AÇÃO DISCRIMINATÓRIA -
TERRENO - TRANSCRIÇÃO NO REGISTRO DE IMÓVEIS - AUSÊNCIA - TERRAS
DEVOLUTAS - DOMÍNIO PÚBLICO - PRESUNÇÃO JURIS TANTUM - INEXISTÊNCIA -
ESTADO - ÔNUS DA PROVA
- Na ação discriminatória, cabe ao ente público provar a devolutividade
das terras que questiona. Simples falta de transcrição no registro de
imóveis, desde a sua origem, não gera a presunção juris tantum de que as
terras são devolutas e de domínio público.
Apelação Cível nº 311.668-8/00 - Comarca de Januária - Relator: Des.
Dorival Guimarães Pereira
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a Quinta Câmara Cível do Tribunal de
Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de
fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas,
à unanimidade de votos, em confirmar a sentença, no reexame necessário,
prejudicado o recurso voluntário.
Belo Horizonte, 20 de março de 2003. - Dorival Guimarães Pereira -
Relator.
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
O Sr. Des. Dorival Guimarães Pereira - Cuida-se de ação discriminatória
de terras devolutas estaduais ajuizada pelo Estado de Minas Gerais, em
face de José de Paula Silva e sua mulher, sob o argumento de que uma
parte das terras situadas na Fazenda Mamede, dentro dos limites
inscritos no memorial descritivo que instrui a inicial, é composta de
terras devolutas, que lhe pertencem, por força do que dispõe o art. 26,
IV, da Constituição da República, pelo que devem ser declaradas
públicas.
Ao deslinde da sentença de fls. 139/142-TJ, sujeita ao duplo grau de
jurisdição, houve o digno Magistrado de origem por julgar improcedente a
ação, sob o fundamento de que "no presente caso o laudo pericial é
conclusivo no sentido de que a área discriminanda encontra-se registrada
no Cartório de Registro de Imóveis em nome dos contestantes desde 1930,
quando foi julgada a divisão da Fazenda Mamede, e que a referida fazenda
é composta de vários títulos de domínio, todos anteriores ao processo de
divisão, que se encontram arquivados no volume 01 do processo, de forma,
que a conclusão lógica é que diversamente do que sustenta o autor, as
terras que se pretende discriminar não são do domínio público, até
porque, a falta de cadeia dominial regular não gera a presunção de
devolutividade em favor do estado" (litteris, fls. 141-TJ).
Inconformado, apela o autor, alegando, em síntese, que as conclusões
trazidas pelo laudo do ilustre perito oficial confirmaram, à saciedade,
que as terras discriminadas são devolutas, posto que não encontrou
qualquer indício a respeito de sua origem, e, se não houve legítima
transferência do domínio público para o particular, há que se concluir
serem elas do domínio público, tudo consoante as argumentações
desenvolvidas nas razões de fls. 145/150-TJ.
Conheço da remessa necessária, bem como do recurso voluntário, por
atendidos os pressupostos que regem suas admissibilidades.
Argumenta o apelante que a mencionada Fazenda Mamede não se encontra
registrada desde sua origem no Cartório de Registro de Imóveis, razão
pela qual a outra conclusão não se é autorizado a chegar senão à de que
as terras são mesmo de origem devoluta.
No entanto, nossos tribunais têm reiteradamente afastado a presunção
juris tantum de devolutividade das terras em casos análogos a este,
impondo ao Estado o ônus de fazer prova do que alega, de tal sorte que a
simples falta de registro de títulos de propriedade, no Registro
Imobiliário, desde sua origem, não leva à conclusão de que todo e
qualquer terreno, não registrado, seja terra devoluta, muito menos que
seja de domínio público.
Com efeito, desde há muito o Sumo Pretório já havia afastado a presunção
relativa em favor do Estado, em se tratando de devolutividade de terras,
como se constata do aresto adiante colacionado:
"Usucapião. Alegação de Estado-membro de que cabe ao usucapiente o ônus
da prova de que a gleba em causa não é terra devoluta, não bastando,
para comprová-lo, o depoimento de testemunhas e a existência de
indícios. - Inexiste em favor do Estado a presunção iuris tantum que ele
pretende extrair do art. 3º da Lei 601, de 18 de setembro de 1850. Esse
texto legal definiu, por exclusão, as terras públicas que deveriam ser
consideradas devolutas, o que é diferente de declarar que toda gleba que
não seja particular é pública, havendo presunção iuris tantum de que as
terras são públicas. Cabia, pois, ao Estado o ônus da prova de que, no
caso, se tratava de terreno devoluto" (RE nº 86.234/MG, Rel. Min.
Moreira Alves, j. em 31.12.76).
Por seu turno, o colendo Superior Tribunal de Justiça exarou o seguinte
julgado, corroborando-se a insuficiência de presunção juris tantum para
fins de reconhecimento de terras como públicas, verbis:
"Ação discriminatória. Caráter devoluto das terras. Ônus da prova.
Recurso especial interposto pela letra 'c' do admissor constitucional.
- Dissídio pretoriano não aperfeiçoado, visto cingir-se o recorrente à
transcrição de fundamento constante de voto, e não de acórdão.
- Questão, ademais, superada pela jurisprudência da c. Suprema Corte,
que passou a atribuir ao Estado, conforme o caso, o ônus de comprovar
tratar- se de terreno devoluto. Recurso especial não conhecido" (4ª T.,
REsp nº 164.029/MG, Rel. Min. Barros Monteiro, j. em 25.10.99, "DJ" de
17.12.99).
Neste eg. Tribunal de Justiça, no mesmo sentido, arrima-se o
entendimento jurisprudencial:
"Ação discriminatória - Terras devolutas - Proprietários e posseiros
conhecidos. - Terreno que já foi objeto de divisão e demarcação
judicial, que tem posseiros conhecidos e titulares de domínio, com
títulos registrados no Registro Imobiliário, não é terra devoluta, nem
pode ser objeto de ação discriminatória" (1ª CC, Apelação Cível nº
243.122-9, Rel. Des. Francisco Lopes de Albuquerque, j. em 13.8.02).
"Ação discriminatória. Terras devolutas. Ônus da prova. Estado. - Em
ação discriminatória, ao Estado cumpre provar a afirmação de que as
terras são devolutas, uma vez que a falta de transcrição do imóvel no
registro não gera presunção juris tantum de que toda área que não seja
particular é pública. No reexame necessário, confirma-se a sentença,
prejudicado o recurso voluntário" (4ª CC, Apelação Cível nº 242.234-3,
Rel. Des. Almeida Melo, j. em 23.5.02).
"Ação discriminatória - Terras devolutas - Ônus da prova. - Não basta
que o Estado alegue a devolutividade das terras que pretende
discriminar, é indispensável que faça prova do alegado" (2ª CC, Apelação
Cível nº 219.107-0, Rel. Des. Francisco Figueiredo, j. em 27.11.01).
Ainda que a área discriminada nestes autos não estivesse devidamente
registrada no Registro de Imóveis, desde a origem, embora esteja em nome
dos réus desde 1930, não seria, somente por este fato, considerada
devoluta, persistindo o ônus estatal de demonstrar tal condição.
Conforme bem observou o digno Magistrado sentenciante, o autor não
produziu qualquer tipo de prova de irregularidade do título transcrito.
Com tais considerações, em reexame necessário, confirmo, integralmente,
a sentença monocrática, por seus próprios e jurídicos fundamentos,
prejudicado o recurso voluntário.
Custas recursais, ex lege.
A Srª. Desª. Maria Elza - De acordo.
O Sr. Des. Cláudio Costa - De acordo.
Súmula - CONFIRMARAM A SENTENÇA, NO REEXAME NECESSÁRIO, PREJUDICADO O
RECURSO VOLUNTÁRIO. |