A necessária regulamentação da compensação da Área de Reserva Legal,
defendida em reuniões e ações por promotores de Justiça de defesa do meio
ambiente, levou o procurador-geral de Justiça, Jarbas Soares Júnior, a
propor uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI
1.0000.07.456.706-6/000), em face da Assembléia
Legislativa de Minas Gerais e outros, questionando parte das legislações que
dispõem sobre políticas florestal e de proteção à biodiversidade no Estado.
Por maioria, 15 votos a dois, a Corte Superior do Tribunal de Justiça de
Minas Gerais (TJMG), em sessão realizada nessa quarta-feira, 27 de agosto,
julgou procedente a ADI.
De acordo com a inicial, os dispositivos da Lei tratavam com desmedida
benevolência o tema da compensação da reserva legal. Além de permitir a
criação dessa área fora do ecossistema em que se verificou o dano, a Lei
facultava a aquisição de título em quantidade correspondente à área de
reserva legal a ser reconstituída. E, dessa forma, a inexistência de reserva
legal no Estado de Minas Gerais poderia ser compensada com área localizada
em até outro Estado da Federação integrante ou não da mesma bacia ou ainda
por meio da aquisição de título.
A decisão do Tribunal de Justiça, que declara inconstitucional os incisos V,
VI e VII do art. 17 da Lei Estadual n.º 14.309/2002, bem como dos incisos V
e VI e do § 6º do art. 19 do Decreto Estadual n.º 43.710/2004, põe fim a uma
prática que contribuía para que um espaço territorial fosse completamente
devastado, com perdas irreparáveis ao meio ambiente.
No acórdão do TJMG, o desembargador Herculano Rodrigues, em seu voto, afirma
que as referidas normas estaduais extrapolam a competência concorrente do
Estado, prevista no artigo 10, da Constituição Estadual, uma vez que “a
legislação federal que disciplina a matéria já determina que a recomposição
da reserva legal nos imóveis rurais, implementada mediante compensação,
somente é possível se se der por outra área equivalente em importância
ecológica e extensão, desde que pertença ao mesmo ecossistema e esteja
localizada na mesma micro-bacia”.
O desembargador Wander Marotta acompanhou o voto e fez as seguintes
considerações a respeito do instituto da reserva legal: “se o Estado
permitir que a reserva legal seja averbada em região diversa da que foi
devastada o instituto perde a finalidade e fica esvaziado de conteúdo. Além
de a lei estadual em exame permitir que o meio ambiente de um dado espaço
territorial seja completamente devastado, a autorização para que a reserva
legal seja instituída em outra região, pode vir a impedir o desenvolvimento
econômico de locais com terras menos férteis.
Ele cita como exemplo o triângulo mineiro, que tem terras valiosas e
produtivas. “Os empresários vão fatalmente adquirir as terras da região já
desenvolvida economicamente, e instituir segundo a lei estadual, áreas de
reserva no Norte de Minas, região menos desenvolvida e que terá o seu
próprio desenvolvimento econômico inviabilizado, caso todos os proprietários
de terras no triângulo resolvam averbar, ali, as suas áreas de reserva
legal”, argumenta o desembargador Wander Marotta.
O desembargador conclui que “a Lei estadual questionada é, por tudo isto,
uma lei com reflexos terríveis e perversos. Mais uma vez, contrariando tudo
o que se sabe de economicidade, além da própria ideologia da Constituição
(art. 170, VI), as regiões mais pobres do Estado serão prejudicadas”.
Entenda o caso: Em 15 de junho de 2005 houve, em São Paulo, uma reunião de
representantes do Ministério Público de todo o Brasil. O então Coordenador
do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Defesa do Meio Ambiente de
Minas Gerais (CAOMA), Rodrigo Cançado Anaya Rojas, representou o Ministério
Público mineiro. Entre as deliberações feitas na reunião, constou a
elaboração de representação ao Conselho Nacional de Procuradores Gerais e
aos Procuradores-Gerais de Justiça dos Estados para providências no sentido
de se propor ações questionando a constitucionalidade das legislações que
excepcionam intervenções em Áreas de Preservação Permanente (APP), quais
sejam, Lei estadual nº 11.206/95, de Pernambuco; Lei Municipal nº 16.930/03,
da cidade de Recife-(PE); Lei estadual nº 14.309/02, de Minas Gerais e
Decreto Estadual nº 43.710/04, de Minas Gerais”.
O CAOMA resolveu aprofundar o exame da matéria e ofereceu ao
procurador-geral de Justiça, Jarbas Soares Júnior, uma representação acerca
da inconstitucionalidade dos incisos V, VI e VII, do art. 17 da Lei Estadual
n.14.309/02. Conclui-se ainda que a questão relativa à compensação da área
de reserva legal foi tratada em normas editadas nas esferas federal e
estadual.
Em 9 de janeiro de 2006, foi editada a Portaria n. 9, do Instituto Estadual
de Florestas (IEF), que estabelece procedimentos para a compensação da
Reserva Legal quando da sua recomposição na forma de Reserva Particular do
Patrimônio Natural – RPPN ou Reserva Particular de Recomposição Ambiental –
RPRA, em condomínio.
Em 7 de março de 2006, outra reunião do Ministério Público mineiro com o IEF
discutiu os dispositivos referidos da Lei Estadual n. 14.309/02. Presentes
Rodrigo Cançado Anaya Rojas, o promotor de Justiça Alex Fernandes Santiago,
coordenador das Promotorias de Justiça de Defesa do Rio São Francisco, o
promotor de Justiça de Meio Ambiente da Comarca de Araguari, Sebastião Naves
de Resende Filho, eo diretor-geral do Instituto Estadual de Florestas,
Humberto Candeias Cavalcanti, além de técnicos daquela autarquia.
Na ocasião, os membros do Ministério Público manifestaram a preocupação com
a possibilidade da compensação das áreas de reserva legal fora da bacia
hidrográfica, em desrespeito ao previsto no Código Florestal. Ressaltaram
ainda que a norma estadual desrespeita o princípio da máxima coincidência
possível, que consistente, no caso, na compensação na mesma micro-bacia ou
bacia hidrográfica e em área mais próxima possível da propriedade desprovida
de reserva legal, sendo, portanto, inconstitucional.
Outro fato determinante e que contribuiu para a propositura da ADI, pelo
procurador-geral Justiça refere-se a iniciativa da Promotoria de Justiça de
Meio Ambiente da comarca de Uberlândia, que obteve, por meio do controle
difuso, em ação civil pública, decisão favorável que reconheceu
incidentalmente a inconstitucionalidade do art. 17, incisos V, VI e VII da
Lei Estadual n. 14.309/02.
Jarbas Soares Júnior argumentou na ADI que a solução mais adequada para o
restabelecimento da ordem jurídica se encontra no controle concentrado de
constitucionalidade, por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade da
Lei, frente à Constituição do Estado, no Tribunal de Justiça.
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