Ainda que tenha perdurado por longo período (30 anos) e tenha resultado em
filhos comuns, a relação afetiva paralela a casamento que jamais foi
dissolvido (mantido por mais de 50 anos) não constitui união estável, mesmo
que homologada a separação judicial do casal, considerado o fato de que o
marido jamais deixou a mulher. Esse foi o entendimento majoritário da
Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que acompanhou o
voto-vista da ministra Nancy Andrighi. Ficou vencido o relator original da
matéria, ministro Massami Uyeda.
No caso, L. ajuizou ação de reconhecimento de união estável pos mortem
contra os herdeiros do falecido O. Ele havia deixado três netos do casamento
com M. e quatro filhos da união afetiva com L. O falecido casou com M. em
1946 e manteve o matrimônio até 1983, quando se separou judicialmente, muito
embora jamais tenha deixado o lar conjugal, até a sua morte, em 2000.
Paralelo ao casamento, O. manteve relacionamento afetivo com L., que
anteriormente foi sua secretária, com quem teve quatro filhos, ao longo da
década de 70.
Os netos alegaram que o seu avô não teria se separado de fato da avó e que
esta foi quem o ajudou a construir seu patrimônio. Afirmaram também que o
patrimônio do falecido teria diminuído após o novo relacionamento, que
classificaram como “concubinato impuro”. Em primeira instância, a união
estável foi reconhecida. Houve recurso ao Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR),
que, por sua vez, entendeu que não houve comprovação dos requisitos
necessários à configuração da união estável, em especial a posse do estado
de casados, tendo em vista a continuidade da vida conjugal mantida entre O.
e M.
A companheira recorreu ao STJ, com a alegação de que teria havido ofensa ao
artigo 1º da Lei n. 9.278/96, que estabelece os requisitos da união estável.
Também afirmou haver dissídio jurisprudencial com diferentes julgados no
STJ. No seu voto, o ministro relator Massami Uyeda considerou haver união
estável e que o fato de não haver coabitação não impediria o seu
reconhecimento.
Entretanto, no seu voto-vista, a ministra Nancy Andrighi afirmou que, embora
seja um dado relevante para se determinar a intenção de construir uma
família, a coabitação não é requisito essencial para a caracterização de
união estável, mas no caso, conforme descrição fática feita pelo tribunal
estadual – que não pode ser reexaminada pelo STJ –, não houve comprovação da
intenção do falecido de constituir com L. uma família, com aparência de
casamento, pois ele não se divorciou nem passou a coabitar com ela; ao
contrário, manteve a relação marital com M., jamais deixando o lar conjugal.
A ministra apontou que, pelo artigo 1.571, parágrafo 1º, do Código Civil, o
casamento só é desfeito pelo divórcio ou pela morte de um dos cônjuges. “Na
hipótese de separação judicial, basta que os cônjuges formulem pedido para
retornar ao status de casados”, comentou. Também destacou que especulações a
respeito do fato de que o falecido e a ex-mulher não dormiam no mesmo quarto
e já não mais manteriam relações sexuais violariam direitos fundamentais,
porque “os arranjos familiares, concernentes à intimidade e à vida privada
do casal, não devem ser esquadrinhados pelo Direito, em hipóteses não
contempladas pelas exceções legais (...) no intuito de impedir que se torne
de conhecimento geral a esfera mais interna, de âmbito intangível da
liberdade humana, nesta delicada área da manifestação existencial do ser
humano”, afirmou a ministra.
O desembargador convocado Paulo Furtado acrescentou ainda que o que ocorria
no caso era uma “poligamia” e que o desejo do falecido era realmente
conviver com as duas. A Terceira Turma seguiu o entendimento da ministra. |