- O testamento particular, não eivado de qualquer nulidade, há de ser
declarado eficaz pelo princípio da conservação.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0702.00.023503-7/001 - Comarca de Uberlândia -
Relator: Des. NILSON REIS
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a Segunda Câmara Cível do Tribunal de
Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de
fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas,
à unanimidade de votos, em negar provimento.
Belo Horizonte, 23 de novembro de 2004. - Nilson Reis - Relator.
N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S
Proferiram sustentações orais, pelo apelante e pelos apelados,
respectivamente, os Drs. Luiz Fernando Valladão Nogueira e Humberto
Theodoro Neto.
O Sr. Des. Nilson Reis - Senhor Presidente. Ouvi atentamente as
brilhantes sustentações orais produzidas pelos ilustres advogados, que
sempre que vêm a esta Câmara enobrecem cada vez mais o exercício ético e
profissional da advocacia, que tanto auxilia na administração da
justiça.
Examinei, como faço, de maneira exaustiva, os autos, que, realmente,
trazem uma matéria que é de ocorrência rara. Tenho voto escrito, no qual
analiso todas as questões postas da tribuna, assim como dos memoriais e
que literaliza o meu convencimento após, como dito, exaustivo exame da
matéria, salientando que me ative tanto ao Código Civil de 1916 como ao
atual Código de 2002, à análise do direito intertemporal e ao princípio
da conservação dos atos jurídicos, realçando que também não me apego a
formalismos diante do dinamismo do Direito, que é vivo e deve ser sempre
vivificado.
Conheço do recurso, porque presentes os pressupostos de sua
admissibilidade.
Tratam os autos de abertura de testamento particular de Maria Aparecida
Monteiro, requerida por Maria Francisca Thereza Monteiro, acolhido pela
sentença de f. 303/312-TJ.
O apelante, inconformado, apela (f. 313/319-TJ), sustentando que a
decisão recorrida não pode prevalecer, porquanto não observada
formalidade exigida pela legislação aplicável à espécie, ou seja, o
Código Civil de 1916, no que se refere ao número de testemunhas exigidas
para confirmação do testamento particular.
Contra-razões, às f. 322/339-TJ, batendo-se os apelados pela manutenção
da sentença recorrida.
A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em seu parecer de f. 349/353-TJ,
opina pelo conhecimento e improvimento do recurso.
Assim relatados, passo à decisão.
A análise dos autos releva que Maria Aparecida Monteiro deixou
testamento particular, escrito de próprio punho, em 6.1.80, cuja
abertura foi requerida por Maria Francisca Thereza Monteiro, em 13.9.00.
A primeira sentença (f. 14-TJ), que determinou o registro, foi anulada
pelo acórdão de f. 108/115-TJ, para que se observasse a forma exigida
pela legislação civil em vigor. Outra sentença foi proferida,
determinado o registro do testamento (f. 303/311-TJ), e contra ela há
resistência, ao fundamento de que não foi observada formalidade exigida
pela legislação de regência no que se refere ao número de testemunhas
exigidas para confirmação do testamento particular.
De início, é preciso destacar que o testamento particular foi escrito em
6.1.80; o pedido de abertura ocorreu em 30.9.00; e a sentença recorrida
foi proferida em 10.2.03. Assim, diante da alegação de que não foi
observada formalidade exigida pela legislação civil em vigor, em
decorrência da vigência da Lei nº 10.406/02, a partir 11.1.03, a
primeira providência é definir qual a legislação aplicável à espécie, ou
seja, o Código Civil de 1916 (época da elaboração) ou o de 2002 (época
da sentença).
Caio Mario da Silva Pereira, ao discorrer sobre o conflito de leis no
tempo, anota:
"A lei que regula a forma e a prova dos atos jurídicos é a do tempo em
se realizaram. A sua validade deve, portanto, ser apreciada segundo a
lei sob cujo império foram efetuados. Se uma lei impõe forma pública
para ato que se podia celebrar por escrito particular não atinge os que
revestem esta forma, celebrados ao tempo em que a lei o permitia, ainda
quando os seus efeitos se venham a produzir sob o império da lei nova"
(Instituições de Direito Civil. v. I. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense,
1994, p. 106).
Com efeito, aplicável ao pedido de abertura do testamento particular de
Maria Aparecida Monteiro são as disposições do Código Civil de 1916.
Ocorre que o Código de 1916, bem como o Código de 2002 são instruídos
pelo princípio da conservação.
Sérgio Pinto Martins, anota:
"Os princípios diferenciam-se das regras por vários aspectos. As regras
estão previstas no ordenamento jurídico. Os princípios nem sempre estão
positivados, expressos no ordenamento jurídico, pois em alguns casos
estão implícitos nesse ordenamento, contidos em alguma regra. Decorrem
os princípios de estimação ética e social.
A regra serve de expressão a um princípio, quando, por exemplo, este é
positivado, ou até como forma de interpretação da própria regra, que
toma por base o princípio. Os princípios não servem de expressão às
regras. As regras são a aplicação dos princípios ou operam a concreção
dos princípios, sobre os quais se apóiam.
Sustentam os princípios dos sistemas jurídicos, dando-lhes unidade e
solidez. São, portanto, vigas mestras do ordenamento jurídico. Princípio
é a bússola que norteia a elaboração da regra, embasando-a e servindo de
forma para sua interpretação. Os princípios influenciam as regras.
Os princípios inspiram, orientam, guiam, fundamentam a construção do
ordenamento jurídico. Sob certo aspecto, podem até limitar o ordenamento
jurídico, erigido de acordo com os princípios. Não são, porém, axiomas
absolutos e imutáveis, pois pode haver mudança da realidade fática, que
implica a necessidade de mudança da legislação, do Direito, em face da
realidade histórica em que foram erigidos.
As regras são instituídas tomando por base os princípios. Orientam os
princípios a formação de todo o sistema, enquanto a regra está inserida
nele, sendo influenciada pelos princípios. O princípio pode ser levado
em consideração para a interpretação da regra, enquanto o inverso não
ocorre. A aplicação dos princípios é um modo de harmonizar as regras.
Tem o princípio acepção filosófica, enquanto a regra tem natureza
técnica" (Instituições de Direito Público e Privado. 4. ed. São Paulo:
Editora Atlas, 2004, p. 50).
O princípio da conservação prescreve que, a priori, a validade do ato ou
negócio jurídico é a regra, é a presunção, sendo exceção sua invalidade.
Válido é o negócio ou ato jurídico em que a emissão de vontade e a lei
são obedecidas.
Antônio Junqueira de Azevedo doutrina:
"Tanto dentro de cada plano, quanto nas relações entre um plano e outro,
há um princípio fundamental que domina toda a matéria da inexistência,
invalidade e ineficácia; queremos referir-nos ao princípio da
conservação. Por ele, tanto o legislador quanto o intérprete, o
primeiro, na criação das normas jurídicas sobre os diversos negócios, e
o segundo, na aplicação dessas normas, devem procurar conservar, em
qualquer um dos três planos - existência, validade e eficácia -, o
máximo possível do negócio jurídico realizado pelo agente" (in Negócio
Jurídico - Existência, Validade e Eficácia. 3. ed. São Paulo: Saraiva,
2000, p. 64).
Como a regra é a validade do negócio jurídico, os arts. 145 e 147 do
Código Civil de 1916 elencam, em numerus clausus, os casos de nulidade e
anulabilidade do ato jurídico.
Ora, apega-se o apelante ao fato de que não foi observada formalidade
exigida pela legislação de regência no que se refere ao número de
testemunhas exigidas para confirmação do testamento particular, visto
que, das cinco testemunhas que assinaram o testamento feito por sua
irmã, apenas uma delas encontra-se viva.
De fato, o art. 1.648 do CCB/16 dispõe:
"Art. 1.648. Faltando até duas das testemunhas, por morte, ou ausência
em lugar não sabido, o testamento pode ser confirmado, se as três
restantes forem contestes, nos termos do artigo antecedente".
Porém, no caso sub judice, não há alegação de qualquer das nulidades
elencadas nos arts. 145 e 147 do código em comento.
Em momento algum se questionou a capacidade jurídica da testadora; a
autenticidade do testamento jamais foi questionada e o que se vê, às f.
125/126-TJ, é uma "Escritura Pública Declaratória", na qual a única
testemunha sobrevivente, Maurício de Freitas, declara que "... conhecia
a falecida Maria Aparecida Monteiro desde 1958, com quem mantinha
relações de amizade. Que a falecida era religiosa da 'Congregação das
Missionárias de Jesus Crucificado' e residia na mencionada Congregação
(...); que tem conhecimento de que a falecida era solteira, sem filhos e
proprietária de muitos bens (...); que, em janeiro do ano de 1980, foi
convidado pela falecida Maria Aparecida Monteiro, a comparecer na Rua
Padre Pio, nº 118, em Uberlândia/MG, para servir de testemunha do
testamento que pretendia realizar. Assim, no dia 06 de janeiro de 1980,
compareceu à Rua Padre Pio, nº 118, juntamente com quatro outras
testemunhas, também conhecidas do declarante, quais sejam: Benedicto
Nazário, Aurélio Pastore, Meryge José Alexandre e Caio Manoel Fructuoso.
Que, reunidos, o declarante e as quatro testemunhas presenciaram a
elaboração de um documento, feito de próprio punho da falecida, em
várias folhas de um papel pautado, dizendo ser seu testamento e que,
após concluído, foi por ela lido em voz alta, perante o declarante e as
demais testemunhas e por fim assinado (...). Que o declarante reconhece
sua própria assinatura e a assinatura da falecida e das outras quatro
testemunhas, em todas as folhas do testamento".
Em brilhante página sobre o tema aqui abordado, o mestre José Olympio de
Castro Filho, in Comentários ao Código de Processo Civil, ao fazê-los
sobre o art. 1133, p. 169-171, anota:
"Sobre o requisito da confirmação, Pontes de Miranda investiu duramente
contra o sistema do Código Civil, confirmado no Código de Processo Civil
de 1939, demonstrando que 'a interpretação estrita, literal, terá o
grave resultado de matar ato de extraordinária importância, como é o
testamento, sem a culpa e contra a vontade, provada, do testador. Então,
o artifício, que tinha por fito proteger a testamentificação, passa a
constituir injunção contrária à Justiça. Nessa discordância entre o meio
e o fim, a inércia do juiz pode ser indefensável, pode mesmo ser felonia
à sua missão. Ele não é um instrumento de imposição, mas instrumento de
direito, e o conflito entre o texto imperfeito e as realidades que
compõem a situação jurídica deve resolver-se segundo o direito, e não
pela capitulação diante da letra injusta. (...) Decidir contra tal
testamento, que não oferece dúvidas, ou, se as havia, foram plenamente
afastadas pelos meios probatórios admitidos em direito, seria sacrificar
aquilo mesmo que as formas solenes quiseram plenamente assegurar'. (...)
É que as testemunhas testamentárias apenas existem como meio de prova de
que o testemunho é 'autêntico', vale dizer, digno de ser acreditado. E a
autenticidade, ou seja, a certeza de que o instrumento emanou de quem é
o mesmo atribuído independe, rigorosamente, em muitos casos, de
confirmação por testemunhas, já que pode ser comprovada por prova
pericial grafológica".
Saliente-se que, no caso em tela, essa prova sequer foi pedida.
E termina o autorizado mestre, afirmando que o testamento "é ato de
vontade não das testemunhas, mas do testador".
Ora, a única testemunha assegura que o documento é o original,
autêntico, feito por quem tinha capacidade para tal e cumpre as
formalidades da lei de regência. Porém, o fato de haver somente uma
testemunha sobrevivente não pode invalidar as disposições de última
vontade da inventariante. Tanto que o Código Civil de 2002, em seu art.
1.878, parágrafo único, preceitua que: "Se faltarem testemunhas, por
morte ou ausência, e se pelo menos uma delas o reconhecer, o testamento
poderá ser confirmado, se, a critério do juiz, houver prova suficiente
de sua veracidade".
A alteração dos requisitos para alcançar-se a confirmação do testamento
particular pelo Código de 2002 vem para corroborar o pensamento, neste
voto manifestado, de conservação dos atos jurídicos, mostrando a
dinamicidade do direito em sua tentativa de adequação às exigências de
um novo tempo.
Na lembrança do direito intertemporal, não se há de desprezar o tempo da
expressão da vontade, que se projeta do passado para o futuro, de modo
que, no caso dos autos, a situação fática não é seccionada para a
aplicação do sistema jurídico. E, mesmo se o fosse, para considerar a
aplicação do Código Civil vigente, não vejo problema conflitual capaz de
impedir a eficácia do testamento, que se insere em norma de direito
material, com a saliência de que a matéria versa sobre interesse
privado, de modo que os direitos dos herdeiros legatários nasceram
daquele ato e, portanto, não foram perturbados pelo novo Código Civil,
conservando-se, na expressão do princípio que emerge, também, das normas
da nova Lei Civil. É o império do princípio da conservação, que respeita
a vontade da testadora.
Entendo, portanto, que, atendendo ao princípio da conservação,
repete-se, existente no Código Civil de 1916 e reforçado no novo Código
Civil, sem que tenha sido provado, ou sequer argüido, qualquer vício ou
defeito no testamento particular em questão, prevalece o conteúdo
daquele testamento, que, mesmo diante do direito das sucessões, sabe-se
que o legado é uma doação e a testadora era solteira, sem herdeiros
necessários e podia dispor como o fez, sem acarretar prejuízo algum a
quem quer que seja - não se podendo confundir os conceitos de prejuízo e
frustração -, de modo que válidas a sua vontade e a sua intenção.
Somente a título de ilustração, colhe-se na jurisprudência:
"Testamento - Particular - Autenticidade - Confirmação por apenas duas
testemunhas - Irrelevância - Possibilidade de sua comprovação por outros
meios probatórios - Hipótese em que as testemunhas falecidas
sobreviveram à testadora - Assinaturas lançadas no documento, ademais,
que tiveram as respectivas firmas reconhecidas - Impossibilidade de
ser-lhe negada eficácia - Inteligência do art. 1.648 do CC - Recurso
provido. - O rigor de interpretação dos preceitos relativos à
confirmação do testamento particular não se justifica, cumprindo ao
intérprete atentar para a finalidade da exigência legal, admitindo-se a
eficácia do ato toda vez que sua autenticidade possa confirmar-se por
outros meios probatórios" (Apelação Cível nº 172.779-1, 2ª Câmara Cível
do TJSP, Águas de Lindóia/S. Negra, Rel. Des. Urbano Ruiz. j. em
07.08.1992).
"Testamento particular - Testamento subscrito por apenas três
testemunhas, contrariando a formalidade das cinco testemunhas, previstas
no inciso II do artigo 1.645 do Código Civil. - Disposição que deve ser
abrandada no Direito moderno, pois a própria ordem legal não a considera
tão relevante, conforme se verifica através do art. 1.648, do Código
Civil - Recurso provido, para afastar o indeferimento da inicial"
(Apelação Cível nº 92.673-1, TJSP, São Paulo, Rel. Des. José Osório. j.
em 06.04.1988).
Eliminada a timidez da interpretação e ciente de que sua flexibilização
não fere a vontade do legislador de evitar fraudes e diante da regra do
art. 5º da LICC, de índole constitucional, não se admite a passividade
do julgador, para, lembrando-se do Min. Moreira Alves, possa ser chamado
"convidado de pedra", insensível à vivificação do Direito.
Assim sendo, nego provimento ao apelo, para declarar a eficácia do
testamento particular de Maria Aparecida Monteiro.
Custas recursais, ex lege.
O Sr. Des. Jarbas Ladeira - Peço vista.
Súmula - PEDIU VISTA O REVISOR. O RELATOR NEGAVA PROVIMENTO.
N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S
Assistiu ao julgamento, pelo apelante, o Dr. Luiz Fernando Valladão
Nogueira.
O Sr. Presidente (Des. Francisco Figueiredo) - O julgamento deste feito
foi adiado na sessão do dia 16.11.2004, a pedido do Revisor, após votar
o Relator, negando provimento ao recurso.
Com a palavra o Des. Jarbas Ladeira.
O Sr. Des. Jarbas Ladeira - Senhor Presidente. O testamento foi inscrito
sob a regência do Código Civil de 1916, e também o falecimento do
testador deu-se sob a égide do mesmo Código. No referido diploma legal (arts.
1.645 a 1.649), estabelecia-se que, ao ser aberto o testamento, poderiam
faltar até duas das cinco testemunhas.
No novo Código Civil (arts. 1.876 e seguintes), o número de testemunhas
do ato foi reduzido para três, podendo estar presente até uma quando da
confirmação do testamento.
No presente feito, discute-se questão meramente formal, não se
contestando a regularidade do testamento, devendo prevalecer o princípio
da instrumentalidade dos atos processuais.
Com essas considerações, adiro, por inteiro, ao voto do eminente Relator
para confirmar a sentença de primeiro grau.
O Sr. Des. Brandão Teixeira - Trata-se de apelação interposta contra
sentença de f. 303/311, que, nos autos da ação de publicação em juízo do
testamento particular elaborado por Maria Aparecida Monteiro e requerido
por Maria Francisca Thereza Monteiro, determinou seu registro,
arquivamento e cumprimento.
Inconformado, o apelante bate-se pela impossibilidade de manutenção da
decisão recorrida uma vez que o testamento foi escrito sob a vigência do
Código Civil de 1916, que exige a presença de três testemunhas para
confirmação do testamento particular, não podendo ser aplicada norma
vigente no novo Código Civil.
Sendo a confirmação ato processual presente, não devem ser exigidos para
a confirmação de testamento particular praticado na vigência do Código
Civil de 1916, no estrito cumprimento dos requisitos necessários à
época, os mesmos requisitos do código antigo se a confirmação daquele
ato se dá sob a vigência da nova lei civil, que reconhece a validade de
testamentos particulares, lidos e assinados por três testemunhas,
estando presente apenas uma delas, na eventualidade de morte das outras
duas (v. art. 1.878, parágrafo único, CC/2002).
Para melhor distribuição da Justiça, sendo impossível a confirmação do
testamento particular pelas testemunhas presenciais do ato em razão do
óbito de quatro delas, deve-se aceitar a confirmação daquele pela
testemunha supérstite.
Aliás, a questão já se encontra decidida pelo acórdão de f. 108/115,
pois ali se deu parcial provimento à apelação interposta pelo ora
apelante, para que fosse cassada a decisão monocrática que havia
determinado a publicação, registro e cumprimento do testamento
particular deixado por Maria Aparecida Monteiro e fossem devidamente
observadas as normas processuais respectivas.
À época, a questão da morte de quatro testemunhas presentes à leitura do
testamento particular já era de conhecimento deste eg. Tribunal, e
pareceu-me que a Turma Julgadora, em sua composição de então, anulou a
decisão que determinou a publicação, registro e cumprimento de
testamento particular para que as normas processuais fossem cumpridas,
considerando, de antemão, que a oitiva de pelo menos três testemunhas
presentes à leitura do testamento era impossível, em razão da morte de
quatro delas. Implícita estava, pois, a utilidade da oitiva da única
testemunha possível de ser ouvida.
Aliás, nos termos do art. 130 do CPC, cabe ao juiz, de ofício ou a
requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do
processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias.
Portanto, se, agora, se cumpriu a norma processual relativa à oitiva da
única testemunha sobrevivente, que confirmou o testamento, sua
assinatura pela testadora e pelas demais testemunhas, na presença delas,
e ao fato de a testadora encontrar-se em perfeitas condições físicas e
mentais à época (v. f. 279), não há razão para negar eficácia ao
testamento, ainda que elaborado na vigência do Código Civil de 1916, a
cujos requisitos atendia.
O testamento particular é a modalidade mais simples de testamento
ordinário dentre as elencadas no art. 1.629 do Código Civil de 1916.
Referindo-se a essa forma testamentária, Orlando Gomes leciona:
"Tem ele, sobre os testamentos públicos, as seguintes virtudes:
presteza, comodidade, modicidade do custo. Porque dispensa a intervenção
do oficial público, faz-se com maior rapidez, sem necessidade do
deslocamento desse auxiliar da justiça ou do próprio testador, e sem
pagamento de custas" (Sucessões. Atualizador: Humberto Theodoro Júnior.
Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 119).
Ainda que o art. 1.645 do antigo Código Civil exigisse intervenção de
cinco testemunhas instrumentárias, o art. 1.133 do Código de Processo
Civil possibilitava interpretação mais flexível em relação a esse
número:
"Art. 1.133 - Se pelo menos 3 (três) testemunhas contestes reconhecerem
que é autêntico o testamento, o juiz, ouvido o órgão do Ministério
Público, o confirmará, observando-se quanto ao mais o disposto nos arts.
1.126 e 1.127".
O próprio art. 1.648 do Código Civil de 1916 prescrevia que, se houvesse
morte ou ausência de até duas das testemunhas, o testamento poderia ser
confirmado, "se as três restantes forem contestes", nos termos do artigo
1.647 daquele mesmo codex.
Eduardo de Oliveira Leite, em Comentários ao Novo Código Civil,
lecionando sobre testamento particular, colaciona em nota de rodapé o
seguinte aresto:
"Testamento - Instrumento particular - Oitiva de duas testemunhas do
ato, já que falecidas as outras três - Hipótese em que aquelas
comprovaram a autenticidade do documento - Testemunhas falecidas,
ademais, que sobreviveram à testadora - Eficácia reconhecida. - O rigor
de interpretação dos preceitos relativos à confirmação do testamento
particular não se justifica. Cumpre ao intérprete atentar para a
finalidade da exigência legal, admitindo a eficácia do ato toda vez que
a sua autenticidade possa confirmar-se por outros meios probatórios e
não seja estorvada por outro princípio de direito. No caso, as duas
testemunhas ouvidas comprovaram a autenticidade do documento
efetivamente e externando a última vontade da autora da herança, tendo
ela mesmo datilografado o testamento. De outra parte, as testemunhas
falecidas sobreviveram à testadora, e todas as assinaturas lançadas
tiveram as respectivas firmas reconhecidas" (RT, 69: 106)" (op. cit.,
volume XXI: Do Direito das Sucessões: arts. 1.784 a 2.027. Rio de
Janeiro: Forense, 2003, p. 393).
A jurisprudência flexibilizava a norma relativa à confirmação, em favor
do cumprimento da última vontade do autor da herança, quando possível
aferir-se a autenticidade do documento, mesmo sob a vigência do antigo
Código Civil.
Interpretação mais flexível não ofende a intenção do legislador de
evitar fraudes. Inclusive, ela é fruto de tendência que se materializou
na lei que instituiu o novo Código Civil, que passou a vigorar em
11.01.2003. Observa-se que, em sua seção destinada a disciplinar as
regras do testamento particular, é exigido o mínimo de três testemunhas
(art. 1.876, SSSS 1º e 2º), e não as cinco contidas no texto do Código
Civil de 1916, sendo necessário para a confirmação do testamento
particular o reconhecimento dele por apenas uma delas.
Verifica-se, portanto, que o objetivo da lei é evitar fraude. Se a
própria lei mais nova considera que a inquirição de uma testemunha é
bastante para atender a tal propósito, a confirmação do testamento,
instituto de natureza eminentemente processual, deve orientar-se no
sentido da lei nova, como critério de interpretação legal, porque
prevista em lei, e legítima, porque atende aos propósitos da lei.
Saliente-se que o art. 1.879 do novo Código Civil prevê possibilidade de
o juiz confirmar, a seu critério, testamento particular de próprio
punho, mesmo ausente de testemunhas, considerando circunstâncias
excepcionais.
A jurisprudência é assente no sentido de que "não se deve alimentar a
superstição do formalismo obsoleto, que prejudica mais do que ajuda",
conforme asseverou o Min. Gueiros Leite (STJ, in RT, 673/168).
Theotônio Negrão anotou:
"O juiz somente negará registro ao testamento se ele padecer de vício
externo; eventuais defeitos quanto à formação e manifestação de vontade
do testador deverão ser apreciados ou no inventário ou em ação de
anulação (JTJ, 157/197)" (in CPC e Legislação Processual em Vigor. 33.
ed., p. 966).
A confirmação do testamento pode depender do reconhecimento de apenas
uma testemunha, se as outras já houverem falecido, e até mesmo de
nenhuma, em circunstâncias especiais e se de próprio punho (arts. 1.878,
parágrafo único, e 1.879 do Código Civil de 2002).
Reconhecido pela testemunha ouvida à f. 279, impõe-se a confirmação do
testamento, com seu conseqüente registro e determinação de seu
cumprimento.
Pelas razões acima, também nego provimento ao recurso para confirmar a
r. sentença de primeiro grau.
Súmula - NEGARAM PROVIMENTO. |