Usucapião especial rural - Art. 191 da CF - Requisitos não preenchidos - Improcedência do pedido - Jurisprudência Cível - TJMG

 

USUCAPIÃO ESPECIAL - PROPRIEDADE RURAL - AUSÊNCIA DE REQUISITOS - IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO - VOTO VENCIDO

Ementa: Apelação cível. Usucapião especial rural. Art. 191 da Constituição Federal. Requisitos não preenchidos. Improcedência do pedido.

- O art. 191 da Constituição Federal estabelece os requisitos que devem ser preenchidos para fins de aquisição de imóvel por usucapião especial rural. A ausência de quaisquer deles obsta a declaração do domínio.

V.v. - Ação de usucapião especial de imóvel rural. Art. 191 da Constituição Federal. Requisitos para aquisição do domínio. Moradia. Interpretação teleológica. Animus domini. Investimentos realizados na propriedade que evidenciam a posse com intenção de dono. Registros na matrícula do imóvel usucapiendo. Não-configuração de oposição à posse.

- Constituem requisitos para a aquisição de domínio rural por meio de usucapião especial: a) posse ad usucapionem - isto é, ininterrupta, sem oposição e com animus domini - pelo prazo de 5 (cinco) anos; b) imóvel rural de no máximo 50 hectares; c) exploração do imóvel para sustento da família, servindo de moradia ao possuidor; d) não ser o possuidor proprietário de outro imóvel, rural ou urbano.

- Interpretando-se teleologicamente os requisitos da usucapião especial, chega-se à conclusão de que pouco importa o fato de se ter fixado moradia fora da área usucapienda, porém próximo à sua divisa, desde que fique claro que tal área é utilizada para garantir o sustento do possuidor e de sua família, tornando-a produtiva.

- Os investimentos efetuados no imóvel usucapiendo relativos a cultivos e plantações demonstram a posse com intenção de dono, isto é, cum animi domini.

- A simples inscrição de penhora ou título no Registro Imobiliário não implica oposição à posse ad usucapionem, porquanto tais atos referem-se única e exclusivamente à propriedade.

Apelação Cível ndeg. 1.0480.04.053409-5/001 - Comarca de Patos de Minas - Apelantes: Jadir Grampes e sua mulher - Apelados: Indústria de Rações Patense Ltda. e Antônio Lourenço dos Reis - Relator: Des. Elpídio Donizetti - Relator para o acórdão: Des. Adilson Lamounier

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a 13ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, em rejeitar preliminar de nulidade da sentença, à unanimidade, e, no mérito, negar provimento, vencido o Relator.

Belo Horizonte, 6 de setembro de 2007. - Adilson Lamounier - Relator para o acórdão - Elpídio Donizetti - Relator vencido.

N O T A S  T A Q U I G R Á F I C A S

DES. ELPÍDIO DONIZETTI (convocado) - Trata-se de apelação interposta à sentença, que, nos autos da ação de usucapião especial ajuizada por Jadir Grampes e s/m, Márcia de Fátima Grampes, julgou improcedente o pedido formulado na inicial.

Na sentença (f. 112/114), o Juiz de primeiro grau, inicialmente, rejeitou a preliminar de impossibilidade jurídica do pedido, ao argumento de que não há vedação no ordenamento jurídico ao pedido deduzido pelos autores.

Quanto ao mérito, salientou que não restou comprovado um dos requisitos necessários para a aquisição do domínio por meio de usucapião especial de imóvel rural, qual seja a moradia. Nesse sentido, asseverou que "é fato incontroverso a inexistência de casa de morada na área usucapienda, visto que os próprios autores 'reconhecem que construíram uma pequena residência na gleba pertencente a seus pais e a 30 metros da divisa da área reclamada na inicial' (f. 86)" (f. 113).

Acrescentou ainda o Juiz sentenciante que não se pode qualificar a posse dos autores como mansa e pacífica, haja vista que a ocupação do imóvel ocorreu de forma precária, mediante permissão do antigo proprietário, e no curso da demanda executiva por meio da qual o réu Antônio Lourenço dos Reis arrematou o bem.

Inconformados com a sentença, os autores interpuseram apelação (f. 115/122), aduzindo, em síntese, que:

a) os requisitos exigidos para a aquisição do domínio por meio de usucapião especial não devem ser interpretados literalmente, razão pela qual o fato de os autores terem fixado moradia na propriedade dos seus pais, a trinta metros da divisa do imóvel usucapiendo, não prejudica o espírito da lei, sobretudo porque tornaram tal imóvel produtivo;

b) "o posseiro pobre que levanta um rancho a 30 metros de distância da divisa do imóvel e ali estabelece moradia provisória, até que, com os recursos auferidos como lavrador, venha a ter condições de construir uma casa dentro dos limites do imóvel do qual tem a posse, não pode ter a ação julgada improcedente pelo simples fato de residir a 30 metros do imóvel" (f. 117/118, sic);

c) não há que se falar em posse precária do bem pelos autores, porquanto quem arrendou o imóvel foi a testemunha José Carlos Reais, que admite ter abandonado a terra em 1997, quando os autores passaram a explorá-la;

d) os inúmeros investimentos realizados com relação ao imóvel usucapiendo comprovam o animus domini.

Desse modo, requerem, à guisa de preliminar, a anulação da sentença, ou, caso assim não se entenda, seja dado provimento à apelação para julgar procedente o pedido deduzido na inicial.

Em contrapartida, a ré Indústria de Rações Patense Ltda. apresentou contra-razões (f. 124/125), pugnando pela manutenção da sentença pelos seus próprios fundamentos.

O réu Antônio Lourenço dos Reis também apresentou contra-razões (f. 126/130), argumentando, em suma, que:

a) o estabelecimento de moradia no imóvel rural é requisito indispensável para a aquisição do domínio por meio de usucapião especial, o que não foi demonstrado pelos autores;

b) não há que se falar em posse mansa e pacífica, pois "ficou provado que os apelantes não moravam no imóvel e que o apelado houve as terras usucapienda por carta de arrematação (f. 34/35) e que durante o processo executivo que deu origem a referida carta, a penhora foi registrada junto ao CRI competente (f. 42); que as terras foram objeto de depósito judicial (f. 41) e posteriormente avaliadas e praceadas" (f. 128, sic);

c) "não pode ser verdade a alegação dos apelantes que passaram a usar o imóvel no ano de 1997, pois em 09 de Janeiro de 1998 (fls. 52) o imóvel em questão sofreu alteração dominial, pois o depositário e devedor na ação de execução que deu origem à carta de arrematação, participou da divisão amigável das terras que lhe pertencia, o que afasta a possibilidade de estarem os apelantes de posse do imóvel" (f. 129, sic).

A Procuradoria-Geral de Justiça exarou parecer opinando pelo não-provimento da apelação (f. 138-140-TJ), ao fundamento de que os autores não residem no imóvel usucapiendo.

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço da apelação.

1 - Da preliminar de nulidade da sentença.

Alegam os autores (apelantes), de forma vaga, que a sentença deve ser declarada nula, "por ser injusta, contrária à prova dos autos" (f. 122).

A despeito da alegação dos apelantes, deve-se observar que o grau de justiça da decisão não guarda correlação com sua validade, ou seja, não é porque determinada decisão resolveu o mérito de modo injusto ou errado que se deve reputá-la nula.

Ao se buscar a modificação da solução dada à lide, como, de fato, pretendem os apelantes, não se pode falar em invalidação da sentença, mas sim em reforma, conforme se infere da lição de Humberto Theodoro Júnior:

"Quanto ao fim colimado pelo recorrente, os recursos podem ser classificados como:

a) de reforma, quando se busca uma modificação na solução dada à lide, visando a obter um pronunciamento mais favorável ao recorrente;

b) de invalidação, quando se pretende apenas anular ou cassar a decisão, para que outra seja proferida em seu lugar; ocorre geralmente em casos de vícios processuais;

c) de esclarecimento ou integração, são os embargos declaratórios onde o objeto do recurso é apenas afastar a falta de clareza ou imprecisão do julgado, ou suprir alguma omissão do julgador (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 41. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, v. 1, p. 509).

Vale anotar que da análise da decisão recorrida não se verifica violação de requisitos formais ou ocorrência de julgamento fora dos limites da lide, o que é suficiente para afastar a alegação de nulidade da sentença.

Dessa maneira, impende rejeitar a preliminar suscitada pelos apelantes.

2 - Da usucapião especial de imóvel rural.

Entendeu o Juiz sentenciante que não restou comprovado nos autos um dos requisitos necessários para a aquisição do domínio por meio de usucapião especial de imóvel rural, qual seja a moradia. Nesse sentido, asseverou que "é fato incontroverso a inexistência de casa de morada na área usucapienda, visto que os próprios autores 'reconhecem que construíram uma pequena residência na gleba pertencente a seus pais e a 30 metros da divisa da área reclamada na inicial' (f. 86)" (f. 113).

Acrescentou ainda o Magistrado que não se pode qualificar a posse dos apelantes como mansa e pacífica, haja vista que a ocupação do imóvel ocorreu de forma precária, mediante permissão do antigo proprietário, e no curso de demanda executiva por meio da qual o réu Antônio Lourenço dos Reis (segundo apelado) arrematou o bem.

Inconformados, alegam os apelantes que os requisitos exigidos para a aquisição do domínio por meio de usucapião especial não devem ser interpretados literalmente, razão pela qual o fato de terem fixado moradia na propriedade dos seus pais, a trinta metros da divisa do imóvel usucapiendo, não prejudica o espírito da lei, sobretudo porque tornaram tal imóvel produtivo (f. 116/120).

Ressaltam que "o posseiro pobre que levanta um rancho a 30 metros de distância da divisa do imóvel e ali estabelece moradia provisória, até que, com os recursos auferidos como lavrador, venha a ter condições de construir uma casa dentro dos limites do imóvel do qual tem a posse, não pode ter a ação julgada improcedente pelo simples fato de residir a 30 metros do imóvel" (f. 117/118, sic).

Sob outro prisma, salientam que não há que se falar em posse precária do bem pelos apelantes, porquanto quem arrendou o imóvel foi a testemunha José Carlos Reais, que admite ter abandonado a terra em 1997, quando os apelantes passaram a explorá-la (f. 120/121).

Por fim, sustentam que os inúmeros investimentos realizados com relação ao imóvel usucapiendo comprovam o animus domini (f. 121/122).

Primeiramente, deve-se destacar que, em se tratando de usucapião especial de imóvel rural, dispõe o art. 191, caput, da CF/88 que:

"Art. 191. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade".

Pelo que se depreende da norma transcrita - cujo teor, diga-se de passagem, foi reproduzido de modo praticamente idêntico pelo art. 1.239 do CC/2002 -, constituem requisitos para a aquisição de domínio rural por meio de usucapião especial: a) posse ad usucapionem - isto é, ininterrupta, sem oposição e com animus domini - pelo prazo de 5 (cinco) anos; b) imóvel rural de no máximo 50 hectares; c) exploração do imóvel para sustento da família, servindo de moradia ao possuidor; d) não ser o possuidor proprietário de outro imóvel, rural ou urbano.

Como se vê, a usucapião especial distingue-se das demais espécies de usucapião pelo nítido caráter social, dispensando até mesmo a boa-fé e o justo título do possuidor. A respeito desse instituto, vale transcrever a lição de Caio Mário da Silva Pereira:

"As características fundamentais desta categoria especial de usucapião baseiam-se no seu caráter social. Não basta que o usucapiente tenha a posse associada ao tempo. Requer-se, mais, que faça da gleba ocupada a sua moradia e torne produtiva pelo seu trabalho ou seu cultivo direto, garantindo desta sorte a subsistência da família, e concorrendo para o progresso social e econômico. Se o fundamento ético do usucapião tradicional é o trabalho, como nos parágrafos anteriores deixamos assentado, maior ênfase encontra o esforço humano como elemento aquisitivo nesta modalidade especial" (PEREIRA, Caio Mário. Instituições de direito civil. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, v. 4, p. 152).

No caso sob julgamento, argumentam os apelantes que em março de 1997 fixaram moradia em área rural de 23,03,08 ha, sobre a qual mantêm posse ininterrupta e sem oposição desde a referida data (f. 2-7).

No que diz respeito à fixação de moradia na área objeto de usucapião, cumpre salientar que os próprios apelantes, na audiência de instrução e julgamento, reconheceram que "construíram uma pequena residência na gleba pertencente aos seus pais e a 30 metros da divisa da área reclamada na inicial e objeto da ação" (f. 86).

Com base em tal declaração, poder-se-ia afirmar, em uma conclusão apressada, que não se encontra preenchido o requisito da moradia para a aquisição do domínio de imóvel rural por meio da usucapião especial.

Não se pode perder de vista, entretanto, que as testemunhas ouvidas em juízo esclareceram que os apelantes tornaram a área usucapienda produtiva pelo seu trabalho, conforme se infere dos seguintes trechos dos depoimentos aludidos:

"[...] em meados de 1997, os autores passaram a utilizar o imóvel com pequenas plantações de soja, milho e feijão; que no imóvel usucapiendo não existem residências, entretanto, os autores construíram uma pequena casa de morada próxima à divisa da área em questão; [...] no imóvel existe uma pequena plantação de eucaliptos com idade de 6 e 7 anos; que os eucaliptos foram plantados pelos autores" (f. 87, depoimento prestado por Sebastião Geraldo da Silva).

"[...] o depoente acredita que os autores exercem posse sobre o imóvel há seis anos, aproximadamente; [...] acredita que os autores não exercem qualquer outro tipo de atividade; que no imóvel existe uma pequena plantação de eucaliptos com mais de 5 anos, mas não sabe se foram os autores responsáveis pela plantação" (f. 88, depoimento prestado por Vilmar Pereira Caixeta).

"[...] o depoente pode afirmar que os autores utilizaram o imóvel em questão desde 1997; que promoveram a plantação de soja, milho e feijão; [...] que dentro da área em questão não existem construções; [...] que na área existe uma pequena plantação de eucaliptos e com pouco mais de dois anos, promovida pelos autores" (f. 89, depoimento prestado por José Carlos do Reis).

Como se vê, embora os apelantes não tenham estabelecido moradia dentro dos limites do imóvel objeto de usucapião, não há dúvida de que tornaram o bem produtivo por meio do cultivo de soja, milho e feijão e da plantação de eucaliptos, fixando residência próxima à divisa.

Nesse contexto, deve-se frisar que o principal fundamento da usucapião especial, como já mencionado, consiste na função social da propriedade. Assim, interpretando teleologicamente os requisitos para a aquisição do domínio por meio dessa modalidade de usucapião, chega-se à conclusão de que, no caso concreto, pouco importa que os apelantes tenham fixado moradia alguns metros fora da área usucapienda, em imóvel pertencente aos pais do apelante Jadir Grampes. Isso porque, do conjunto probatório trazido aos autos, fica claro que os apelantes, a par de não serem proprietários de outro imóvel, utilizam a área usucapienda com o fim de garantir seu sustento, tornando-a produtiva, o que é suficiente para preencher, sob o prisma finalístico, o requisito da moradia.

A título de corroboração, cumpre acrescentar que, na zona rural, os limites das propriedades não são precisamente definidos, o que torna insignificante o fato de a casa construída pelos apelantes situar-se apenas a trinta metros do verdadeiro limite da área usucapienda.

Quanto aos demais requisitos necessários para a configuração da usucapião especial, verifica-se que não há controvérsia a respeito da posse ininterrupta, do tamanho do imóvel usucapiendo e do transcurso do prazo de 5 (cinco) anos, pelo que se devem presumir verdadeiros tais fatos (art. 302, caput, do CPC). Por conseguinte, resta apreciar apenas os requisitos concernentes à intenção dos apelantes de se tornarem proprietários do bem (animus domini) e à ausência de oposição à posse.

No que diz respeito ao animus domini, destaca-se que, no caso dos autos, a intenção dos apelantes de possuírem o bem como se proprietários fossem decorre naturalmente dos investimentos efetuados no imóvel. Afinal, é evidente que quem explora o bem por meio de cultivos e plantações age com intenção de dono, isto é, cum animi domini.

Com relação à posse sem oposição, alega o segundo apelado que "ficou provado que os apelantes não moravam no imóvel e que o apelado houve as terras usucapiendas por carta de arrematação (f. 34/35); que, durante o processo executivo que deu origem a referida carta, a penhora foi registrada junto ao CRI competente (f. 42); que as terras foram objeto de depósito judicial (f. 41) e posteriormente avaliadas e praceadas" (f. 128, sic).

Acrescenta o segundo apelado, ainda, que "não pode ser verdade a alegação dos apelantes que passaram a usar o imóvel no ano de 1997, pois, em 9 de janeiro de 1998 (f. 52), o imóvel em questão sofreu alteração dominial, pois o depositário e devedor na ação de execução que deu origem à carta de arrematação participou da divisão amigável das terras que lhe pertenciam, o que afasta a possibilidade de estarem os apelantes de posse do imóvel" (f. 129, sic).

Realmente, pelo que se verifica do documento de f. 52/52-v., foram inscritas, em 03.10.97, 09.10.98 e 19.11.2001, três penhoras na matrícula do imóvel usucapiendo, além dos registros, datados de 1º.02.2002, de uma escritura pública de divisão amigável da fazenda entre José Eduardo Lutaif Dolci e Luiz Carlos Trevisan, lavrada em 09.01.98.

Não se pode olvidar, contudo, que os atos referidos não implicam oposição à posse dos apelantes, porquanto se referem única e exclusivamente à propriedade. E, mesmo que se admitisse que os registros mencionados importam em alguma restrição à posse dos apelantes, deve-se ressaltar que não é qualquer turbação à posse ad usucapionem que lhe retira a força de gerar domínio, razão pela qual não se pode "considerar interrupção de posse mansa e pacífica o simples ato de inscrição no Registro Imobiliário de título contrário ao do possuidor" (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 32. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. v. 3, p. 162).

Finalmente, deve-se esclarecer que, embora o Juiz sentenciante tenha reputado precária a posse dos apelantes sobre o imóvel usucapiendo, com base no depoimento da testemunha José Carlos dos Reis, o que se infere de tal depoimento é que não houve arrendamento do bem pelos apelantes, mas sim pela própria testemunha:

"[...] que em 1996 arrendou uma parte do imóvel em questão, onde plantou cenouras; que o acerto foi feito diretamente com Sr. Luiz Carlos Trevisan" (f. 89).

Dessa maneira, entende-se que todos os requisitos para a aquisição da propriedade por meio de usucapião especial se encontram preenchidos no caso vertente, razão pela qual deve ser dado provimento à apelação, a fim de se julgar procedente o pedido deduzido na inicial.

3 - Conclusão.

Ante o exposto, rejeito a preliminar e dou provimento à apelação para reformar a sentença e, por conseguinte, julgar procedente o pedido formulado na inicial, para declarar a aquisição da propriedade, pelos autores (apelantes), do imóvel rural de 23,03,08 ha localizado na Fazenda Barreiro, conforme planta e memorial descritivo juntados aos autos (f. 10/11).

Em face da sucumbência, condeno os réus (apelados) ao pagamento das custas processuais - inclusive recursais - e dos honorários advocatícios, os quais, atento ao disposto no art. 20, SS 4º, do CPC, fixo em R$ 1.000,00 (mil reais).

DES. ADILSON LAMOUNIER - Peço vênia ao eminente Des. Relator para divergir de seu respeitável voto.

Constitui a usucapião o modo originário de aquisição de propriedade e de outros direitos reais, pela posse prolongada da coisa durante determinado período de tempo, acrescida dos demais requisitos legais.

O art. 191 da Constituição Federal estabelece os requisitos que devem ser preenchidos para a aquisição da propriedade através da usucapião de imóvel rural, in verbis:

"Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade".

Os mesmos requisitos estão previstos no art. 1.239 do Código Civil. Assim, para o reconhecimento da prescrição aquisitiva da usucapião especial rural constitucional incumbe ao autor demonstrar o preenchimento de todos os requisitos legais.

Sobre a usucapião rural ensinam Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald na obra Direitos reais (Rio de Janeiro: Editora Lúmen Juris, 2006, p.303-304):

"Compreende a posse de área de terra em zona rural, não superior a 50 hectares, com ocupação por cinco anos ininterruptos, sendo o imóvel produtivo pelo trabalho e local de moradia da família, vedada a propriedade sobre outro imóvel no lustro legal (art. 191 da CF).

Conhecido como usucapião pro labore, teve por objetivo a fixação do homem no campo, requerendo ocupação produtiva do imóvel, devendo neste morar e trabalhar o usucapiente ou a entidade familiar. Esta modalidade de usucapião é regulada hodiernamente pela Lei nº 6.969/81, com as alterações provenientes de dispositivos que não foram objeto de recepção pelo texto constitucional".

Analisando detidamente os autos, verifica-se que os autores/apelantes não lograram demonstrar o preenchimento de todos os requisitos necessários à concessão da prescrição aquisitiva, uma vez que, embora os requerentes tenham tornado a área produtiva, não comprovaram a moradia no local.

Os próprios requerentes à f. 86 admitem que "construíram uma pequena residência na gleba pertencente aos seus pais e a 30 metros da divisa da área reclamada na inicial e objeto da ação".

Tal fato é corroborado pelo depoimento da testemunha Sebastião Geraldo da Silva à f. 87: "que no imóvel usucapiendo não existem residências; entretanto, os autores construíram uma pequena casa de morada próxima à divisa da área em questão".

E também da testemunha José Carlos dos Reis à f. 89: "que dentro da área em questão não existem construções; [...] que a casa do primeiro requerente está localizada a cem metros do imóvel em questão".

Vale citar a lição de Benedito Silvério Ribeiro, contida na sua obra Tratado de usucapião (São Paulo: Saraiva, 2003, v. 2, p. 1.029-1.030):

"Mesmo que exista produtividade, tem o possuidor que residir no imóvel usucapiendo, não bastando que esteja presente diariamente e que nele labute arduamente.

[...] Não importa haja sido construída a casa pelo usucapiente, importando que seja apta para a moradia.

É preciso assinalar que não basta situação fática desse jaez, sendo necessário o exercício da posse inter-relacionada com o trabalho e com a produção. Essa posse direta e com o objetivo de cultivação da terra e desenvolvimento da produção, pelo possuidor ou com o auxílio de sua família, moradores no local, constitui requisito de maior importância à configuração da usucapião pro labore, hoje possível de ser chamada constitucional".

A propósito, confira-se a jurisprudência:

"Ementa: Apelação cível. Ação de usucapião constitucional rural. Requisitos legais não preenchidos. Improcedência . Art. 191 da Constituição Federal.

- I - O preenchimento dos requisitos legais, desimportando tratar-se de usucapião extraordinária, especial, constitucional urbana ou rural, constitui conditio sine qua non para o reconhecimento da prescrição aquisitiva e, via de conseqüência, a declaração de domínio, sendo de todo inviável declarar o domínio sobre área não definida e não individuada e quando ausente o ânimo de dono do prescribente.

- II - Os requisitos previstos no art. 191 da CF são mais abrangentes do que os exigidos na legislação ordinária, que regra a usucapião extraordinária.

Recurso não provido" (Ap. Cível nº 70017759143, 17ª Câmara Cível, TJRS, Rel. Des. Alzir Felippe Schmitz, j. em 17.05.2007).

"Usucapião. Requisitos não comprovados. Improcedência do pedido inicial. - Na ação em que se busca o reconhecimento do domínio pela usucapião extraordinária, ao autor cabe provar, de forma inequívoca, os requisitos legais necessários para a declaração da prescrição aquisitiva. Sem prova inconteste, a pretensão deve ser julgada improcedente" (Ap. Cível nº 1.0518.03.043146-5/001, TJMG, Rel. Des. Pedro Bernardes, j. em 05.08.2006).

"Usucapião especial de imóvel rural. Art. 1º, Lei 6.969/81. Requisitos. Não-preenchimento. - Para efeito do usucapião com fundamento no art. 1º da Lei 6.969/81, exigem-se: área menor de 25 ha; posse mansa, pacífica, exercida ininterruptamente e sem oposição, por cinco anos; destinação do imóvel para moradia própria e ter tornado a área usucapienda produtiva com o seu trabalho e, ainda, não ser o requerente proprietário de outro imóvel (urbano ou rural). Faltando um deles, a argüição deve ser repelida" (Ap. Cível nº 2.0000.00.470457-8/000, TJMG, Rel. Des. Fernando Caldeira Brant, j. em 02.04.2005).

Assim, em que pese a função social da propriedade, em prol da segurança jurídica, não se pode reconhecer a prescrição aquisitiva sobre o imóvel rural sem que preenchidos todos os requisitos legais.

Dessa forma, como os apelantes não provaram a existência dos fatos constitutivos do direito à prescrição aquisitiva, a teor do disposto no art. 333, I, do Código de Processo Civil a sentença de primeiro grau merece confirmação.

Ante tais considerações, divergindo do eminente Desembargador Relator, nego provimento à apelação.

Custas recursais, pelos apelantes, incidente à espécie o art. 12 da Lei 1060/50.

DES.ª CLÁUDIA MAIA - De acordo com o Revisor.

Súmula - REJEITARAM PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA, À UNANIMIDADE, E, NO MÉRITO, NEGARAM PROVIMENTO, VENCIDO O RELATOR.


Fonte: Jornal "Minas Gerais" - 13/12/2007

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