A Quinta Turma do Tribunal Superior do
Trabalho julgou inválida escritura pública lavrada em cartório de
registro civil, na qual se quitam todos os direitos de um trabalhador
rural referentes aos 29 anos de contrato de trabalho. Servente de
lavoura da Usina São Martinho S/A e da Agropecuária Monte Sereno S/A,
para as quais trabalhou de 1969 a 1998, o trabalhador recebeu R$
2.077,76 de verbas de rescisão contratual, o que, segundo a defesa dele,
indica, com clareza, abuso do poder econômico do empregador.
A quitação regular do contrato de
trabalho, nos termos da jurisprudência do TST (Súmula 330), só se
realiza quando observados os requisitos exigidos na CLT (artigo 477),
disse o relator do recurso do empregado, juiz convocado José Pedro de
Camargo. “Nas relações de trabalho, a quitação é sempre relativa, porque
vale apenas quanto aos valores e parcelas constantes do respectivo
termo, e, ainda assim, desde que com assistência sindical e não haja
ressalva”.
Para o Tribunal Regional de Trabalho de Campinas (15 Região), essa
transação extrajudicial foi válida, sem vício de consentimento, pois não
houve comprovação de que o empregado rural tenha sido induzido a assinar
a escritura. De acordo com o TRT, foi celebrado um acordo, pelo qual as
partes fizeram concessões e ajustes e se, posteriormente, arrependeu-se,
não cabe ao Poder Judiciário invalidar a transação.
A defesa do trabalhador sustentou que a escritura foi forjada em conluio
com sindicatos da região de Piradópolis, no interior de São Paulo. O
empregador não indicou na escritura o valor total da quitação, com
intuito de impedir que o empregado, “pessoa simples do campo”, pudesse
avaliar o conteúdo da escritura. Ao receber R$ 2.077,76, ele pensou
tratar-se de prêmio pelo tempo de serviço.
O juiz José Pedro de Camargo considerou inadequada e ineficaz a
utilização de instrumento típico do direito civil, como é o caso da
escritura, para a quitação total das verbas trabalhistas. Por haver
norma explícita (artigo 477 da CLT) para as rescisões do contrato de
trabalho de empregado com mais de um ano de serviço, deixar de
aplicá-la, no caso do trabalhador rural, implica violação literal da
mesma, disse. Pela CLT, o recibo de quitação só será válido quando feito
com a assistência do respectivo sindicato ou perante autoridade do
Ministério do Trabalho.
A renúncia genérica aos direitos trabalhistas por parte do trabalhador,
segundo o relator, contraria o chamado princípio protetivo do direito do
trabalho na qual se insere “a irrenunciabilidade desses direitos que,
por cuidar de garantias essenciais do trabalhador, como o caráter
alimentar de que se revestem as verbas trabalhistas em geral, repele o
poder de disposição próprio dos direitos patrimoniais e comum no ramo
civil”.
O juiz convocado estranhou que, para a
quitação de contrato de trabalho de empregado rural seja utilizado
instrumento típico do direito civil, cercado de formalidade e “até certo
ponto hermético”, como é a escritura pública de transação e quitação, em
vez de se valer do habitual termo de rescisão contratual trabalhista,
previsto na CLT.
A Quinta Turma do TST deu provimento ao recurso do trabalhador e
determinou a devolução do processo à primeira instância para que aprecie
os pedidos de reconhecimento de direitos feitos na reclamação
trabalhista. (RR 1046/1998).
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