A Terceira Turma do Superior Tribunal de
Justiça (STJ) acolheu parcialmente o pedido de uma viúva para declarar a
existência unicamente de sociedade de fato entre ela e o seu falecido
marido, durante o período de 1961 a 1984, e, por consequência, afastar a
presunção do esforço comum na aquisição do patrimônio em nome de um ou de
ambos os integrantes da sociedade, para fins de partilha. Com a decisão, os
bens adquiridos pela mulher permanecem sob sua propriedade exclusiva.
No caso, os filhos do primeiro casamento do falecido ajuizaram ação de
reconhecimento de sociedade de fato contra a viúva. Na ação eles alegaram
que o pai, médico, passou a conviver, após transferir sua família para Belo
Horizonte (MG), em 1960, com a segunda mulher, na época enfermeira por ele
contratada, e que a partir de 1967, adquiriu vários bens imóveis em nome
exclusivamente dela e da filha nascida na constância da união. Eles
relataram que, somente em 1972, o pai se separou judicialmente da mãe deles
e que casou com a segunda mulher, em outubro de 1984, sob o regime de
separação de bens.
Os filhos aduziram, como causa de pedir, a comprovada existência de
sociedade de fato entre o pai e a viúva, no período compreendido entre os
anos de 1961 a 1984. Por fim, argumentaram a possibilidade de, após o
reconhecimento judicial da sociedade de fato, formalizar a partilha do
patrimônio adquirido com o esforço comum, devendo a meação do falecido pai
ser a eles destinada, já que rompida a união, quer voluntariamente, quer
pela morte de um dos conviventes, nasce para o outro o direito à partilha de
bens adquiridos durante a vida em comum, direito este que se estende aos
seus herdeiros.
A viúva, por sua vez, alegou a impropriedade da ação, a ilegitimidade ativa
dos autores, bem como a ausência de comprovação de que os imóveis listados
tenham sido adquiridos com recursos próprios do falecido marido. Sustentou
que é de família de imigrantes europeus, tendo desembarcado no Brasil em
novembro de 1948, no Rio de Janeiro e estabelecido residência com os pais em
Goiânia (GO). Fez alusão a diversas atividades por ela exercidas, algumas em
concomitância com outras, tais como professora particular de idiomas,
escrituraria e ‘tradutora-intérprete’, bem como técnica em raio X.
Ela relatou, ainda, que em 1964, passou a trabalhar para o falecido
acumulando as funções de técnica de raio X e recepcionista. Segundo ela,
durante 15 anos, a partir de 1967, destacou que exerceu a função de síndica
de Condomínio, atividade igualmente remunerada. Acrescentou que, de 1972 a
1984, dedicou-se também à venda de jóias. Por isso, argumentou que desde a
adolescência seguiu a escola do trabalho e da economia, moldada pela
motivação da família naquelas condições iniciais da imigração, dominada pelo
espírito de formar o patrimônio próprio e independente. Por fim, assegurou
que seu falecido marido formou patrimônio que beneficiou a ex-mulher e os
filhos do primeiro casamento, apresentando, respectivamente, relação dos
bens particulares do falecido e dos bens por ela adquiridos com rendimentos
próprios.
Em primeira instância, o pedido foi acolhido para declarar a existência da
sociedade de fato entre a viúva e o falecido. Ela apelou da sentença. O
Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) negou a apelação reconhecendo, assim, a
existência de concubinato entre ela e o falecido, a partir de 1961, e,
posteriormente, de união estável, de 1972 a 1984, ressaltando que a questão
referente ao patrimônio obtido na constância da união ou a sua possível
partilha com os herdeiros do falecido, como não foi objeto de pedido na
inicial, deverá de ser definida em ação própria.
Inconformada, a viúva recorreu ao STJ sustentando ofensa ao artigo 535,
incisos I e II do Código Processual Civil (CPC), além de dissídio
jurisprudencial.
Em sua decisão, a relatora, ministra Nancy Andrighi destacou que a
configuração da separação de fato entre o médico e a primeira esposa afasta
a hipótese de concubinato entre ele e a segunda mulher. Para a ministra, a
Lei 9.278/96, particularmente no que toca à presunção do esforço comum na
aquisição do patrimônio, por um ou por ambos os conviventes, não pode ser
invocada para determinar a partilha de bens se houve a cessação do vínculo
de fato, em vínculo decorrente de matrimonio, em data anterior à sua entrada
em vigência.
A ministra ressaltou que o reconhecimento da sociedade de fato é de rigor,
tendo ainda, em conta que foi apenas este o pedido formulado na inicial,
devendo para tanto, haver a comprovação do esforço comum na aquisição do
patrimônio para eventual partilha de bens, o que não se efetivou na espécie,
de modo que os bens adquiridos pela mulher permanecem sob sua propriedade.
REsp 1097581
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