Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul
Primeira Turma Cível
Agravo Regimental em Apelação Cível - Ordinário - N. 2010.000641-2/0001-00 -
Corumbá.
Relator - Exmo. Sr. Des. Joenildo de Sousa Chaves.
Agravante - Município de Corumbá.
Procuradora - Diana Carolina Martins Rosa.
Agravado - Carlos Marcelo de Castro Ramos Mello.
Advogado - Luiz Fernando Toledo Jorge.
EMENTA
APELAÇÃO CÍVEL – RECOLHIMENTO POR SERVIÇO CARTORÁRIO DE ISSQN SOBRE A
RECEITA BRUTA – AFASTADA – RECURSO IMPROVIDO.
A atividade de serventia extrajudicial consiste em serviço público exercido
em caráter privado por delegação do Estado, razão pela qual os registradores
e notários, ainda que auxiliados por terceiras pessoas, prestam serviços em
caráter personalíssimo, sendo viável, portanto, que a tributação dos
serviços em questão se dê na forma de trabalho pessoal, e não sob apuração
da receita bruta.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os juízes da Primeira
Turma Cível do Tribunal de Justiça, na conformidade da ata de julgamentos e
das notas taquigráficas, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos
termos do voto do relator.
Campo Grande, 15 de fevereiro de 2011.
Des. Joenildo de Sousa Chaves – Relator
RELATÓRIO
O Sr. Des. Joenildo de Sousa Chaves
Município de Corumbá, irresignado com a decisão monocrática proferida por
este relator que à f. 853/859 deu provimento ao recurso para declarar que a
incidência do tributo ISSQN deve ser sobre os serviços prestados pelo
autor/apelado, interpõe o presente agravo interno a este Tribunal.
A fundamentação e a pretensão trazida no referido agravo regimental de f.
901/911 consiste, em apertada síntese, no seguinte:
Reconsideração ou reforma da decisão para negar provimento ao recurso para
que a base de calculo do ISSQN pelo autor/apelado que exerce função
cartorária não seja a receita auferida – preço do serviço, mas sim, sobre a
receita bruta, uma vez que os serviços cartorários não possuem natureza de
trabalho pessoal e, portanto, a base de cálculo deve ser aquela do art. 7º
da Lei Complementar n. 116/2003.
VOTO
O Sr. Des. Joenildo de Sousa Chaves (Relator)
Município de Corumbá, irresignado com a decisão monocrática proferida por
este relator que à f. 853/859 deu provimento ao recurso para declarar que a
incidência do tributo ISSQN deve ser sobre os serviços prestado pelo
autor/apelado, interpõe o presente agravo interno a este Tribunal.
A fundamentação e a pretensão trazida no referido agravo regimental de f.
901/911 consiste, em apertada síntese, no seguinte:
Reconsideração ou reforma da decisão para negar provimento ao recurso para
que a base de calculo do ISSQN pelo autor/apelado que exerce função
cartorária não seja a receita auferida – preço do serviço, mas sim, sobre a
receita bruta, uma vez que os serviços cartorários não possuem natureza de
trabalho pessoal e, portanto, a base de cálculo deve ser aquela do art. 7º
da Lei Complementar n. 116/2003.
Efetivamente, o ato praticado pelo apelante é ilegal, pois o
apelado/apelante não está sujeito ao recolhimento do ISSQN incidente sobre o
total da receita auferida, mas com base em alíquota fixa, nos termos do
parágrafo 1º do art. 9º do Decreto-Lei nº 406/68.
Como é cediço, antes da edição da Lei Complementar n. 116/2003, as normas
gerais sobre o ISSQN eram apenas aquelas previstas no Decreto-Lei n. 406/68.
Diz o parágrafo 1º do artigo 9º do Decreto-Lei nº 406/68:
“Art 9º A base de cálculo do imposto é o preço do serviço.
§1º Quando se tratar de prestação de serviços sob a forma de trabalho
pessoal do próprio contribuinte, o imposto será calculado, por meio de
alíquotas fixas ou variáveis, em função da natureza do serviço ou de outros
fatores pertinentes, nestes não compreendida a importância paga a título de
remuneração do próprio trabalho.”
Logo, os prestadores de serviços sob a forma pessoal estavam sujeitos ao
recolhimento do ISSQN por meio de alíquotas fixas anuais.
Com a edição da Lei Complementar nº 116/2003, cuja redação do artigo 10
acabou criando uma divergência doutrinária e jurisprudencial acerca da
revogação ou não do artigo 9º do Decreto-Lei nº 406/68, uma vez que não faz
menção expressa a esse dispositivo.
Diz o artigo 10 da Lei Complementar n. 116/2003 que:
“Art. 10. Ficam revogados os arts. 8º, 10, 11 e 12 do Decreto-lei n. 406, de
31 de dezembro de 1968; incisos III, IV, V e VII do art. 3º do Decreto-lei
n. 834, de 8 de dezembro de 1969; a Lei Complementar nº 22, de 9 de dezembro
de 1974; a Lei nº 7.192, de 5 de junho de 1984; a Lei Complementar n. 56, de
15 de dezembro de 1987; e a Lei Complementar n. 100, de 23 de dezembro de
1999.”
Como se vê, o artigo 10 supra revoga dispositivos do Decreto-Lei nº 406/68,
sem mencionar o artigo 9º daquela norma.
O Superior Tribunal de Justiça tem entendido que o artigo 9º do Decreto-Lei
n. 406/68 continua vigente, verbis:
“TRIBUTÁRIO. PROCESSO CIVIL. ISS. REVOGAÇÃO. ART. 9º, §§ 1º E 3º, DO
DECRETO-LEI N. 406/68. REVOGAÇÃO. ART. 10 DA LEI N. 116/2003.
NÃO-OCORRÊNCIA.
1. O art. 9º, §§ 1º e 3º, do Decreto-Lei n. 406/68, que dispõe acerca da
incidência de ISS sobre as sociedades civis uniprofissionais, não foi
revogado pelo art. 10 da Lei n. 116/2003. 2. Recurso Especial improvido.”
Portanto, o artigo 9º do Decreto-Lei nº 406/68 continua vigente.
De outro prisma, resta saber se o apelante se enquadra nos requisitos
previstos no parágrafo 1º do artigo 9º do Decreto-Lei n. 406/68, sem os
quais estará obrigado a recolher o ISSQN sobre o valor do seu faturamento.
O artigo 236, da Constituição Federal estabelece garantia para a manutenção
do sistema de prestação dos serviços cartorários extrajudiciais, ao dispor
que
“os serviços notariais e de registros são exercidos em caráter privado, por
delegação do Poder Público”.
Essas disposições exprimem o caráter pessoal da prestação de tais serviços,
tanto assim que a outorga de delegação pelo Poder Público é pessoal,
decorrente de concurso público de provas e títulos.
A Lei nº 8.935/94, que regula as atividades dos notários e dos registradores
públicos, dispõe no artigo 3º que o
“notário, ou tabelião, e oficial de registro, ou registrador, são
profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem é delegado o
exercício da atividade notarial e de registro”.
Não há dúvida, portanto, que os serviços são exercidos em caráter pessoal
pelos notários e registradores públicos. E, quanto à responsabilidade
pessoal destes profissionais, as normas estão previstas no ordenamento
jurídico, a começar pela Constituição Federal (§1º do artigo 236, alhures
transcrito), reiterada pelos artigos 21 e 22 da Lei nº 8.935/94.
Aliás, o inciso VI do artigo 134 do Código Tributário Nacional enuncia a
responsabilidade pessoal na esfera tributária dos notários e dos
registradores públicos, estabelecendo que:
“Art. 134.. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da
obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos
atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis:
...
VI - os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos
tributos devidos sobre os atos praticados por eles, ou perante eles, em
razão do seu ofício.”
Resta assim demonstrado que o apelante presta serviços em caráter pessoal,
responsabilizando-se pessoalmente pelos seus atos e de seus prepostos.
Com efeito, os tabeliães prestam serviço sob a forma de trabalho pessoal e
em razão da natureza da atividade tem direito ao regime especial de
recolhimento, alíquota fixa, e não em percentual sobre toda a importância
recebida pelo Delegado a título de remuneração de todo o serviço prestado
pelo Cartório Extrajudicial que administra.
Aliás, tanto a legislação do imposto sobre a renda como a legislação
previdenciária consideram os notários e registradores profissionais
autônomos que prestam serviços como pessoa física, respondendo pessoalmente
por seus atos. Os artigos 45 e 106 do Decreto n. 3.000/99, por exemplo,
conferem aos notários e registradores o mesmo tratamento dispensado aos
profissionais liberais que exercem trabalho não-assalariado, como é o caso
dos médicos e advogados.
A jurisprudência não destoa deste entendimento, verbis:
“1. TRIBUTÁRIO – DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE CRÉDITO TRIBUTÁRIO –
ISSQN – SERVIÇOS CARTORÁRIOS (registrais e notariais) – INCIDÊNCIA – ISS
incidente sobre serviços prestados por notório e oficial de registro –
Serviços delegados exercidos em caráter privado. Serviço de natureza
pública, mas cuja prestação é privada. Precedente do E. Supremo Tribunal
Federal reconhecendo a constitucionalidade da exigência (ADI 3089/DF,
julgada em 13/02/2008) – Base de cálculo do ISS – Valor destinado ao oficial
delegatário, excluídos os demais encargos, como, por exemplo, custas
destinadas ao Estado e a órgão representativo. 2. O regime instituído pelo
art. 9º, do Decreto-Lei n. 406/69 não foi revogado pelo art. 10, da Lei
Complementar n. 116/03. O tabelião ou oficial de registro prestam serviço
sob a forma de trabalho pessoal e em razão da natureza do serviço tem
direito ao regime especial de recolhimento, alíquota fixa, e não em
percentual sobre toda a importância recebida pelo Delegado a título de
remuneração de todo o serviço prestado pelo Cartório Extrajudicial que
administra – Recolhimento do imposto na forma do art. 9º, § 1º, do
Decreto-Lei n. 406/66. 3. Recurso da Municipalidade provido para declarar
inconstitucional a incidência do ISS sobre os serviços notariais. Recurso
Oficial provido para determinar o recolhimento do ISS na forma do art. 9º, §
1º, do Decreto-lei 406/68. Sentença reformada. Ação julgada parcialmente
procedente (TJSP. Ap. Nº 656.934.5/0-00 – Fartura – 15ª Câm. De Dir. Público
– Des. Rel. Daniella Lemos – DJ 14.08.2008)
Os serviços de registros públicos, cartorários e notariais são públicos, não
afastando esta característica o fato de serem prestados em caráter privado
por particulares, por se tratarem de serviços delegados, sendo tributados
privativamente pelo Estado e Distrito Federal, e não o Município. Assim, há
vedação constitucional prevista no art. 150, VI, da Constituição Federal,
visto que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios não podem
instituir imposto sobre o patrimônio, renda ou serviços uns dos outros.” (TJMT,
Rel. Evandro Stabile, DJ 14.04.2010)
Em suma: a atividade de serventia extrajudicial consiste em serviço público
exercido em caráter privado por delegação do Estado, razão pela qual os
registradores e notários, ainda que auxiliados por terceiras pessoas,
prestam serviços em caráter personalíssimo, sendo viável, portanto, que a
tributação dos serviços em questão se dê na forma de trabalho pessoal, e não
sob apuração da receita bruta e, portanto, nem de longe se fala em violação
ao princípio da participação contributiva.
Isto posto e demais que dos autos consta nego provimento a recurso.
DECISÃO
Como consta na ata, a decisão foi a seguinte:
POR UNANIMIDADE, NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO, NOS TERMOS DO VOTO DO
RELATOR.
Presidência do Exmo. Sr. Des. Sérgio Fernandes Martins.
Relator, o Exmo. Sr. Des. Joenildo de Sousa Chaves.
Tomaram parte no julgamento os Exmos. Srs. Desembargadores Joenildo de Sousa
Chaves, João Maria Lós e Divoncir Schreiner Maran.
Campo Grande, 15 de fevereiro de 2011.
Fonte: Site do TJ MS
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