USUCAPIÃO CONEXA A AÇÃO DE RETIFICAÇÃO DE ÁREA
- MORTE DE PARTE - AUTOS CONEXOS - NECESSIDADE DE SUSPENSÃO DO FEITO E
REGULAR HABILITAÇÃO - INOBSERVÂNCIA DE TAL REGRA - VÍCIO PROCESSUAL
RECONHECIDO - NULIDADE DECLARADA
- Segundo a legislação processual civil pátria, a morte de uma das partes
importa na necessidade de substituição do falecido pelos seus sucessores,
com a determinação de suspensão do feito, e não observada a regular
substituição, a nulidade processual a partir da data do falecimento é medida
que se impõe.
Apelação Cível n° 1.0319.05.021810-0/001 conexo com as Apelações Cíveis nos
1.0319.96.000135-6/001 e 1.0319.96.000137-2/001 - Comarca de Itabirito -
Apelante: Antônio Eustáquio de Castro e sua mulher - Apelados: João Ribeiro
Braga e sua mulher - Relator: Des. Valdez Leite Machado
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 14ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na
conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade
de votos, em acolher preliminar e anular o processo.
Belo Horizonte, 26 de março de 2009. - Valdez Leite Machado - Relator.
N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S
DES. VALDEZ LEITE MACHADO - Cuida-se de recursos de apelação interpostos
pelo espólio de Antônio Francisco dos Santos, qualificado nos autos, contra
a sentença proferida em ação de usucapião por ele ajuizada, sendo ainda, nos
autos em apenso, o recurso interposto por Antônio Eustáquio de Castro e sua
mulher contra a sentença proferida em ação de retificação de área.
O autor, na ação de usucapião, alegou, em síntese, na inicial, que mantém a
posse de um imóvel, situado no lugar denominado "Moreira", município de
Itabirito-MG, com área de 76.680 m², há mais de trinta anos consecutivos e
que paga anualmente todos os impostos referentes ao imóvel.
Manifestaram-se os representantes das respectivas Fazendas Públicas.
Antônio Eustáquio de Castro e sua esposa apresentaram a contestação de f.
59-61, alegando que não procede a alegação do autor, dizendo ser possuidor
de toda a área descrita na inicial. Informaram que tramita na Comarca uma
ação de retificação de área, que tem por objeto a área do terreno
usucapiendo.
O d. Representante do Ministério Público opinou às f. 96-100 pela
procedência do pedido.
Sobreveio a sentença de f. 156-162, entendendo o d. Juízo que o autor
pretende seja declarada a sua propriedade, adquirida através da usucapião
ordinária, todavia o imóvel descrito na inicial não retrata de forma
detalhada as divisas. Concluiu por julgar improcedente o pedido inicial.
Condenou o requerente ao pagamento das custas e honorários advocatícios
fixados em R$ 5.000,00 (cinco mil reais).
Espólio de Antônio Francisco dos Santos interpôs o recurso de apelação de f.
164-162, alegando que o autor trouxe aos autos várias provas, documentais e
testemunhais, comprovando que tem a posse do imóvel há mais de vinte anos.
Asseverou que a área usucapienda está devidamente delimitada, constando dos
autos a planta e o memorial descritivo precisos, não havendo o que
questionar.
Antônio Eustáquio de Castro e sua esposa apresentaram as contrarrazões de f.
176-182, alegando haver irregularidade processual por não ter sido realizada
a habilitação processual nos termos do art. 1.055 do Código de Processo
Civil.
Colhido o parecer do i. Representante da d. Procuradoria de Justiça (f.
170), entendeu pela desnecessidade de intervenção do Órgão Ministerial.
Nos autos em apenso, de nº 1.0319.96.000135-6/001, pretendem os autores a
retificação de área, nos termos da Lei de Registro Público, para incluir a
diferença apontada, fundindo-se, ainda, as matrículas dos imóveis em outra,
encerrando-se as primitivas.
Julgado improcedente o pedido naqueles autos, os autores interpuseram o
recurso de apelação, pretendendo seja reformada a sentença para que seja
realizada a retificação da área pretendida, pois o laudo pericial foi
conclusivo de que a procedência do pedido não irá alterar o domínio da
pedreira.
Passo a analisar os Autos de nº 1.0319.96.000137-2/001 e nº
1.0319.96.000135-6/001 em conjunto.
Recursos próprios, tempestivos e devidamente preparados, deles eu conheço.
Compulsando o que consta dos Autos de nº 1.0319.96.000137-2/001 (ação de
usucapião) e nos Autos nº 1.0319.96.000135-6/001 (ação de retificação de
área), verifico que o autor da primeira e réu da segunda, Sr. Antônio
Francisco dos Santos, faleceu em 16.01.02, conforme informado às f. 265 dos
Autos de nº 1.0319.96.000135-6/001.
Noto ainda que foi noticiado nos autos daquela ação o falecimento do Sr.
Antônio Francisco dos Santos (Autos nº 1.0319.96.000135-6/001), tal fato nem
sequer constou dos presentes autos, ação de usucapião, na qual figurava como
autor.
Assim, entendo que razão assiste à parte apelada, quando apontou tal
nulidade em suas contrarrazões recursais, pois deveria ter sido procedida a
regular habilitação nos termos do art. 1.055 a 1.062 do Código de Processo
Civil, o que não ocorreu.
Ora, a regra do art. 265, I, do CPC é imperativa e incondicional e,
ocorrendo a morte ou a perda da capacidade processual de qualquer das
partes, suspende-se o processo, salvo se já tiver sido iniciada a audiência
de julgamento.
A propósito, destaca E.D. Moniz de Aragão (in Comentários ao Código de
Processo Civil. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1974, v. II, p. 386) que:
"Falecida alguma das partes, é evidente que o processo terá seu curso
interrompido, dado que desaparece um dos sujeitos da relação processual.
Conquanto o art. 1.572 do Código Civil diga que é imediata a transferência
dos direitos e obrigações do falecido aos seus herdeiros e sucessores, isto
não se dá no plano processual, sendo necessária a habilitação (art. 1.055) e
a constituição de novo advogado, pois o mandato do anterior a morte
extinguira (Código Civil, art. 1.316, II)".
Assim também o entendimento jurisprudencial:
"Em ação incidental de embargos do devedor pode ser arguida a nulidade da
sentença exequenda, sob o fundamento de haver falecido o réu após a citação
e anteriormente à audiência (procedimento sumaríssimo), sem que fosse
efetuada a suspensão do processo e propiciada a habilitação dos sucessores.
Nulidade decretada dos atos processuais realizados após o óbito, assumindo
os embargos caráter rescindente" (STJ - 4ª Turma - REsp 8.609/PR - Rel. Min.
Athos Carneiro - DJU de 03.08.92).
"Verificada a morte da parte (poucos dias depois da sentença), o juiz deve
suspender o processo até a habilitação do espólio ou dos herdeiros.
Inteligência dos arts. 43 e 265, inc. I, do CPC" (TARS - 1ª CC - Apel. Civ.
196219307 - Rel. Juiz Claudir Fidélis Faccenda - DJU de 30.09.97).
Logo, no caso dos autos, tenho que o douto Sentenciante a quo decidiu, data
vênia, equivocadamente, proferindo a sentença de f. 136-142 dos Autos nº
1.0319.96.000137-2/001 e a de f. 301-306 dos Autos de nº
1.0319.96.000135-6/001, pois necessária se faz a habilitação dos sucessores.
Cumpre ainda ressaltar que, apesar de ter sido noticiado nos autos da ação
de retificação o falecimento do Sr. Antônio Francisco dos Santos, que nesta
ação figura no polo passivo, não houve manifestação do Juízo singular a
respeito.
Sobre o tema, Hamilton de Moraes e Barros (in Comentários ao Código de
Processo Civil, Rio de Janeiro: Forense, v. IX, p. 400) doutrina que:
"Denomina-se habilitação o processo em que os sucessores das partes
ingressam em juízo, para demonstrar sua qualidade de legítimos continuadores
das partes originais, isto é, daquelas que iniciaram a causa ou nela vieram
a entrar, para integrar ou compor a relação processual.
A função da habilitação é recompor a relação processual, a fim de que possa
continuar o processo interrompido pela morte da parte ou do procurador.
A morte de qualquer das partes litigantes é causa de interrupção do
processo.
É que, como dizia Pimenta Bueno, cessa a possibilidade de o finado sustentar
a ação ou defesa".
Ora, não tendo sido realizada a habilitação, os processos não poderiam
prosseguir, restando nulos todos os atos posteriores à data do falecimento.
Ante o exposto, declaro nulos todos os atos processuais realizados após o
falecimento do Sr. Antônio Francisco dos Santos, autor na Ação de nº
1.0319.96.000137-2/001 e réu na Ação de nº 1.0319.96.000135-6/001, inclusive
as respectivas sentenças, ficando prejudicada a matéria debatida nos
recursos ora apresentados, devendo os autos retornar à Comarca de origem
para que se proceda, na forma da lei, à habilitação de seus sucessores.
Custas, ex lege.
Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Evangelina Castilho
Duarte e Antônio de Pádua.
Súmula - ACOLHERAM PRELIMINAR E ANULARAM O PROCESSO.
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