Como é sabido, após a
celebração do casamento civil, o patrimônio adquirido pelo casal antes e
na constância do matrimônio passa, necessariamente, a ser regrado por um
determinado regime, cuja adoção pode ser livremente convencionada pelos
noivos. Isto é realizado por meio da formalização de um pacto ou
contrato pré-nupcial. Na ausência desse documento, submetem-se os bens
dos cônjuges ao regime estabelecido por lei.
No passado, por disposição da lei, os bens da mulher e do marido eram
submetidos ao regime de comunhão universal. Ou seja, havia plena
comunicabilidade de bens. Entendia-se, nas palavras do jurista Lafayette
(1), que a comunhão era por certo o regime que mais se coadunava com a
índole da sociedade conjugal, representando no mundo material a
identificação da vida e destino dos cônjuges, “confundindo na mais
perfeita igualdade os interesses de um e de outro.”
Todavia, com o passar dos tempos, as alterações na sociedade, entre as
quais destacamos a independência socioeconômica da mulher, distanciaram
a realidade do casamento daquele antigo modelo. A Lei 6.515/77, que
instituiu o divórcio no Brasil, consolidou tal modificação, ao passar a
estabelecer como regime legal o da comunhão parcial de bens,
posicionamento seguido pelo Código Civil de 2002, nos termos do seu
artigo 1.640 e seguintes. Ou seja, caso antes do casamento os noivos não
tenham convencionado, por meio de pacto ou contrato pré-nupcial, o
regime ao qual pretendem submeter seu patrimônio, celebrado o
matrimônio, o regime patrimonial vigente é o da comunhão parcial, que
determina a comunicação somente dos bens adquiridos após o casamento.
Para aqueles que optarem por regime diverso da comunhão parcial, como a
separação total ou a comunhão universal, por exemplo, tratou o Código
Civil atual, nos moldes dos artigos 1.653 a 1.657, acompanhando as
regras do Código Civil de 1916, de dispor sobre o pacto ou contrato
pré-nupcial. Este é o instrumento pelo qual esposa e marido, no âmbito
da sua autonomia privada, antes da celebração do casamento, acordam não
apenas sobre o regime de bens a que pretendem submeter o seu patrimônio,
mas também, se assim desejarem, sobre tudo que esteja relacionado à
relação matrimonial, desde que não viole disposição absoluta de lei.
Por disposição absoluta, a título de exemplificação, cite-se a
impossibilidade de os cônjuges transacionarem acerca da fixação de
alimentos ou estipularem sua renúncia. Nessa mesma linha, homens e
mulheres maiores de 60 e 50 anos, respectivamente, também estão
impedidos de optar por outro regime que não o da separação absoluta de
bens.
Cláusulas que prevejam o não cumprimento de quaisquer dos deveres dos
cônjuges arrolados no artigo 1.566 do CC/2002, tais como fidelidade e
respeito recíprocos, mútua assistência e sustento dos filhos,
igualmente, ainda que constem do instrumento, não produzem quaisquer
efeitos. Em outras palavras, não podem os cônjuges estipular renúncia à
fidelidade, ou, ainda, que estão desobrigados a prestar assistência
recíproca, mesmo que haja proveito econômico imediato ao renunciante. A
lei veda tais estipulações, devendo o Poder Judiciário, se provocado,
anulá-las de pleno direito para qualquer efeito.
Importante destacar a crescente utilização do contrato pré-nupcial,
ainda que, para alguns mais conservadores, demagogos ou ingênuos, seja
motivo de mal-estar entre nubentes e suas famílias, por tratar de
questões de ordem patrimonial e financeira antes do casamento.
Apesar da resistência de alguns, o contrato pré-nupcial é um instrumento
importante na prevenção de conflitos, principalmente quando celebrado
entre casais de nível sociocultural e/ou socioeconômico díspares, ou,
também, quando um dos noivos exerce atividade econômica de elevado risco
financeiro, bem como na hipótese de haver herdeiros, no caso filhos,
advindos de outras uniões.
Certamente, o contrato pré-nupcial, se bem elaborado, impede a
instauração de litígios sobre partilha de bens e pode evitar que o
patrimônio do casal seja dilapidado por fatores externos, tal como o
risco da atividade profissional da mulher ou do homem. Assim, os noivos
devem ficar atentos à norma inserta no artigo 1.653 do Código Civil de
2002, que assevera ser imprescindível a formalização do contrato
pré-nupcial por escritura pública para que seja válido. Neste mesmo
sentido, para que produza efeitos perante terceiros, dispõe o artigo
1.657 da mesma lei que o contrato deve ser registrado, em livro
especial, pelo oficial do Registro de Imóveis do domicílio do casal.
Assim, o contrato pré-nupcial é um instrumento útil para prevenção de
conflitos e eficaz em propiciar segurança jurídica aos casais, comumente
vitimados por conflitos de ordem patrimonial, ainda que de acanhado
valor econômico, mas que certamente demandam desnecessário e expressivo
desgaste emocional e financeiro.
Nota de rodapé
(1) “Direito de Família”, Rio 1889, p.98
Rodrigo Tubino Veloso e advogado, formado pela Faculdade de
Direito da USP, pós-graduado em Administração pela FGV, pós-graduado em
Direito Processual Civil na Escola Paulista de Magistratura e
coordenador da comissão de prerrogativas da Ordem dos Advogados do
Brasil, seção de São Paulo, é especialista em defesa do consumidor e
direito civil. |