Companheiro tem direito à metade dos bens havidos durante união estável

Embora tenha sido, inicialmente, em favor da mulher que a jurisprudência construiu o entendimento de que, na partilha dos bens, deve ser levada em conta a contribuição, mesmo que indireta, de cada companheiro, nada impede que se aplique essa orientação em favor do homem que realiza trabalhos caseiros em benefício do casal. Com essa posição, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, com base em voto da ministra Nancy Andrighi, acolheu recurso do almoxarife A. L da S., de Minas Gerais, contra sua ex-companheira, I. S. de A.

Por maioria de quatro votos a um, a Terceira Turma decidiu que, não restando dúvidas de que o patrimônio amealhado pelo casal durante a união estável de mais de 12 anos foi fruto do esforço comum, inclusive com o trabalho do recorrente na construção dos imóveis, durante os finais de semana, tem o companheiro direito à metade dos bens.

A. L da S. entrou na Justiça em junho de 1994, com uma ação de dissolução de sociedade de fato com pedido de anulação de doação contra sua ex-companheira, alegando que convivera de fato com ela desde setembro de 1981, quando ela se separou de um ex-marido anterior, trazendo dois filhos menores desse casamento. Da união estável dos dois, resultou um aumento considerável do patrimônio comum e o nascimento de uma filha, hoje com quase 13 anos. Segundo o recorrente, no momento em que propôs a ação, a recorrida doou aos seus três filhos, um dos quais a filha do recorrente, todos os imóveis adquiridos na constância da união estável, os quais foram registrados apenas no nome da ex-companheira, que reservou para si o usufruto vitalício desses imóveis. No mês seguinte, a recorrida vendeu os dois automóveis da família a uma terceira pessoa.

A sentença de primeiro grau julgou totalmente procedentes os dois pedidos do ex-companheiro, primeiro para considerar dissolvida a sociedade de fato estabelecida entre eles, depois, para anular a doação dos imóveis feita por ela aos seus filhos, determinando a reintegração de todos os bens doados ao patrimônio do casal para a conseqüente partilha. O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, no entanto, acolheu parcialmente a apelação da mulher, I. S. de A. para excluir os imóveis da partilha dos bens, por entender que um foi adquirido pela servidora pública por doação e o outro mediante financiamento, feito exclusivamente em seu nome.

Assim, considerando não haver no processo prova convincente de que o autor da ação contribuíra para as edificações feitas e o patrimônio construído, reconheceu a ele mero direito a apenas alguns bens, devendo os respectivos valores serem apurados para efeito da partilha. Daí o recurso especial do almoxarife para o STJ, alegando ter direito à metade de todos os bens havidos na constância da relação concubinária com a recorrida, bem como a nulidade da doação da meação feita pela recorrida a seus filhos.

Ao acolher o recurso, a relatora do processo, ministra Nancy Andrighi, argumentou que a questão relativa à anulação da doação feita pela ex-companheira não poderia ser debatida pelo STJ em razão de um obstáculo processual, pois o autor da ação deixou de interpor o competente recurso à época da decisão do TJ/MG sobre esse aspecto, estando por isso vedado o exame da matéria pela ocorrência do instituto da preclusão. Mas, com relação ao direito à partilha dos bens adquiridos durante a convivência do casal, a ministra acolheu o recurso, por entender que a jurisprudência do STJ já garantiu, em julgamentos anteriores, o direito da ex-companheira à meação dos bens, mesmo quando ela não tivesse contribuído financeiramente para a aquisição deles, bastando que tivesse colaborado de forma indireta para a formação do patrimônio comum.

Para a ministra Nancy Andrighi, esse mesmo tratamento deve ser aplicado também no caso do homem, até porque, na sociedade moderna, ocorre muitas vezes uma inversão dos papéis tradicionais, sendo comum a mulher trabalhar fora de casa enquanto o homem realiza os trabalhos caseiros em benefício da vida do casal. A relatora argumentou que o juiz não pode ficar indiferente às mudanças ocorridas na sociedade nem adotar entendimentos diferentes para situações de fato semelhantes, o que significaria um flagrante desrespeito ao princípio constitucional da igualdade entre homens e mulheres.

Ressaltou, ainda, a ministra, que, após a entrada em vigor da chamada Lei da União Estável (Lei nº 9.278, de 1996), todos os bens comprados por qualquer um dos companheiros durante o relacionamento são considerados fruto do trabalho e da colaboração dos dois e por isso pertencem ao casal, integrando o patrimônio comum.

Por isso, acolheu o recurso de A. L. da S., para restabelecer a sentença, reconhecendo o seu direito à partilha dos bens, excluindo apenas o imóvel por ela adquirido em decorrência de doação e a parte do imóvel por ela adquirido em razão de sua separação judicial anterior. Em relação aos bens que já não se encontram em poder da ex-companheira, por terem sido vendidos ou doados, deverá ela pagar ao ex-companheiro a indenização correspondente à sua meação, devendo tudo ser apurado na fase de liquidação da sentença.

Votaram acompanhando o entendimento da ministra Nancy Andrighi os ministros Castro Filho, Antônio de Pádua Ribeiro e Carlos Alberto Menezes Direito. Ficou vencido o ministro Humberto Gomes de Barros, para quem, não havendo a prova irrefutável de que o recorrente contribuiu concretamente para a construção do patrimônio comum, não deveria ter ele direito à meação.


Fonte: Site do STJ - 21/09/2005