Testamento particular - Requisitos - Dispositivo legal aplicável à data do óbito - Não-caracterização

 

JURISPRUDÊNCIA CÍVEL

TESTAMENTO PARTICULAR - CONFIRMAÇÃO - IMPOSSIBILIDADE - AUSÊNCIA DE REQUISITOS - ART. 1.645 DO CÓDIGO CIVIL/1916


Ementa: Testamento particular. Requisitos. Dispositivo legal aplicável à data do óbito. Não-caracterização.

- É destituído da natureza de testamento particular o documento a que faltam os requisitos do art. 1.645 do Código Civil de 1916, vigente à época do óbito da pretensa testadora, notadamente o de sua leitura em voz alta para as testemunhas pela testadora, ou que contém expressões não compatíveis com a revogabilidade do testamento, como a realização do ato de forma irretratável e irrevogável.

Apelação Cível ndeg. 1.0672.01.070969-5/001 - Comarca de Sete Lagoas - Apelante: Espólio de Lyra Fernandino Henriques, representado pelo inventariante Ivaldo Fernandino - Apelado: Marcelo Veríssimo da Silva - Relator: Des. Fernando Bráulio

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, em dar provimento ao recurso.

Belo Horizonte, 19 de abril de 2007. - Fernando Bráulio - Relator.

N O T A S  T A Q U I G R Á F I C A S

Proferiu sustentação oral, pelo apelante, o Dr. Matheus Bonaccorsi Fernandino.

DES. FERNANDO BRÁULIO - Senhor Presidente. Ouvi, com atenção, a sustentação oral feita pelo Dr. Matheus Bonaccorsi Fernandino em defesa do apelante. Tenho voto escrito e passo à sua leitura.

Conheço do recurso, próprio, tempestivo, regularmente preparado.

Trata-se de confirmação de testamento particular, que teria sido feito em favor do ora apelado, impugnado pelo irmão da pretensa testadora Lyra Fernandino Henriques, que faleceu no dia 1º de julho de 2001.

À data do óbito, estava em vigor o Código Civil de 1916, que, em seu art. 1.645, dispõe:

"Art. 1.645. São requisitos essenciais do testamento particular:

I - que seja escrito e assinado pelo testador;

II - que nele intervenham cinco testemunhas, além do testador;

III - que seja lido perante as testemunhas, e, depois de lido, por elas assinado".

Em consonância com o dispositivo, J.M. de Carvalho Santos dá a seguinte definição do testamento particular:

"Testamento particular, hológrafo, aberto, privado, ou de próprio punho é aquele escrito e assinado pelo próprio testador, que o lê perante cinco testemunhas, que o subscrevem e o confirmam, depois da morte do testador".

Saliente-se que, por definição, o testamento particular deveria ser escrito de próprio punho pelo testador.

"A escrita à máquina, entretanto, não corresponderia ao requisito de holografia, tendo-se, pois, como escrito por estranho o testamento feito por esse modo" (Código Civil brasileiro interpretado. Ed. Freitas Bastos, v. 23, p. 154 e 158).

O documento de f. 15 do v. 1 não se reveste dos requisitos de testamento, nem dos de doação inter vivos.

Das testemunhas que o assinaram, nenhuma presenciou Dona Lyra Fernandino Henriques assinar o documento:

Warley Ribeiro da Silva:

"... que o depoente assinou o documento numa mesa na casa da própria Dona Lyra, no momento em que visitava Marcelo, por ser amigo dele, Marcelo; que não havia mais ninguém, a não ser ele depoente, Dona Lyra e Marcelo; que Dona Lyra já havia assinado o documento juntamente com mais pessoas" (f. 127).

Edméia Mortimer Morais:

"... que, certa vez, assinou um documento a pedido de Dona Lyra, através do qual esta doava uma casa para Marcelo; que, na ocasião, Dona Lyra leu o documento em voz alta para ela depoente e seu marido Lúcio César Rodrigues de Morais; que Dona Lyra era uma pessoa culta, e ao que parece teria sido diretora de Escola de Sete Lagoas (...); que a assinatura do documento por parte da depoente foi durante um almoço na casa de Dona Lyra; que acredita que seu marido tenha sido convidado por Marcelo para o almoço, e a depoente acompanhou seu marido..." (f. 129).

Sérgio Luiz Pontelo:

"... que o depoente assinou o documento numa das vezes em que foi buscar jabuticaba na casa de Dona Lyra, como fazia anualmente; que o depoente não tem conhecimento de quem produziu o documento de f. 15; que, no instante em que assinou o documento a chamado de Dona Lyra, o depoente teve que ir até o quarto da mesma, pois se encontrava ela acamada, embora estivesse bastante lúcida; que o depoente não se recorda de quem o chamou para assinar o documento; que no quarto havia outra pessoa, mas o depoente não se lembra quem, devido ao tempo já passado; que o depoente tem o segundo grau incompleto; que, em virtude de ter lido o documento muito rápido, não deu para perceber se o mesmo continha erros de português..." (f. 131).

Lúcio César Rodrigues de Morais:

"... que o depoente passou a conhecer Dona Lyra através de um contato com Marcelo; que o ajudou na construção de uma casa em Sete Lagoas; que, durante aproximadamente cinco anos, teve um contato superficial com Dona Lyra, esta lhe pareceu uma pessoa culta, embora demonstrasse certa dose de esclerose; que Dona Lyra sempre dizia que iria deixar a sua casa para Marcelo, uma vez que ele, Marcelo, anteriormente cuidara do marido dela e, posteriormente, passou a cuidar dela..." (f. 133).

Vinicius de Freitas Campelo:

"... que conheceu Dona Lyra Fernandino Henriques e com ela tinha relacionamento de vizinhança, mesmo porque o depoente usava gratuitamente a garagem da casa de Dona Lyra; que Sete Lagoas inteira tem conhecimento de que Lyra Fernandino Henriques, Dona Lyra, que sempre chamou o depoente por 'Zezinho', por ser o depoente filho de José Campelo, pediu-lhe que assinasse um testamento, sob alegação de que Marcelo havia cuidado dela; entretanto, Dona Lyra não leu o testamento para o depoente, e muito menos o depoente leu para Dona Lyra o testamento em voz alta, limitando-se a fazer uma leitura silenciosa..." (f. 135).

Como se vê, cada testemunha tomou ciência do testamento isoladamente e em circunstâncias diversas: quando foi o casal, a convite de Marcelo, amigo do varão, a um almoço em casa de Dona Lyra; quando foi guardar o veículo na garagem de Dona Lyra; quando um deles foi à casa dela buscar jabuticaba, ocasião em que estava acamada Dona Lyra, que, inclusive, pareceu a uma das testemunhas um tanto esclerosada (f. 133).

Ora, segundo Washington de Barros Monteiro,

"... o testamento particular, também chamado testamento hológrafo (de holos, inteiro, e graphein, escrever), é o escrito e assinado pelo testador, lido perante cinco testemunhas idôneas que também o assinarão. Seus requisitos acham-se enumerados no art. 1.645 do Código Civil: I) que seja escrito e assinado pelo testador; II) que nele intervenham cinco testemunhas, além do testador; III) que seja lido perante as testemunhas, e, depois de lido, por elas assinado. A lei não proíbe, ao contrário, é válido testamento particular datilografado; mas, pelo novo anteprojeto, o testamento hológrafo deve ser de próprio punho (art. 822)" (Curso de direito civil. São Paulo: Saraiva, 1996, v. 6, p. 114).

O documento juntado à guisa de testamento particular não se caracteriza como tal, por lhe faltarem requisitos indispensáveis para o ato solene do testamento, ou de disposição de última vontade.

Não contém a expressão testamento em todo o seu teor. A sua redação não é de uma pessoa culta, como as testemunhas informaram que seria a testadora.

De seus termos não se infere tratar-se de disposição para valer após a morte da declarante, mas afastam essa interpretação. Com efeito, o testamento é ato eminentemente revogável. Daí que, ao constar que a transferência de bens seria feita "em caráter irrevogável e irretratável", nega-se a sua natureza de testamento, sempre revogável e retratável.

Nem pode valer como simples doação inter vivos, que depende de escritura pública, exatamente por ser ato bilateral, dependente do assentimento expresso do beneficiário.

Isso posto, dou provimento ao recurso para, reformando a r. sentença recorrida, julgar improcedente a pretendida confirmação do testamento, ou procedente a impugnação formulada contra o mesmo, condenando o apelado ao pagamento das custas processuais e honorários de advogado, que fixo em R$ 1.500,00.

DES. SILAS VIEIRA - Senhor Presidente, eminentes Pares.

Ouvi, com a devida atenção, a sustentação oral produzida na tribuna pelo ilustre advogado.

Saliento que todo o conteúdo probatório dos autos nos leva, sim, à conclusão de que o documento de f. 15 dos autos, no caso a certidão firmada por Lyra Fernandino Henriques, reflete a sua vontade, qual seja contemplar Marcelo Veríssimo da Silva com o patrimônio disponível, na medida em que, transcendendo a condição de mero serviçal, referida pessoa foi a responsável pelos cuidados com a testadora até o seu falecimento, inclusive foi ela quem providenciou a certidão de f. 15. Dessa forma, nada acrescento ao voto do eminente Relator, senão acompanhá-lo.

DES. EDGARD PENNA AMORIM - Senhor Presidente. Registro, inicialmente, ter atentado às palavras do ilustre orador, de que recebi também alentado memorial.

Nada tendo a acrescentar ao judicioso voto do em. Relator, peço licença a S. Ex.ª para acompanhá-lo, in totum, dando provimento ao recurso.

Súmula - DERAM PROVIMENTO AO RECURSO.

 

Fonte: Jornal "Minas Gerais" - 10/07/2007

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