O Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve decisão de segunda
instância que reconheceu a usucapião ordinária em um imóvel cujos
proprietários alegavam ser bem de família. Parte do terreno na cidade de
Santa Cruz das Palmeiras, interior paulista, era ocupada há mais de 30
anos por uma família que detém, desde 1956, título particular de
compromisso de compra e venda quitado, mas sem autenticação ou registro
formal. Para a Quarta Turma do STJ, que não conheceu do recurso
apresentado pelos proprietários, o documento justifica o exercício da
posse pelos réus e é hábil para embasar a ocorrência de usucapião.
Usucapião é a aquisição da propriedade sobre um imóvel feita por quem
tem a posse derivada de um título e o possui de boa-fé, por um período
sem interrupção durante dez anos. O Código Civil prevê dois tipos de
usucapião: a ordinária e a extraordinária. A usucapião ordinária
pressupõe que sejam preenchidos seis requisitos, referentes ao imóvel, à
posse, à intenção de posse como seu, ao decorrer de um lapso de tempo,
ao título e à boa fé. O prazo reduz-se, se o possuidor adquiriu a
propriedade de forma onerosa, se o possuidor tiver construído no imóvel
a sua moradia, entre outros.
No caso em questão, a família Piccolo ingressou com ação reivindicatória
contra dez pessoas sob a alegação de que ocupavam indevidamente imóvel
de 580,8 m² de sua propriedade naquela cidade. A área havia sido
comprada pelo patriarca da família, Luiz Piccolo, em 1952, por escritura
pública de venda e compra. Ocorre que há mais de 30 anos a família
Rubello ocupou cerca de 200m² do imóvel, construindo um barracão.
A família Rubello contestou, argumentado que, em 1956, Brazilino Rubello
adquiriu a área de Luiz Piccolo, por meio de instrumento particular de
compromisso de venda e compra, datado de 3 de janeiro de 1956. Em
primeira instância, a posse que contrariasse o domínio da família
Piccolo foi considerada injusta. A sentença também esclareceu ser o bem
de família insuscetível de usucapião. Por isso, a parte ocupada do
imóvel deveria ser entregue a eles, que por sua vez indenizariam a
família Rubello pela construção erguida ali.
Ao julgar a apelação, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ/SP) atendeu
o pedido dos réus, reconhecendo a prescrição aquisitiva e, assim,
entendendo improcedente a ação. A prescrição é aquisitiva quando uma
pessoa pode incorporar ao seu patrimônio determinado direito do qual
desfruta há um longo tempo. Este tipo de prescrição trata-se da
usucapião.
Na hipótese, entre a data da promessa de venda e compra e o falecimento
de Luiz Piccolo transcorreram 15 anos e cinco meses. O acórdão afirmou
que a parcela reivindicada perdeu as características de bem de família
por mais de 30 anos. Ainda disse que o documento de venda e compra, já
pago, era um justo título para efeito de usucapião ordinário.
Inconformados, os herdeiros de Luiz Piccolo ingressaram com recurso
especial no STJ, alegando que o bem é de família e insuscetível de
usucapião. Argumentaram que os réus não possuiriam justo título, já que
a promessa de venda e compra apresentada não teria autenticação,
registro, assinatura dos compradores, testemunhas, entre outras
exigências. Afirmaram, ainda, que Luiz Piccolo não poderia alienar o bem
sem consentimento da esposa. Por fim, disseram que Brazilino Rubello
dispunha apenas da posse direta do bem, e que saberia do impedimento
para a aquisição da posse e do domínio.
O relator do recurso, ministro Barros Monteiro, considerou documento
justo para provar o exercício da posse o compromisso de venda e compra
quitado, ainda que sem autenticação ou com outras falhas. Também
entendeu que o fato de o imóvel haver sido instituído como bem de
família por Luiz Piccolo não é impedimento da usucapião. O ministro
Barros Monteiro destacou, ainda, que para examinar a má-fé dos
possuidores seria necessário o exame de provas, o que é inadmissível em
recurso especial.
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