É válida a doação de um cônjuge ao outro na constância do matrimônio, quando
adotado, por força da lei, o regime de separação de bens de acordo com o
Código Civil de 1916 (CC/16). A Terceira Turma do Superior Tribunal de
Justiça (STJ) não atendeu ao recurso de uma filha e manteve a decisão de
segunda instância que reconheceu a validade das doações feitas pelo pai (já
falecido) à segunda esposa, com a qual foi casado sob o regime de separação
obrigatória de bens.
A filha recorreu ao STJ após o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS)
ter negado seus pedidos de declaração de nulidade das doações e declaração
de proprietária dos bens doados devido ao fato de ser a única herdeira. Para
o TJ, embora haja determinação legal para que o casamento entre noivo que já
completou 60 anos e noiva maior de 50 anos seja realizado sob o regime de
separação total de bens, dali não decorre a impossibilidade de efetuarem os
cônjuges doações favorecendo-se reciprocamente, pois o artigo 312 do Código
Civil estabelece vedação apenas para a doação através de pacto antenupcial.
Além disso, o Tribunal manteve a condenação da filha ao pagamento de
indenização à viúva no valor de ¼ dos aluguéis relativos aos bens dos quais
é usufrutuária, devendo os frutos e rendimentos desses bens ser apurados em
liquidação de sentença por arbitramento, devidos a contar da citação até o
momento em que a viúva for imitida na posse deles.
O recurso especial alegou que as doações feitas pelo pai são nulas, pois
foram realizadas na constância do regime legal da separação de bens. Dessa
forma, admitir a validade das doações importa necessariamente modificar o
regime de bens, o que a lei proíbe, conforme o artigo 230 do CC/16.
Ao analisar a questão, a relatora, ministra Nancy Andrighi, destacou que são
válidas as doações promovidas na constância do casamento por cônjuges que
contraíram matrimônio pelo regime da separação de bens, já que o CC/16 não
as veda, fazendo-o apenas com relação às doações antenupciais. Além disso, o
fundamento que justifica a restrição dos atos praticados por homens maiores
de 60 e mulheres acima de 50 anos, presente à época em que promulgado o CC/16,
não mais se justificam nos dias de hoje, de modo que a manutenção de tais
restrições representa ofensa ao principio da dignidade da pessoa humana.
Por fim, a ministra ressaltou que nenhuma restrição seria imposta pela lei
às referidas doações caso o doador não tivesse se casado com a donatária.
Ademais, “sendo expresso o princípio segundo o qual a lei deverá reconhecer
as uniões estáveis, porém fomentando sua conversão em casamento (artigo 226,
parágrafo 3o, da CF), não há sentido em se admitir que o matrimônio do de
cujus e a recorrida implique, para eles, restrição de direitos, em vez de
ampliação de proteções”, afirmou a ministra.
REsp 471958
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