TJRJ - Erro no registro lavrado por antigo titular – Ação de responsabilidade civil – Sentença

Em 2007, foi ingressada uma ação contra o Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais do 1º Distrito de Rio Bonito – RJ, em razão do sobrenome do pai da autora constar errado no registro de nascimento lavrado pelo antigo titular. A autora da ação alegou que não conseguiu tirar 2ª via da carteira de identidade, CTPS e consequentemente ter ficado sem trabalhar até o momento.

Em razão da 2ª via de certidão emitida pelo cartório conforme o registro, pois na cópia do traslado que ela possuía o nome do pai estava certo, a autora pediu R$ 250.000,00 de danos morais, mais danos materiais em razão de lucros cessantes.

Confira a íntegra da sentença abaixo:

Processo nº: 2007.046.006163-2

Tipo do Movimento: Sentença

Descrição: Trata-se de ação ordinária de obrigação de fazer cumulada com indenização por danos materiais e morais, com pedido de antecipação dos efeitos da tutela, proposta por Sabrina Moreira de Paula em face do Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais do 1º Distrito de Rio Bonito - RJ. A autora alega que o cartório réu, ao lavrar a segunda via de sua certidão de nascimento em 24/10/2003, cometeu erro quanto ao nome de seu pai, fazendo constar ´José Carlos Marcello de Faria´ ao invés de ´José Carlos Marcello de Paula´. Afirma que o equívoco só foi por ela notado quando da emissão de documento de identidade junto ao Detran, no qual também se verificou a incorreção, pois pautado naquele documento. Aduz que o mesmo problema se deu quando a autora tentou realizar seu cadastro junto ao Ministério do Trabalho, sendo-lhe negada a emissão de sua Carteira de Trabalho e Previdência Social, em razão da disparidade de seu documento de identificação com a certidão de registro de nascimento apresentada. Assevera, ainda, que por diversas vezes tentou fazer a retificação do nome de seu pai junto aos responsáveis pelo registro no Cartório, mas que até o presente momento não conseguiu lograr êxito. Afirma que o fato lhe causou constrangimentos e prejuízos caracterizadores de dano material, impossibilitando, inclusive, seu ingresso no mercado de trabalho. Desse modo, a autora objetiva a anulação da segunda via de sua certidão de nascimento, com a condenação do réu à emissão de uma nova via com os dados corretos, sob pena de multa diária correspondente a R$ 150,00 (cento e cinquenta reais). Requer, ainda, a condenação do réu ao pagamento de danos materiais, a título de danos emergentes, correspondentes ao valor mensal de um salário mínimo pelo período de seus 18 a 20 anos, no qual ficou impedida de trabalhar em virtude do erro apontado, no total de R$ 9.120,00 (nove mil, cento e vinte reais), acrescido de uma salário mínimo mensal, desde a citação até o efetivo cumprimento, a título de lucro cessante, bem como ao pagamento de danos morais, a serem fixados por este Juízo, em valor não inferior a R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais). A petição inicial de fls. 02/10 veio instruída com os documentos de fls. 11/21. Decisão de fls. 26 deferindo a gratuidade de justiça. Regularmente citado, o réu apresentou contestação às fls. 30/44, argüindo, em preliminar, a sua ilegitimidade passiva ad causam, por entender que o cartório não detém personalidade jurídica e que a atual delegatária do cartório, que só assumiu o exercício da função de titular da serventia notarial em 10/02/2005, não teria responsabilidade pelos atos anteriormente praticados. Argúi, ainda, preliminar de impossibilidade jurídica do pedido de emissão de nova certidão de nascimento sem a prévia adoção dos procedimentos específicos legalmente previstos para retificação dos assentamentos do registro de nascimento, o que não foi requerido. Alega que a responsabilidade civil por danos causados diante da falha do registro deve ser suportada pelo Titular que à época de sua prática respondia pelo cartório, uma vez que se trata de responsabilidade pessoal e que o cartório não dispõe de personalidade jurídica própria, nos termos do artigo 236 da Constituição Federal, do artigo 22 da Lei 8.935/94 e do artigo 28 da Lei 6.015/73 e uníssona doutrina e jurisprudência acerca do tema. No mérito, sustenta a inexistência de erro na segunda via da certidão de nascimento emitida, a qual visa certificar o que consta do assentamento de registro, este sim lavrado em 12/02/1987 com erro quanto ao nome do pai da autora. Ademais, alega a inexistência de prejuízo e, ainda, não estar configurado dano moral. Por fim, afirma que o valor indenizatório pleiteado pela autora, em caso de eventual condenação, mostra-se excessivo, desproporcional ao dano alegado. Em réplica (fls. 61/64), a autora rechaça a preliminar de ilegitimidade passiva ad causam suscitada. No mais, reitera os fundamentos sustentados na inicial. Instados a se manifestarem acerca do interesse no dilatar probatório e interesse na conciliação (fl. 68), o Cartório réu informou não ter outras provas a produzir (fl. 69). A autora, por sua vez, requereu a produção de prova testemunhal, documental superveniente e o depoimento pessoal do representante legal da serventia ré, não se opondo à realização de audiência de conciliação (fl. 71). Decisão de fls. 72, afastando a preliminar de ilegitimidade passiva ad causam do Cartório réu. Saneado o feito, restou indeferida a produção de prova oral, deferindo-se a produção de prova documental suplementar e superveniente requerida. Agravo retido interposto pela parte ré às fls. 74/77 contra a decisão que reconheceu a legitimidade do Cartório para figurar no pólo passivo da demanda, requerendo a extinção do feito sem resolução do mérito. Contra-razões às fls. 80/85, requerendo seja negado provimento ao recurso interposto. Mantida por este Juízo a r. decisão agravada (fl. 88), foram apresentadas alegações finais (fls. 94/103 e 105/107), tendo as partes ratificado seus argumentos e pedidos. Os autos vieram conclusos para sentença. É O RELATÓRIO. FUNDAMENTO E DECIDO. Cabe o julgamento antecipado da lide, nos termos do artigo 330, I, do Código de Processo Civil, sendo suficientes os elementos probatórios para permitir a cognição da demanda. Trata-se de ação de obrigação de fazer c/c responsabilidade civil proposta em face de serventia extrajudicial em razão de suposta prática de ato ilícito, qual seja, a expedição de segunda via de certidão de nascimento supostamente com erro quanto ao nome do pai da autora, o que teria provocado, segundo a tese autoral, a invalidade do referido documento, com conseqüentes prejuízos materiais e morais. Conforme relatado, na decisão de fls. 72, este Juízo houve por afastar a preliminar de ilegitimidade passiva ad causam argüida pela parte ré, por entender que, conquanto o ente não possua personalidade jurídica, pode ser equiparado às pessoas formais enunciadas no art. 12 do CPC. Nesse sentido, o Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais assemelha-se às pessoas formais, contempladas pela lei como titulares de personalidade judiciária, ainda que não detentoras de personalidade jurídica, tais como a massa falida, o espólio, a herança jacente e vacante e o condomínio. É cediço que, segundo a teoria da asserção, a legitimidade para a causa diz respeito à verificação da pertinência abstrata com o direito material controvertido. Assim, há pertinência subjetiva para o feito quando em uma análise preliminar verifica-se que o pedido deduzido pela parte autora deve ser dirigido ao réu em razão dos fatos e fundamentos deduzidos na inicial. A eventual verificação de que o direito alegado na inicial não existe implicará na extinção do processo com resolução do mérito, com a improcedência do pedido autoral, não sendo hipótese de extinção sem apreciação do mérito por carência de ação. No caso em análise, a autora pleiteia a indenização por danos materiais e morais decorrentes de suposta falha nos serviços cartorários, ou seja, pleiteia-se, em nome próprio, direito próprio, em face daquele cuja conduta se reputa lesiva ao direito invocado. Assim, verificada está a pertinência subjetiva do Cartório réu para o feito, razão pela qual não há que se falar em extinção do processo sem resolução do mérito. Também não há que se questionar a capacidade do réu de ser parte na relação processual sob julgamento. Segundo Humberto Theodoro Júnior, a capacidade de ser parte ´consiste na aptidão de participar da relação processual, em nome próprio ou alheio´ (THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense, 2004. v.I, p. 74). Trata-se, pois, de pressuposto processual, cuja inocorrência impede a formação válida da relação jurídico-processual. Como acima registrado, entendo que os tabelionatos e demais serventias judiciais assemelham-se às pessoas formais (massa falida, espólio, condomínio, heranças jacente e vacante), contempladas pela lei como titulares de personalidade judiciária (capacidade de ser parte), conquanto não detentoras de personalidade jurídica. Assim, os tabelionatos, de fato, são entes despersonalizados (desprovidos, portanto, de personalidade jurídica). Não obstante, são sujeitos de direitos e obrigações na órbita civil e, por isso, têm capacidade de ser parte em processo judicial. Em que a pese a divergência doutrinária e jurisprudencial sobre o tema, adota-se aqui entendimento já defendido pelo STJ de que o Cartório tem legitimidade para estar em juízo. Nesse sentido, observem-se as ementas abaixo transcritas. In Verbis: ´PROCESSUAL CIVIL. CARTÓRIO DE NOTAS. PESSOA FORMAL. CAPACIDADE PROCESSUAL. ILEGITIMIDADE PASSIVA. ERRO MATERIAL. CORREÇÃO DE OFÍCIO. PREQUESTIONAMENTO. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. NÃO-OCORRÊNCIA. [...] 3. O Cartório de Notas, conquanto não detentor de personalidade jurídica, ostenta a qualidade de parte no sentido processual, ad instar do que ocorre com o espólio, a massa falida etc., de modo que tem capacidade para estar em juízo. 4. Recurso especial não-provido´. (STJ, REsp. 774.911/MG, 2ª Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 18/10/05). ´CARTÓRIO DE NOTAS. Tabelionato. Responsabilidade civil. Legitimidade passiva do cartório. Pessoa formal. Recurso conhecido e provido para reconhecer a legitimidade do cartório de notas por erro quanto à pessoa na lavratura de escritura pública de compra e venda de imóvel´. (STJ, REsp. 476.532/RJ, 4ª Turma, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, julgado em 20/05/03). Assim, o Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais do 1º Distrito de Rio Bonito - RJ constitui parte legítima da lide e detém capacidade para figurar como parte na relação processual instaurada para a indenização de danos decorrentes da alegada falha na prestação dos serviços cartorários. Destarte, a preliminar não merece acolhida, a fim de que se examine o mérito, resolvendo o litígio entre as partes, objetivo maior do processo. O Cartório réu sustentou, ainda, a impossibilidade jurídica do pedido de emissão de nova certidão de nascimento com os dados corretos, tendo em vista que o erro apontado está no assentamento do registro de nascimento da autora, sendo necessária a prévia retificação do mesmo. Da análise das provas detidas nos autos, verifica-se que, de fato, o erro no nome do pai da autora verificado na segunda via de sua certidão de nascimento, datada de 24/11/2003 (fl. 16) origina-se de erro constante no próprio assentamento de registro de nascimento da mesma, em 12/02/1987, onde consta o nome de ´José Carlos Marcello de Faria´ como declarante (fl. 55). Portanto, assiste razão ao Cartório réu no tocante à alegação de impossibilidade jurídica do pedido de emissão de nova certidão de nascimento sem a prévia adoção dos procedimentos específicos legalmente previstos para retificação dos assentamentos do registro de nascimento, o que não foi requerido. Ademais, consoante documento de fls. 56, verifica-se que a autora, em requerimento datado de 05/09/2006, por intermédio da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, pleiteou nova emissão de segunda via da certidão de nascimento com o objetivo de instruir ação de retificação de registro. Assim foi que, em 03/10/2006, foi expedida a segunda via acostada às fls. 58, na qual constou o nome do pai da autora tal qual constante no assentamento de seu registro de nascimento. Contudo, até o presente momento, verifica-se que a autora não intentou a competente ação de retificação em seu benefício, sendo certo que tinha conhecimento de que essa seria a via adequada para sua pretensão, tendo, inclusive, procurado a Defensoria Pública para assisti-la. Portanto, reconheço a impossibilidade jurídica dos pedidos de anulação da segunda via da certidão de nascimento e condenação da parte ré na emissão de nova via com os dados corretos, não sendo esta a sede própria para buscar a retificação do assentamento de registro de nascimento. Assim, em tal ponto, o processo deve ser julgado extinto, sem resolução do mérito. Deste modo, está sob julgamento apenas os pedidos de indenização por danos materiais e morais, os quais, data vênia, são improcedentes. No caso em tela, a autora postula o ressarcimento por danos materiais e morais decorrentes do erro do Cartório do Registro Civil na emissão de segunda via de certidão de nascimento, no tocante ao nome de seu pai, erro esse que levou os órgãos responsáveis a emitir documento de identidade com o mesmo erro e supostamente negar-lhe a emissão de carteira de trabalho em virtude de conflito nos dados armazenados. De fato, está comprovado que houve divergência entre o nome do pai da autora no registro de nascimento (fl. 55) e na primeira certidão dele extraída (fl. 17), ambos datados de 12/02/1987. No registro constou o nome ´José Carlos Moreira de Faria´ e, na certidão, ´José Carlos Moreira de Paula´, sendo este o nome correto e pretendido pela autora, consoante documentos de fls. 18 e 19. Nos termos do artigo 236 da Constituição Federal, o exercício da função notarial é de caráter privado, eis que exercida por particular por delegação do Poder Público. Contudo, embora não se trate de serviço público propriamente dito, o regime jurídico do exercício dessa função será o de direito público, em razão da natureza do serviço prestado, inserido entre as atividades de função pública lato sensu. Portanto, tratando-se de prestação de função tipicamente estatal delegada pelo Poder Público, a responsabilidade civil pela sua execução é objetiva, nos termos do artigo 37, §6º, da Constituição Federal, com base no risco administrativo. Assim, a responsabilidade dos notários e oficiais de registro, é objetiva, nos termos do artigo 22 da Lei dos Cartórios (Lei 8.935/94), que regulamentam o artigo 37, §6º, da CRFB, in verbis: ´Art. 22. Os notários e oficiais de registro responderão pelos danos que eles e seus prepostos causem a terceiros, na prática de atos próprios da serventia, assegurado aos primeiros direito de regresso no caso de dolo ou culpa dos prepostos´. Como se sabe, a responsabilidade civil é devidamente regulamentada pelo Código Civil, que no seu artigo 186 dipõe que ´aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito´. Por sua vez, o artigo 927 também do Código Civil, determina que ´aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem fica obrigado a repará-lo´. Tratando-se, pois, de responsabilidade objetiva, para que haja obrigação de indenizar, necessário demonstrar o ato ilícito (defeito na prestação dos serviços), o dano e o nexo de causalidade entre eles. No caso dos autos, inegável a existência de defeito na prestação dos serviços cartorários, haja vista o erro verificado quando do assentamento do registro de nascimento da autora no tocante ao nome de seu pai (fl. 55). Contudo, da análise detida dos autos, verifica-se que o pedido da autora se pauta em suposto erro do Cartório quando da emissão da segunda via de sua certidão de nascimento, o que, como visto, não ocorreu. Pelo conjunto probatório, é de se concluir pela inexistência de erro na segunda via da certidão de nascimento emitida, a qual apenas certificou o que constava do assentamento de registro, este sim lavrado em 12/02/1987 com erro quanto ao nome do pai da autora. O erro, portanto, ocorrera na lavratura do assentamento de registro do nascimento da autora, e não na emissão da segunda via, objeto do pedido da presente demanda. Sob esse aspecto, deve-se registrar que, nos termos do artigo 22 da Lei 8.935/94, acima transcrito, a obrigação de reparar o dano decorrente da atividade notorial é pessoal dos Notários e Oficiais de Registro, intransferível para quem o sucede nas suas funções, pois ele deve responder pelos atos praticados na sua gestão. Portanto, eventual dano experimentado pela autora em razão do erro na lavratura do assentamento de seu nascimento (que não é objeto da presente demanda) seria de responsabilidade do então titular da serventia de notas e registros, devendo-se atribuir ao Oficial à frente da serventia ré à época dos fatos a responsabilidade pelo pagamento de eventual indenização. Registre-se que a própria autora já tinha conhecimento desse fato quando da propositura da presente ação. Tanto é assim que em 2006 procurou a Defensoria Pública para proceder à retificação de seu registro (fls. 56/58), vindo a ajuizar a presente apenas em 2007. Por oportuno, deve-se registrar que incumbe também ao interessado e não apenas ao Cartório conferir a exatidão das anotações quando da lavratura do registro, o que, no caso, caberia ao pai da autora, que foi declarante do nascimento e que ouviu a sua leitura, nos termos dos artigos 37 e 38 da Lei nº 6.015/73. Se ele assinou o registro (fl. 55), é porque concordou com o seu conteúdo, valendo-se ressaltar que a ele incumbia, naquele momento, apontar o erro quanto ao seu nome no registro de nascimento de sua filha (artigo 39 da Lei nº 6.015/73). Desse modo, não caracterizado o ato ilícito imputado ao Cartório réu, incabível o dever de indenizar. Ademais, também não se verifica o nexo causal entre a emissão da segunda via da certidão de nascimento da autora por parte do Cartório e os danos morais e materiais supostamente por ela experimentados. Com relação aos danos alegados, impende fazer algumas considerações. Depreende-se da leitura dos autos que, somente quando da emissão de sua carteira de identidade, a autora percebeu o erro do Cartório na emissão da segunda via de sua certidão de nascimento. Conforme documento de fls. 15, a carteira de identidade da autora foi emitida com base na segunda certidão extraída do registro, com o nome de seu pai errado, portanto. Contudo, referido documento somente foi emitido em 31/04/2004, sendo certo que a própria autora afirma em sua inicial que ´só notou tal erro em sua segunda via de certidão quando foi retirar seu documento de Identidade Registro Geral nº 21.750.999-1, DETRAN - Diretoria de Identificação, pois o mesmo órgão solicitou a Autora, à data do preenchimento do documento de identificação uma segunda via da Certidão de Nascimento, pois a mesma encontrava-se com o nome de sua mãe apagado (...), ao observar o documento de identificação do DETRAN/RJ na data do recebimento, percebeu que o nome de seu pai estava incorreto e que o erro era proveniente da segunda via da certidão de nascimento lavrada no mencionado Cartório de Registro´ (fl. 03). Há que se concluir, então, que a autora não teve nenhum prejuízo durante sua vida em decorrência do erro cometido pelo Cartório. Registre-se que o único fato que poderia caracterizar maior constrangimento seria a alegada negativa de emissão de Carteira de Trabalho e Previdência Social, em agosto de 2005. Todavia, ela não se desincumbiu do ônus de prová-lo (artigo 333, I, CPC). Aliás, não há provas sequer de eventual pretensão da autora de ingressar no mercado de trabalho. Conforme relatado pela própria autora, ´quando o servidor identificou o erro no nome de seu pai na certidão de nascimento e na Carteira de Identidade negou-lhe a emissão da mesma, pedindo a Autora que regularizasse seu documento de identificação para que pudesse fazer seu cadastro no Ministério do Trabalho´ (fl. 03). Ora, para a emissão da CTPS junto ao Ministério do Trabalho e Emprego bastaria a apresentação de um dos documentos que identificassem a autora, de modo que inverossímil a alegada apresentação de ambos os documentos, com a conseqüente negativa por parte do servidor em virtude de constatação de erro. Ademais, se a autora já tinha conhecimento do erro em seu documento de identidade desde o início de 2004, quando da emissão de sua carteira de identidade, por que não tomou as providências cabíveis para retificação de seus dados? Mesmo que se releve a inexistência de erro por parte do Cartório de Registro Civil na emissão de segunda via de sua certidão de nascimento, não assistiria razão à autora. Senão vejamos. É assente na doutrina e na jurisprudência que não configura dano moral mero aborrecimento decorrente de erros na prática de atos cartorários, sendo necessário, para que surja o direito à compensação, que haja intenso abalo psicológico ou à imagem, capaz de agredir a honra do suposto ofendido. É cediço que somente configura dano moral a dor, o constrangimento e a humilhação intensa, que fujam da normalidade, interferindo de forma decisiva no comportamento psicológico do indivíduo. O mero dissabor não pode ser alçado ao patamar do dano moral, mas somente aquela agressão que exacerba a naturalidade dos fatos da vida, causando fundadas aflições ou angústias no espírito de quem a ela se dirige. Nesse sentido, o mero dissabor não é objeto de tutela pela ordem jurídica, sob pena de banalização do instituto da reparação do dano extrapatrimonial, constitucionalmente consagrado, o que teria como resultado prático uma corrida desenfreada ao Poder Judiciário, impulsionada pela possibilidade de locupletamento à custa dos simples aborrecimentos do cotidiano. Nas lições de Sérgio Cavalieri Filho, citando Antunes Varela, ´a gravidade do dano há de medir-se por um padrão objetivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de fatores subjetivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada). Por outro lado, a gravidade será apreciada em função da tutela do direito: ´o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado´. Por isso é que, ´nessa linha de princípio, só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente ao comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústias e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral´ (in Programa de Responsabilidade Civil, Malheiros Editores Ltda., 1996, p. 76) . A respeito do tema, Humberto Theodoro Júnior assevera que: ´Os danos morais se traduzem em turbações de ânimo, em reações desagradáveis, desconfortáveis ou constrangedoras, ou outras desse nível, produzidas na esfera do lesado. (...) Assim, há dano moral quando a vítima suporta, por exemplo, a desonra e a dor provocadas por atitudes injuriosas de terceiro, configurando lesões na esfera interna e valorativa do ser com entidade individualizada´ (in Dano Moral, 4ª edição, 2001, Ed. Juarez de Oliveira, p. 2). Em se admitindo a hipótese de reparabilidade por dano moral decorrente de erro nos serviços cartorários de registro civil indiscriminadamente, estar-se-ia, em última análise, fomentando a famigerada indústria do dano moral, prática que deve ser repudiada com vigor. O que se verifica, pois, no caso em comento, é que a hipótese narrada pela autora não configura abalo à sua honra ou a sua integridade psicológica, tampouco representa ofensa à sua dignidade. Há que se observar, ainda, que eventuais aborrecimentos causados à autora situam-se dentro dos limites do razoável, do tolerável pelo homem médio. Com tais fundamentos, entende-se que não há que se falar em dano moral indenizável no caso vertente. Melhor sorte não lhe assiste no que pertine ao ressarcimento por danos materiais. Os danos patrimoniais resultariam da alegada necessidade da autora em ingressar no mercado de trabalho, o que não teria sido possível em virtude da suposta negativa de emissão de CTPS por conta do erro da emissão da segunda via de sua certidão de nascimento. Conforme pacífica e reiterada jurisprudência, impõe-se prova que evidencie o quantum reclamado, porque os danos materiais, ao contrário dos danos morais, não são presumidos. Assim, os danos materiais dependem de prova inequívoca; inexistindo, porém, sua comprovação, afasta-se a sua composição. Compulsando os autos não se verifica nenhuma prova, por mais frágil que fosse, capaz de reforçar a tese da autora neste particular. A autora não provou a alegada negativa de emissão de CTPS, tampouco a situação concreta de não conseguir emprego em razão do erro do nome de seu pai em sua certidão de nascimento. Entendo, assim, que não foram provados os alegados danos materiais. A autora limitou-se a alegar danos emergentes ou lucros cessantes, mas não há prova documental nesse sentido, não se desincumbindo do ônus que sobre si recaía por força do artigo 333, I, do CPC. Assim, em não trazendo aos autos prova robusta e inequívoca de seu prejuízo material, é de se negar a pretensão da autora. Ante o exposto, JULGO EXTINTOS SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO os pedidos de anulação da segunda via da certidão de nascimento e condenação da parte ré na emissão de nova via com os dados corretos, na forma do artigo 267, VI do Código de Processo Civil. Outrossim, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos de indenização por danos materiais e por danos morais, na forma do artigo 269, I do Código de Processo Civil, condenando a autora ao pagamento das custas e honorários advocatícios, os quais fixo em 10% sobre o valor da causa. No entanto, sendo a mesma beneficiária da gratuidade de justiça, deve ser aplicada a regra do art. 12 da Lei nº 1060/50. P. R. I.


Fonte: Site da Arpen-Brasil - 18/05/2010.

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