testemunho relativo
ao teor das disposições emanadas pela testadora. Se a testemunha assistiu às
declarações, livres, e a leitura feita a posteriori com elas coincidia,
inexiste motivo para nulificação. É relevante observar que igualmente não
foi reconhecida qualquer evidência de incapacidade mental da testadora”,
explicou.
Para concluir, o ministro ainda salientou: “O autor do recurso é sobrinho da
testadora, enquanto as rés são suas irmãs, de modo que não é desarrazoado
imaginar-se que ela tenha desejado privilegiar aquelas pessoas mais próximas
em detrimento de um parente mais distante, filho de uma outra irmã que já se
encontrava falecida à época da elaboração do testamento. Por tais
circunstâncias, não conheço do recurso especial”.
REsp 600746 |