Procuração para advogado atuar em benefício de uma pessoa analfabeta não
precisa ser feita no cartório por instrumento público. Esse é o entendimento
do Conselho de Nacional de Justiça em processo administrativo que mandou o
Tribunal Regional do Trabalho da 20ª Região (SE) deixar de exigir essa forma
de registro.
O pedido foi feito pelo promotor André Luis Alves de Melo. Segundo
ele, a procuração feita no cartório pode ser onerosa ao trabalhador porque
chega a custar R$ 70 em alguns estados, além de contrariar os artigos 38 do
Código de Processo Civil e 692 do Código Civil. Melo entende que ao caso se
aplica o artigo 595 do Código Civil, que autoriza no contrato de prestação
de serviço a assinatura a rogo da parte analfabeta no instrumento, desde que
subscrito por duas testemunhas. A direção do TRT-20 afirmou que a regra é
legítima porque tem a intenção de proteger o analfabeto.
O CNJ acatou os argumentos do promotor e deu o prazo para até 21 de maio
para que o TRT-20 modifique o artigo 76 do Provimento 05/2004, que faz a
exigência. O CNJ firmou, ainda, em decisão sua competência para “fiscalizar
os atos administrativos dos tribunais, normativos ou individuais, que
estiverem em contrariedade ao princípio da legalidade, podendo
desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que sejam adotadas as
providências necessárias ao exato cumprimento da lei”.
0001464-74.2009.2.00.0000
Leia a decisão:
PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. PROCURAÇÃO OUTORGADA POR
ANALFABETO. DESNECESSIDADE DE INSTRUMENTO PÚBLICO. PEDIDO PROCEDENTE.
1. Não se mostra razoável exigir que a procuração outorgada por pessoa
analfabeta para atuação de advogado junto à Justiça do Trabalho seja somente
por instrumento público, se a legislação (art. 595 do Código Civil) prevê
forma menos onerosa e que deve ser aplicada analogicamente ao caso em
discussão.
2. Procedimento de Controle Administrativo julgado procedente para
recomendar ao Tribunal Regional do Trabalho da 20ª Região que adote
providências no sentido de reformar a primeira parte do art. 76 do
Provimento 05/2004, de modo a excluir a exigência de que a procuração
outorgada por analfabeto o seja somente por instrumento público.
I - RELATÓRIO
Trata-se de Procedimento de Controle Administrativo manifestado por ANDRÉ
LUIS ALVES DE MELO, devidamente qualificado, em face do TRIBUNAL
REGIONAL DO TRABALHO DA 20ª REGIÃO no qual impugna o artigo 76 do
Provimento 05/2005, que exige da parte analfabeta, para outorga de mandato
junto à Justiça do Trabalho, instrumento público lavrado em cartório de
notas.
Alega o requerente que tal exigência, além de onerosa, uma vez que as
procurações públicas são pagas, está em contrariedade às disposições dos
artigos 38 do CPC e 692 do Código Civil.
Aduz que para contornar o problema, dever-se-ia aplicar subsidiariamente o
artigo 595 do Código Civil, o qual autoriza no contrato de prestação de
serviço a assinatura a rogo da parte analfabeta no instrumento, desde que
subscrito por duas testemunhas.
Assim, pede a suspensão da norma regimental e a aplicação, para a hipótese,
do artigo 595 do Código Civil.
Nas informações, a Presidente do TRT sustenta a legalidade da exigência, sob
o argumento de que seu escopo é proteger o analfabeto. Afirma que a norma
regimental não afronta o artigo 38 do CPC e nem o artigo 595 do Código
Civil.
Ante a possibilidade de revisão do Provimento 05/2004, conforme informado
pela presidência da Corte, aguardou-se possível alteração da norma
guerreada.
De acordo como o evento 36, o TRT informa que não alterou a norma por
entendê-la em conformidade com a lei civil e processual.
II – FUNDAMENTOS
O Conselho Nacional de Justiça, como órgão supremo de controle da atuação
administrativa e financeira do Poder Judiciário, de acordo com o art.103-B
da Constituição Federal, tem competência constitucional para fiscalizar os
atos administrativos dos Tribunais, normativos ou individuais, que estiverem
em contrariedade ao princípio da legalidade, podendo desconstituí-los,
revê-los ou fixar prazo para que sejam adotadas as providências necessárias
ao exato cumprimento da lei.
No caso, a norma impugnada, o artigo 76 do Provimento 05/2004, tem a
seguinte redação:
Art. 76. A validade de mandatos outorgados a analfabetos depende de
instrumento público que deverá conter a impressão digital e assinatura a
rogo, sendo aceito também mandato apud acta.
Da análise de algumas normas que compõem o nosso sistema jurídico, entendo
que assiste razão ao Requerente.
A capacidade postulatória é pressuposto de desenvolvimento válido e regular
do processo, uma vez que autor e réu não podem prosseguir em determinada
ação sem procurador, exceto nos casos previstos em lei, cuja falta tem o
condão de extinguir o feito sem apreciação do mérito (art. 267, IV).
Em relação ao ajuizamento de ações perante à Justiça do Trabalho, o art. 791
da CLT dispõe que:
Art. 791 - Os empregados e os empregadores poderão reclamar pessoalmente
perante a Justiça do Trabalho e acompanhar as suas reclamações até o final.
(...)
Art. 839 - A reclamação poderá ser apresentada:
a) pelos empregados e empregadores, pessoalmente, ou por seus
representantes, e pelos sindicatos de classe;
Nos termos das normas transcritas, a capacidade postulatória na Justiça do
Trabalho pertence às partes na relação jurídica de direito material. Esta
capacidade é também conferida aos advogados devidamente constituídos, nos
termos art. 1º da Lei n. 8.906/94 - Estatuto da Advocacia. Ressalte-se que a
interposição de recurso na Justiça Obreira somente pode ser assinada por
advogado devidamente habilitado.
O art. 654 do Código Civil dispõe expressamente que:
Art. 654. Todas as pessoas capazes são aptas para dar procuração
mediante instrumento particular, que valerá desde que tenha a assinatura do
outorgante.
§ 1o O instrumento particular deve conter a indicação do lugar onde foi
passado, a qualificação do outorgante e do outorgado, a data e o objetivo da
outorga com a designação e a extensão dos poderes conferidos.
§ 2o O terceiro com quem o mandatário tratar poderá exigir que a procuração
traga a firma reconhecida.
(grifo ausente do original)
Não obstante o disposto na norma transcrita, o art. 595 do Código Civil, a
respeito do contrato de prestação de serviço, é claro ao afirmar que:
Art. 595. No contrato de prestação de serviço, quando qualquer das partes
não souber ler, nem escrever, o instrumento poderá ser assinado a rogo e
subscrito por duas testemunhas.
(grifo ausente do original)
Ora, se o contrato de prestação de serviços firmado por pessoa analfabeta é
válido e eficaz quando assinado a rogo e subscrito por duas testemunhas, a
fortiori uma procuração para atuação junto à Justiça do Trabalho, em
processo judicial, sob a direção do Estado-juiz em que é dispensável a
presença de causídico na primeira instância, dado que as partes nessa fase
têm ius postulandi assegurado pelo artigo 791 da CLT.
Dessa forma, revela-se ultra vires o ato da Corte que subordina a
representação de pessoa analfabeta, para ajuizar reclamação trabalhista, a
outorga de procuração pública, uma vez que tal exigência está em
contrariedade à disposição do artigo 595 do Código Civil, aplicável por
analogia, e que permite a assinatura do instrumento a rogo do reclamante e
subscrita por duas testemunhas.
III - DECISÃO
Em razão do exposto, julgo procedente o pedido para recomendar ao Tribunal
Regional do Trabalho da 20ª Região que adote providências no sentido de
reformar a primeira parte do art. 76 do Provimento 05/2004 , no prazo de 30
dias, de modo a excluir a exigência de que a procuração outorgada por
analfabeto o seja somente por instrumento público.
É o voto. |