AÇÃO ORDINÁRIA - UNIÃO HOMOAFETIVA - COMPANHEIRO - BENEFÍCIO
PREVIDENCIÁRIO - CONCESSÃO - PLANO DE SAÚDE - DEPENDENTE - INCLUSÃO -
POSSIBILIDADE - LACUNA DA LEI - ANALOGIA - UNIÃO ESTÁVEL - REQUISITOS -
EQUIPARAÇÃO - PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA -
PROCEDÊNCIA DO PEDIDO
Ementa: Ação ordinária. União homoafetiva. Analogia com a união estável
protegida pela Constituição Federal. Princípio da igualdade
(não-discriminação) e da dignidade da pessoa humana. Reconhecimento da
relação de dependência de um parceiro em relação ao outro, para todos os
fins de direito. Requisitos preenchidos. Pedido procedente.
- À união homoafetiva que preenche os requisitos da união estável entre
casais heterossexuais deve ser conferido o caráter de entidade familiar,
impondo-se reconhecer os direitos decorrentes desse vínculo sob pena de
ofensa aos princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana.
- O art. 226 da Constituição Federal não pode ser analisado isoladamente,
restritivamente, devendo observar-se os princípios constitucionais da
igualdade e da dignidade da pessoa humana. Referido dispositivo, ao declarar
a proteção do Estado à união estável entre o homem e a mulher, não pretendeu
excluir dessa proteção a união homoafetiva, até porque, à época em que
entrou em vigor a atual Carta Política, há quase 20 anos, não teve o
legislador essa preocupação, o que cede espaço para a aplicação analógica da
norma a situações atuais, antes não pensadas.
- A lacuna existente na legislação não pode servir como obstáculo para o
reconhecimento de um direito.
Apelação Cível/Reexame Necessário n° 1.0024.06.930324-6/001 - Comarca de
Belo Horizonte - Remetente: Juiz de Direito da 1ª Vara da Fazenda Pública e
Autarquias da Comarca de Belo Horizonte - Apelante: Estado de Minas Gerais -
Apelada: M.C.A. e outra - Relatora: Des.ª Heloísa Combat
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na
conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade
de votos, em rejeitar preliminar e, no reexame necessário, confirmar a
sentença, prejudicado o recurso voluntário.
Belo Horizonte, 22 de maio de 2007. - Heloísa Combat - Relatora.
N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S
DES.ª HELOÍSA COMBAT - Conheço da remessa oficial bem como do recurso
voluntário interposto, visto que presentes os pressupostos de sua
admissibilidade.
Trata-se de reexame necessário e recurso de apelação interposto pelo Estado
de Minas Gerais contra a r. sentença proferida pelo MM. Juiz de Direito da
1ª Vara da Fazenda Pública e Autarquias da Comarca de Belo Horizonte, de f.
108/113, que julgou procedente o pedido formulado na ação ordinária ajuizada
por M.C.A. e F.M., para determinar a inclusão definitiva da autora M.C.A. no
que se refere à assistência médica e odontológica, condenando o réu ao
pagamento de honorários advocatícios, arbitrados em R$ 1.200,00.
A r. sentença fundamentou-se no princípio constitucional da igualdade e
isonomia, que possibilita a extensão às pessoas do mesmo sexo que vivem em
união homoafetiva os mesmos direitos reconhecidos às uniões heterossexuais.
I - Questão preliminar: impossibilidade jurídica do pedido.
Os argumentos utilizados pelo apelante para fundamentar a preliminar de
impossibilidade jurídica do pedido confundem-se com o mérito da ação
ordinária. Tanto é assim que o próprio recurso não fez distinção entre
preliminar e mérito, tendo objetivado sejam julgados improcedentes os
pedidos iniciais.
Registre-se que a impossibilidade jurídica do pedido, ou sua
inadmissibilidade a priori, constitui antecipação da impossibilidade
jurídica do resultado pretendido, ou seja, dos efeitos sentenciais
postulados, é dizer, ocorre a impossibilidade jurídica do pedido quando
existir prévia proibição de seu conhecimento pelo juiz.
No caso em comento, tal condição da ação pode ser verificada, haja vista a
possibilidade de apreciação, pelo juiz monocrático, da pretensão deduzida na
petição inicial, inexistindo vedação legal para tanto. É dizer, o fato de a
dicção do art. 226, § 3º, da CF reconhecer a proteção do Estado à união
estável entre o homem e a mulher como entidade familiar não impede a
apreciação da questão que ora está sendo discutida, qual seja a extensão
dessa proteção à união homoafetiva, podendo-se afirmar que a presente ação
contém pedido que pode, perfeitamente, vir a ser atendido.
E, tendo em vista que as questões que fundamentaram a preliminar de
impossibilidade jurídica confundem-se com o mérito, deverão ser assim
apreciadas.
Posto isso, rejeita-se a preliminar.
II - Mérito.
Alegou o apelante que não há previsão legal para o acolhimento dos pedidos
formulados na inicial; que o ordenamento jurídico vigente, ao se referir à
união estável, equiparando-a à entidade familiar, menciona grupo composto
por homem e mulher, tal qual os casamentos possíveis pela legislação
processual.
Asseverou que o princípio constitucional da igualdade e isonomia não se
contrapõe ao disposto no art. 226 da CF, que optou por estender à união
estável entre homem e mulher, a proteção especial conferida à família; que,
à época em que a CF entrou em vigor, não mais era considerado tabu ou
socialmente reprovável a união homoafetiva, mas deliberou-se por restringir
o conceito união estável à coabitação entre pessoas de sexos distintos.
Aduziu que a assistência médico-hospitalar complementar oferecida pela [...]
é uma vantagem concedida a seus beneficiários, visto que não constitui
cumprimento de obrigação; que, entendido sob esse prisma, o benefício não
pode incluir usuários mediante interpretação extensiva.
Argumentou que não há falar em desigualdade, discriminação ou em violação à
dignidade da pessoa humana, mas tão-somente em acatamento ao princípio da
legalidade, norteador de toda atividade administrativa.
Registre-se, inicialmente, que incorreu, data venia, em erro material a r.
sentença, uma vez que, não obstante seja possível extrair da decisão a
intenção de reconhecer o direito da autora F.M., não só à inclusão como
dependente no plano de saúde e odontológico do qual é titular a autora
M.C.A., mas também para todos os fins de direito, incluindo o benefício de
pensão, o dispositivo foi omisso quanto a esse segundo aspecto.
Não há falar que foi infra petita o r. decisum, uma vez que o pedido de
reconhecimento do direito da autora F. M., para todos os fins de direito,
incluindo o benefício de pensão, foi apreciado, tendo ficado explicitada, no
corpo da sentença, a intenção do MM. Juiz singular de atender a todos os
pedidos da inicial, tanto que o pedido foi julgado totalmente procedente.
A meu ver, a omissão no dispositivo constitui mero erro material que deve
ser corrigido de ofício por esta magistrada, não sendo o caso de se anular a
sentença, devendo prevalecer, na espécie, os princípios da economia e
celeridade processual e da razoabilidade.
Quanto ao mérito, pretendem as autoras M.C.A. e F.M. a inclusão da segunda
como dependente da primeira no plano de saúde do qual ela é titular, bem
como para todos os fins de direito, inclusive pensão, tendo as autoras
fundamentado seu pedido no fato de que vivem em união estável desde 1990,
tendo construído uma vida em comum a partir de então.
Aduziram as requerentes que a [...] se nega a autorizar a Unimed a prestar
serviços de assistência médica à autora F.M., na condição de dependente da
funcionária M.C.A.
Inicialmente, cumpre salientar que, para a análise da possibilidade de
reconhecer a procedência do pedido inicial, faz-se necessário, antes,
verificar se a relação homoafetiva entre as autoras pode ser considerada
como união estável, o que, se positivo, implicaria reconhecimento do vínculo
como sendo entidade familiar.
Após análise da jurisprudência existente sobre o tema, verifiquei que alguns
Tribunais, apesar de reconhecerem os direitos decorrentes da união
homoafetiva, ainda resistem em considerar o vínculo como entidade familiar,
fundamentando suas decisões, muitas vezes, no reconhecimento pela
Constituição Federal, de forma expressa, apenas da união estável entre homem
e mulher como entidade familiar a merecer a especial proteção do Estado.
Oportuna a transcrição do art. 226, § 3º, da Constituição Federal:
"Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre
o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua
conversão em casamento''.
Todavia, a meu ver, os direitos decorrentes da união homoafetiva são
indissociáveis do conceito de entidade familiar, ou seja, não há como
conferir direitos sem, antes, reconhecer que a união entre pessoas do mesmo
sexo configure uma entidade familiar.
E, em meu entendimento, desde que preenchidos os requisitos necessários,
deve ser reconhecida como união estável a união homoafetiva. E,
considerando-se que a Constituição Federal reconhece o caráter de entidade
familiar da primeira, não há motivos para se negar à segunda o mesmo título.
A partir da segunda metade do século XX, com, dentre outros fatores, a
quebra do patriarcalismo, a revolução feminista e a globalização, a família
passou por grande transformação, tendo deixado de ter como requisitos apenas
o casamento, o sexo e a reprodução. Hoje, a antiga instituição é calcada,
acima de tudo, no vínculo afetivo, admitindo, pois, várias formas de
constituir uma família, que pode ser a tradicional, formada por pai, mãe e
filhos; aquela formada apenas por pai ou mãe e seus filhos; aquela
constituída apenas por irmãos, nada impedindo que pessoas de mesmo sexo
também formem uma família. Neste novo século, a antiga fórmula
preestabelecida para definir a família cedeu lugar ao convívio, ao
companheirismo e à afetividade.
Sobre o tema, a preciosa lição de Rodrigo da Cunha Pereira e Maria Berenice
Dias:
"As transformações da sociedade estão associadas a um novo discurso sobre a
sexualidade, cuja base foi assentada pela Psicanálise, ensejando constar que
a sexualidade se insere antes na ordem do desejo, que na genitalidade, como
sempre fora tratada pelo Direito. Ante essa mudança, o pensamento
contemporâneo ampliou seu horizonte sobre as diversas formas de manifestação
da afetividade, compreendendo as várias possibilidades de constituir uma
família. Principia, aí, a liberdade de afeto. Ou seja, a possibilidade de
não se sujeitar aos modelos herdados e ainda postos como lei. Ganho curso
histórico a libertação dos sujeitos.
(...) A legislação vigente regula a família do início do século passado,
constituída unicamente pelo casamento, verdadeira instituição,
matrimonializada, patrimonializada, patriarcal, hierarquizada e
heterossexual, ao passo que o moderno enfoque dado à família se volta muito
mais à identificação dos vínculos afetivos, que - enlaçando os que a
integram - consolidam a sua formação'' (Direito de Família e o Novo Código
Civil - Ed. Del Rey: 2002 - p. VII).
Registre-se que, com o ato de conferir à união homoafetiva o status de
entidade familiar, não se estaria caminhando para o fim da instituição
``família'', mas sim para a sua adequação aos anseios de uma nova sociedade,
mais justa, mais igualitária e menos preconceituosa. É dizer, conferir à
união homoafetiva o caráter de entidade familiar não significa reconhecer a
degradação da instituição "família'', mas sim a sua inevitável
transformação.
Na esteira da explanação acima, não se pode negar à união homoafetiva, que
preenche os requisitos da união estável, o caráter de entidade familiar,
impondo-se reconhecer os direitos decorrentes desse vínculo, sob pena de
ofensa aos princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana.
Ressalte-se que o art. 226 da Constituição Federal não pode ser analisado
isoladamente, restritivamente, devendo observar o princípio constitucional
da igualdade e da dignidade da pessoa humana. A meu sentir, o referido
dispositivo, ao declarar a proteção do Estado à união estável entre o homem
e a mulher, não pretendeu excluir dessa proteção a união homoafetiva, até
porque, à época em que entrou em vigor a atual Carta Política, há quase 20
anos, creio não tenha o legislador tido essa preocupação, o que cede espaço
para a aplicação analógica da norma a situações atuais, antes não pensadas.
Conforme consta no art. 126 do CPC, caberá ao julgador, no julgamento da
lide, aplicar as normas legais e, não as havendo, deverá recorrer à
analogia, aos costumes e aos princípios gerais do Direito.
Dessa forma, pode o julgador adotar interpretação de forma sistêmica e
evolutiva, em razão de mudanças históricas ou de fatos políticos e sociais
que não se encontravam presentes na mente do legislador, aproximando-se do
ideal de justiça, sem que haja norma expressa sobre a questão posta sob
discussão.
Não obstante não tenha a Constituição Federal de 1988 tratado da união
estável homoafetiva, referido diploma, por outro lado, foi claro quando
apregoou os princípios da liberdade, da igualdade (não-discriminação) e da
dignidade da pessoa humana, os quais devem prevalecer sobre a literalidade
do art. 226 da CF.
Data venia, a lacuna existente em nossa legislação não pode servir como
obstáculo para o reconhecimento de um direito.
No caso concreto, restou incontroverso nos autos que o vínculo entre as
autoras preenche todos os requisitos necessários para a configuração de uma
união estável, de um companheirismo, tendo sido demonstrado que elas
convivem desde o ano de 1990, ou seja, há 17 anos, tendo uma relação
duradoura, caracterizada pelo vínculo de afeto, respeito e mútua cooperação,
o que não foi questionado pelo requerido, o qual se limitou a aventar a
impossibilidade jurídica do pedido.
Diante das provas acostadas aos autos, impõe-se seja reconhecida a
existência de companheirismo entre as partes; e, considerando-se a
inexistência de legislação que regule essa situação jurídica, devem ser
aplicadas ao caso presente as normas relativas à união estável, tendo em
vista a semelhança e identidade entre os dois vínculos.
Em suma, a união deve ser vista sob o prisma de ocorrer entre seres humanos.
Portanto, forçoso concluir que a união homoafetiva gerou direitos para as
autoras, não merecendo reparos a r. sentença monocrática, que reconheceu o
direito da autora F.M. de passar à condição de dependente da autora M.C.A.
para fins de inclusão como dependente no plano de saúde e odontológico do
qual M.C. é titular, bem como para todos os fins de direito, incluindo o
benefício de pensão.
A propósito, trechos da brilhante decisão proferida pelo ilustre Ministro
Hélio Quaglia Barbosa, do colendo Superior Tribunal de Justiça (REsp nº
395.904, j. em 13.12.2005):
"Face à particularidade da espécie, deverá ser acionada a interpretação de
diversos preceitos constitucionais em conjunto, não apenas a do art. 226, §
3º, da Constituição Federal, para que, em seguida, se possa aplicar o
direito infraconstitucional à espécie.
O princípio da igualdade caminha juntamente com os princípios de idêntica
relevância, não podendo jamais estar dissociado do princípio da justiça, em
seu sentido mais puro.
Há que se perceber que não há igualdade jurídica no não direito.
Ao se negarem, mesmo através de mecanismos legais, direitos fundamentais,
entre eles o de sobrevivência, mediante percebimento de benefícios
previdenciários, a pessoas que, se fossem de sexos diferentes, lograriam
êxito em auferi-los, emerge um não-direito, ferindo o sentido que o Poder
Constituinte procurou proteger, com a igualdade, ao editar a Constituição
Federal de 1988.
(...) Ademais, 'a Constituição não é um conjunto de regras, mas um conjunto
de princípios, aos quais se devem afeiçoar as próprias normas
constitucionais, por uma questão de coerência. Mostrando-se uma norma
constitucional contrária a um princípio constitucional, tal fato configura
um conflito, e, assim, a norma deve ser considerada inconstitucional, como
sustentava Otto Bachof já em 1951. Assim, não se pode deixar de ter por
discriminatória a distinção que o art. 226, § 3º, da Constituição Federal
faz ao outorgar proteção a pessoas de sexos diferentes, contrariando
princípio constitucional constante de regra pétrea' (Maria Berenice Dias,
União homossexual - aspectos sociais e jurídicos, Revista Brasileira do
Direito de Família, janeiro, fevereiro e março de 2000, p. 11).
(...) O Supremo Tribunal Federal, ao julgar a PET nº 1984/RS, Relator o Sr.
Ministro Marco Aurélio, referente à liminar deferida na Ação Civil Pública
nº 2000.71.00.009347-0, indeferiu a suspensão pretendida, nos seguintes
termos:
'Decisão ação civil pública - Tutela imediata - INSS - Condição de
dependente - Companheiro ou companheira homossexual - Eficácia erga omnes -
Excepcionalidade não verificada - Suspensão indeferida. - 1. O Instituto
Nacional do Seguro Social - INSS, na peça de f. 2 a 14, requer a suspensão
dos efeitos da liminar deferida na Ação Civil Pública nº
2000.71.00.009347-0, ajuizada pelo Ministério Público Federal. O requerente
alega que, por meio do ato judicial, a que se atribuiu efeito nacional,
restou-lhe imposto o reconhecimento, para fins previdenciários, de pessoas
do mesmo sexo como companheiros preferenciais. Eis a parte conclusiva do ato
(f. 33 e 34): Com as considerações supra, defiro medida liminar, de
abrangência nacional, para o fim de determinar ao Instituto Nacional do
Seguro Social que: a) passe a considerar o companheiro ou companheira
homossexual como dependente preferencial (art. 16, I, da Lei 8.213/91); b)
possibilite que a inscrição de companheiro ou companheira homossexual, como
dependente, seja feita diretamente nas dependências da Autarquia, inclusive
nos casos de segurado empregado ou trabalhador avulso; c) passe a processar
e a deferir os pedidos de pensão por morte e auxílio-reclusão realizados por
companheiros do mesmo sexo, desde que cumpridos pelos requerentes, no que
couber, os requisitos exigidos dos companheiros heterossexuais (arts. 74 a
80 da Lei 8.213/91 e art. 22 do Decreto nº 3.048/99). Fixo o prazo de 10
dias para implementação das medidas necessárias ao integral cumprimento
desta decisão, sob pena de multa diária de R$ 30.000,00 (trinta mil reais),
com fundamento no art. 461, § 4º, do Código de Processo Civil'.
(...) Em nossa jurisprudência, ademais, os tribunais de segundo grau já têm
entendido como cabível não só a partilha de bens, após a dissolução da união
homossexual, como também a pensão por morte ao companheiro do segurado
falecido, como se verifica nos seguintes julgados:
'Ementa: Apelação Cível. Ação de Reconhecimento de Dissolução de Sociedade
de Fato cumulada com partilha. Demanda julgada procedente. Recurso improvido.
- Aplicando-se analogicamente a Lei 9.278/96, a recorrente e a sua
companheira têm direito assegurado de partilhar os bens adquiridos durante a
convivência, ainda que dissolvida a união estável.
- O Judiciário não deve distanciar-se de questões pulsantes, revestidas de
preconceitos só porque desprovidas de norma legal.
- A relação homossexual deve ter a mesma atenção dispensada às outras ações.
- Comprovado o esforço comum para a ampliação ao patrimônio das conviventes,
os bens devem ser partilhados. Recurso Improvido' (Tribunal de Justiça da
Bahia. Apelação Cível nº 16313-9/99. Terceira Câmara Cível. Relator: Des.
Mário Albiani, j. em 04.04.2001).
'Previdenciário - Pensão - Companheiro homossexual.
I. O autor comprovou uma vida em comum com o falecido segurado, mantendo
conta bancária conjunta, além da aquisição de bens, tais como veículo e
imóveis em seus nomes, por mais de vinte anos.
II. Os ordenamentos jurídicos apresentam lacunas que se tornam mais
evidentes nos dias atuais, em virtude do descompasso entre a atividade
legislativa e o célere processo de transformação por que passa a sociedade.
III. Compete ao juiz o preenchimento das lacunas da lei, para adequá-la à
realidade social, descabendo, na concessão da pensão por morte a companheiro
ou companheira homossexual, qualquer discriminação em virtude da opção
sexual do indivíduo, sob pena de violação dos arts. 3º, inciso IV, e 5º,
inciso I, da Constituição Federal.
IV. Tutela antecipada concedida.
V. O artigo 226, § 3º, da Constituição Federal não regula pensão
previdenciária, inserindo-se no capítulo ``Da Família''.
VI. Apelação e remessa necessária improvidas.
Por unanimidade, negado provimento à apelação e à remessa necessária'
(Apelação Cível Proc. 2002.51.01.000777-0, Tribunal Regional Federal da
Segunda Região, Terceira Turma, p. no DJ de 21.07.2003, p. 74, Relatora: Des.
Fed. Tânia Heine).
'Previdenciário. Direito. Pensão por morte ao companheiro homossexual.
1. A sociedade, hoje, não aceita mais a discriminação aos homossexuais.
2. O Supremo Tribunal Federal vem reconhecendo a união de pessoas do mesmo
sexo para efeitos sucessórios. Logo, não há por que não se estender essa
união para efeito previdenciário.
3. 'O direito é, em verdade, um produto social de assimilação e
desassimilação psíquica...' (Pontes de Miranda).
4. 'O direito, por assim dizer, tem dupla vida: uma popular, outra técnica:
como as palavras da língua vulgar têm um certo estágio antes de entrarem no
dicionário da Academia, as regras de direito espontâneo devem fazer-se
aceitar pelo costume antes de terem acesso nos Códigos' (Jean Cruet).
5. O direito é fruto da sociedade, não a cria nem a domina, apenas a exprime
e modela.
6. O juiz não deve abafar a revolta dos fatos contra a lei' (TRF - Primeira
Região, AG - Agravo de Instrumento - 200301000006970, Processo:
200301000006970-MG - órgão julgador: Segunda Turma, data da decisão:
29.4.2003 Documento: TRF100165809 Fonte DJ de 29.4.2004, p. 27, Relator
Desembargador Federal Tourinho Neto).
'Previdenciário. Concessão de pensão por morte de companheiro homossexual.
União estável quando do óbito. Honorários advocatícios.
1. Comprovada a caracterização como companheiro homossexual e presumida
legalmente a dependência econômica entre companheiros, é devida a pensão por
morte.
2. Os honorários advocatícios são devidos em 10% sobre as parcelas vencidas
até a decisão judicial concessória do benefício pleiteado nesta ação
previdenciária, excluídas as vincendas (Súmula 111 do STJ)' (Origem:
Tribunal - Quarta Região, Classe: AC - Apelação Cível - 651483, Processo:
200170000279920 - PR - órgão julgador: Quinta Turma, data da decisão:
15.12.2004 - Fonte: DJU de 09.03.2005, p. 487 - Relator Juiz Néfi Cordeiro)
(...) A União homoafetiva é, sem embargo, tema com intensos reflexos no
mundo jurídico, não podendo, pois, o direito, em momento algum, fechar-se de
modo a ignorar ou simplesmente repudiar a realidade existente 'e assim é, na
verdade, pois o direito não regula os sentimentos. Contudo, dispõe ele sobre
os efeitos que a conduta determinada por esse afeto pode representar como
fonte de direitos e deveres, criadores de relações jurídicas previstas nos
diversos ramos do ordenamento, algumas interessando no Direito de Família,
como o matrimônio e, hoje, a União Estável, outras ficando à margem dele'
(REsp 148897/MG; Relator Ministro Ruy Rosado de Aguiar, Quarta Turma - j. em
10.02.1998).
Relembre-se que a própria mulher, por séculos a fio, era tratada pelo
sistema jurídico como relativamente incapaz".
Merece especial destaque a parte em que o ilustre Ministro cita lição de
Canotilho:
"(...) o igual deve ser tratado igualmente e o desigual desigualmente 'não
contém o critério material de um juízo de valor sobre a relação de igualdade
(ou desigualdade). A questão da igualdade justa pode colocar-se nestes
termos: o que é que nos leva a afirmar que uma lei trata dois indivíduos de
uma forma igualmente justa? Qual o critério de valoração para a relação de
igualdade? Uma possível resposta, sufragada em algumas sentenças do Tribunal
Constitucional, reconduz à proibição geral do arbítrio: existe observância
da igualdade quando indivíduos ou situações iguais não são arbitrariamente
(proibição do arbítrio) tratados como desiguais. Por outras palavras: o
princípio da igualdade é violado quando a desigualdade de tratamento surge
como arbitrária. O arbítrio da desigualdade seria condição necessária e
suficiente da violação do princípio da igualdade. Embora ainda hoje seja
corrente a associação do princípio da igualdade com o princípio da proibição
do arbítrio, este princípio, como simples princípio de limite, será também
insuficiente se não transportar já, no seu normativo-material, critérios
possibilitadores da valoração das relações de igualdade ou desigualdade.
Esta a justificação de o princípio da proibição do arbítrio andar sempre
ligado a um fundamento material ou critério material objetivo. Ele costuma
ser sintetizado da forma seguinte: existe uma violação arbitrária da
igualdade jurídica quando a disciplina jurídica não se basear num: I)
fundamento sério; II) não tiver um sentido legítimo; III) estabelecer
diferenciação jurídica sem um fundamento razoável. Todavia, tal proibição do
arbítrio intrinsecamente determinada pela exigência de um 'fundamento
razoável' implica, de novo, o problema da qualificação desse fundamento,
isto é, a qualificação de um fundamento como razoável aponta para um
problema de valoração. A necessidade de valoração ou de critérios de
qualificação, bem como a necessidade de encontrar 'elementos de comparação'
subjacentes ao caráter relacional do princípio da igualdade implicam: 1) a
insuficiência do 'arbítrio' como fundamento adequado de 'valoração' e de
'comparação'; 2) a imprescindibilidade da análise de natureza do peso, dos
fundamentos ou motivos justificadores de solução diferenciadas; 3)
insuficiência da consideração do princípio da igualdade como um direito de
natureza apenas defensiva ou negativa. Essa idéia de igualdade justa deverá
aplicar-se mesmo quando estamos em face de medidas legislativas de graça ou
de clemência (perdão, anistia), pois, embora tratem de medidas que, pela sua
natureza, transportam referências individuais ou individualizáveis, elas não
dispensam a existência de fundamentos materiais justificativos de eventuais
tratamentos diferenciadores" (Canotilho, José Joaquim Gomes, ob. cit., p.
429).
Nesse contexto, o ensinamento de Rodrigo da Cunha Pereira e Maria Berenice
Dias: "(...) o discurso da igualdade, para ser socialmente eficaz, deve
atentar à necessidade do reconhecimento da diferença'' (op. cit., p. X).
Sobre o tema, oportuna a transcrição de trecho do brilhante voto da lavra do
culto Desembargador Luciano Pinto, deste Tribunal de Justiça:
"Passo seguinte, é de ver que o art. 1º da Lei 9.278/96, que reconhece como
entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua de um homem e
uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família, é
passível, sob a lógica do razoável, de aplicação ao caso presente, logo
existe possibilidade jurídica para o pedido.
A lógica do razoável é uma província diversa da razão matemática, porque
decorre de realidades humanas sobre as quais intervêm juízos sobre adequação
dos meios para a prevalência de tais realidades, com os olhos fitos
sobretudo na licitude de tais meios.
Nesse passo, ressalte-se que o princípio da não-discriminação, suporte da
igualdade entre os cidadãos, é meio altamente lícito para a consecução dos
objetivos fundamentais da República, de modo que as situações que reclamem a
aplicação desse princípio devem ser cuidadas sob o logos razonable, para que
ele nunca perca sua efetividade.
A união homoafetiva implica uma situação representativa de entidade
familiar, quando decorrente de convivência duradoura, pública e contínua,
porque o princípio da não-discriminação afasta a limitação de que tal união
seja somente entre homem e mulher'' (TJMG - Apelação Cível nº 503.767-2 - j.
em 11.08.2005).
Confira-se a respeito o entendimento dos tribunais pátrios:
"Processo civil e civil - Prequestionamento - Ausência - Súmula 282/STF -
União homoafetiva - Inscrição de parceiro em plano de assistência médica -
Possibilidade - Divergência jurisprudencial não configurada.
- Se o dispositivo legal supostamente violado não foi discutido na formação
do acórdão, não se conhece do recurso especial, à míngua de
pré-questionamento.
- A relação homoafetiva gera direitos e, analogicamente à união estável,
permite a inclusão do companheiro dependente em plano de assistência médica.
- O homossexual não é cidadão de segunda categoria. A opção ou condição
sexual não diminui direitos e, muito menos, a dignidade da pessoa humana.
- Para a configuração da divergência jurisprudencial, é necessário confronto
analítico, para evidenciar semelhança e simetria entre os arestos
confrontados. Simples transcrição de ementas não basta'' (STJ - REsp 238715
- Relator Ministro Humberto Gomes de Barros - j. em 07.03.2006).
"Ação declaratória. Reconhecimento. União estável. Casal homossexual.
Preenchimento dos requisitos. Cabimento. - A ação declaratória é o
instrumento jurídico adequado para reconhecimento da existência de união
estável entre parceria homoerótica, desde que afirmados e provados os
pressupostos próprios daquela entidade familiar. A sociedade moderna, mercê
da evolução dos costumes e apanágio das decisões judiciais, sintoniza com a
intenção dos casais homoafetivos em abandonar os nichos da segregação e
repúdio, em busca da normalização de seu estado e igualdade às parelhas
matrimoniadas. Embargos infringentes acolhidos, por maioria (segredo de
justiça) (Embargos Infringentes nº 70011120573, Quarto Grupo de Câmaras
Cíveis, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Carlos Teixeira Giorgis, j.
em 10.06.2005)''.
"Homossexuais. União estável. Possibilidade jurídica do pedido. - É possível
o processamento e o reconhecimento de união estável entre homossexuais ante
princípios fundamentais insculpidos na Constituição Federal que vedam
qualquer discriminação, inclusive quanto ao sexo, sendo descabida
discriminação quanto à união homossexual. - É justamente agora, quando uma
onda renovadora se estende pelo mundo, com reflexos acentuados em nosso
país, destruindo preceitos arcaicos, modificando conceitos e impondo a
serenidade científica da modernidade no trato das relações humanas, que as
posições devem ser marcadas e amadurecidas, para que os avanços não sofram
retrocesso e para que as individualidades e coletividades possam andar
seguras na tão almejada busca da felicidade, direito fundamental de todos.
Sentença desconstituída para que seja instruído o feito. Apelação provida"
(Apelação Cível nº 598362655, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do
RS, Relator José Ataídes Siqueira Trindade, j. em 1º.03.2000).
"Relação homoerótica. União estável. Aplicação dos princípios
constitucionais da dignidade humana e da igualdade. Analogia. Princípios
gerais do direito. Visão abrangente das entidades familiares. Regras de
inclusão. Partilha de bens. Regime da comunhão parcial. Inteligência dos
arts. 1.723, 1.725 e 1.658 do Código Civil de 2002. Precedentes
jurisprudenciais. - Constitui união estável a relação fática entre duas
mulheres, configurada na convivência pública, contínua, duradoura e
estabelecida com o objetivo de constituir verdadeira família, observados os
deveres de lealdade, respeito e mútua assistência. Superados os preconceitos
que afetam ditas realidades, aplicam-se os princípios constitucionais da
dignidade da pessoa, da igualdade, além da analogia e dos princípios gerais
do direito, além da contemporânea modelagem das entidades familiares em
sistema aberto argamassado em regras de inclusão. Assim, definida a natureza
do convívio, opera-se a partilha dos bens segundo o regime da comunhão
parcial. Apelações desprovidas (segredo de justiça) (Apelação Cível nº
70005488812, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José
Carlos Teixeira Giorgis, j. em 25.06.2003)''.
Antevê-se que, em pouco tempo, essa matéria se tornará tão corriqueira como
hoje se tem a separação e o divórcio, institutos que causaram tanta celeuma,
ainda recentemente.
No que tange ao valor dos honorários advocatícios, tenho que foi fixado
razoavelmente, por apreciação eqüitativa do Juiz (§ 4º do art. 20 do CPC),
atendidas as normas das alíneas 'a', 'b' e 'c' do § 3º.
Em casos como o dos autos, devem ser arbitrados em conformidade com o § 4º
do art. 20 do CPC, tendo em vista tratar-se de hipótese em que a Fazenda
Pública foi vencida.
A verba honorária deve ser fixada objetivando a compensação do advogado pelo
esforço profissional despendido na causa, atendendo ao princípio da
razoabilidade. Devem ser considerados os requisitos previstos no art. 20, §
3º, 'a', 'b' e 'c', do CPC, impositivo de observância do grau de zelo do
profissional, do lugar da prestação do serviço, da natureza e importância da
causa, do trabalho desenvolvido pelo profissional e do tempo exigido para
seu serviço.
No caso em comento, a questão tratada é relativamente simples, tenho que bem
dosado o valor fixado pelo MM. Juiz a quo na r. sentença, de R$ 1.200,00,
não merecendo alteração para menos.
Nesse sentido, orienta-se a jurisprudência:
"O patrocínio profissional deve encontrar remuneração condizente com a nobre
e elevada função exercida pelo advogado, devendo o juiz fixar seus
honorários de acordo com a complexidade da causa, o conteúdo do trabalho
jurídico apresentado e a maior ou menor atuação no processo. Se a causa é
julgada antecipadamente, pela ausência de contestação, não é aconselhável
sejam os honorários fixados no seu percentual máximo, uma vez que reduzido
foi o trabalho profissional do advogado na causa" (Ap. Cív. 5823, Rel. Des.
Oto Sponholz, Primeira Câmara Cível do TJPR, JUIS - Jurisprudência
Informatizada Saraiva - CdRom nº 15).
Com tais considerações, no reexame necessário, rejeito a preliminar aventada
e confirmo a sentença, prejudicado o recurso voluntário.
De ofício, corrijo erro material na r. sentença, para que passe a constar em
seu dispositivo a procedência total do pedido inicial, para reconhecer o
direito da autora F.M., não só à inclusão como dependente no plano de saúde
e odontológico do qual é titular a autora M.C.A., mas também para todos os
fins de direito, incluindo o benefício de pensão.
O Estado de Minas Gerais está isento do pagamento de custas de acordo com o
disposto no art. 10, I, da Lei nº 14.939/2003.
Votaram de acordo com a Relatora os Desembargadores Alvim Soares e Edivaldo
George dos Santos.
Súmula - REJEITARAM PRELIMINAR E, NO REEXAME NECESSÁRIO, CONFIRMARAM A
SENTENÇA, PREJUDICADO O RECURSO VOLUNTÁRIO. |