Tabeliã é mantida à frente da serventia de Notas do Município de Dois Irmãos/RS

Em 28.09.10, o Espaço Vital noticiou a tentativa da tabeliã de Notas do Município gaúcho de Dois Irmãos - Nícia Chiarello Cochlar – de reverter no STF ato do corregedor do CNJ que declarou vago aquele cartório.

O CNJ emitiu resolução que declarou milhares de cartórios em todo o país em razão de suposta ausência de concurso público. O Conselho vem julgando recursos administrativos mas não os admitindo em razão de inexistência de previsão legal no regimento interno, o que motivou a impetração de mandado de segurança pela tabeliã.

O processo foi distribuído ao ministro Ayres Britto, que concedeu liminar “para suspender os efeitos da decisão do Corregedor Nacional de Justiça que incluiu o Serviço Notorial de Cochlar, Comarca de Dois Irmãos-RS na lista definitiva de vacâncias.”

O relator registrou ter recebido, desde o ano de 2009, outros mandados de segurança cuja matéria de fundo é a mesma discutida pela tabeliã de Dois Irmãos, tendo deferido algumas liminares – acompanhando uma tendência da corte – e depois, mais recentemente, indeferido outras, tendo em vista “novas questões trazidas pelo ato do Corregedor Nacional de Justiça”.

Diante desses fatos, Ayres Britto concluiu “que é hora de aplicar um freio de arrumação no equacionamento jurídico da matéria”, analisando o pedido “num juízo delibatório em que se mesclam num mesmo tom a urgência da decisão e a impossibilidade de aprofundamento analítico do caso.”

Para o ministro, a situação da tabeliã gaúcha preenche os requisitos para a concessão de liminar: “É que me impressiona o fato de a declaração de vacância do cartório ocorrer depois de passados dezessete anos da investidura da impetrante. Fato que está a exigir, penso, uma análise jurídica mais detida. É que o exercício da delegação a título permanente por um lapso prolongado de tempo confere um tônus de estabilidade ao ato sindicado pelo CNJ, ensejando questionamento acerca da incidência dos princípios da segurança jurídica e da lealdade (que outros designam por proteção da confiança dos administrados).”

A decisão refere que Nícia Chiarello Cochlar passou a exercer a titularidade da serventia “a partir da decisão formal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul”, devendo ser observados o direito à segurança jurídica, o princípio da dignidade da pessoa humana e a moralidade administrativa.

Argumentou o relator que “em situações que tais, é até intuitivo que a manifestação do Conselho Nacional de Justiça há de se formalizar em tempo que não desborde das pautas elementares da razoabilidade.”

Por isso, o ministro Ayres Britto – esclarecendo não estar configurada, em juízo provisório , má-fé da impetrante – entendeu ser necessário “preservar o quadro fático-jurídico até o julgamento do mérito deste mandado de segurança.”

Também ficou afastada, pela decisão, a limitação da remuneração da autora ao teto constitucional dos servidores públicos, porque a impetrante “pelo menos até o julgamento do mérito deste mandado de segurança, detém a condição de efetiva, e não de interina.”

Entenda o caso

Nícia diz ter sido aprovada em primeiro lugar em concurso público para provimento de serventias extrajudiciais vagas, no ano 1987, sendo nomeada para o cargo de tabeliã de Guarani das Missões (RS) e depois removida ao Tabelionato de Notas de Dois Irmãos - por requerimento motivado por edital de vacância e após processo administrativo -, onde se encontra desde o ano de 1993.

A tabeliã expressa ter se surpreendido com a notícia de que o cartório estaria irregular - no entendimento do CNJ, por não haver sido provido por concurso público.

A impetrante alega ter se operado a decadência e ter efetivamente sido alçada ao cargo após concurso público realizado pelo TJRS, em conformidade com o que rezava a lei.

Ela ainda sustenta ter sido alvo de cerceamento de defesa e do contraditório e de decisão imotivada, nos autos do processo administrativo no qual foi proferida a decisão atacada, e que a ação do CNJ é uma "intervenção branca" no Estado do RS.

Além disso, a tabeliã defende que mesmo com eventual declaração de inconstitucionalidade da legislação estadual - anulando a remoção para o cartório de Dois Irmãos -, a sua presença à frente do tabelionato deverá ser preservada, por força do princípio da segurança jurídica.

Nícia ataca também a limitação imposta à sua remuneração, pois esta só se dirige a titulares de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, e não a agentes delegados, como a tabeliã.

Por isso, a petição inicial pedia liminar para que fosse suspensa a eficácia da determinação do CNJ, tanto com relação à declaração de vacância como ao teto remuneratório, concedendo-se a ordem, ao final, para anular o ato do Corregedor do Conselho.

Atuam em nome da impetrante os advogados Wellington Pacheco Barros, Wellington Gabriel Z. Barros e Tiago Gubiani. (MS nº 29211).

ÍNTEGRA DA DECISÃO


DECISÃO: vistos, etc.

Trata-se de mandado de segurança, aparelhado com pedido de medida liminar, impetrado por Nicia Chiarello Cochlar contra ato do Conselho Nacional de Justiça. Ato consubstanciado em decisão do Corregedor Nacional de Justiça, datada de 09 de julho de 2010.

2. Argui a autora que o Conselho Nacional de Justiça, em 21 de janeiro de 2010 e nos termos do art. 2º da Resolução CNJ 80/2009, declarou a vacância da serventia extrajudicial de que é titular (Serviço Notorial de Cochlar, Comarca de Dois Irmãos-RS), sob o fundamento de que houve remoção irregular, inclusive remoção por simples prova de título entre 05/10/1988 e 08/07/2002, ou remoção por permuta . Declaração que a impetrante impugnou, de acordo com o parágrafo único do art. 2º da mencionada resolução. Impugnação, porém, que foi desprovida.

3. Sustenta a impetrante violação a seu direito líquido e certo. É que o ato de sua investidura no Serviço Notorial de Cochlar, Comarca de Dois Irmãos-RS (remoção a pedido, após ingresso, mediante concurso público, como Tabeliã na Comarca de Guarani das Missões-RS) não seria passível de anulação dezessete anos depois, quando já consumada a decadência de que trata o art. 54 da Lei 9.784/99. Isso em respeito aos princípios constitucionais da segurança jurídica e da legalidade. Ademais, a remoção realizada estava autorizada pela Lei Estadual 7.356/1980 (Código de Organização Judiciária do Estado do Rio Grande do Sul) e não ofendeu o art. 236 da Constituição Federal. Por fim, o ato coator determinou o depósito da renda da serventia em conta do Estado e proibiu a contratação de novos prepostos e aumento de salários, o que infringiria o caráter privado do exercício dos serviços notariais e de registro. Daí requerer a concessão de liminar para suspender os efeitos do ato impugnado.

4. Pois bem, antes de apreciar o pedido de medida liminar, solicitei informações à autoridade apontada como coatora. Informações que foram prestadas mediante a petição 54.802/2010.

5. feito esse aligeirado relato da causa, passo à decisão. fazendo-o, pontuo, de saída, que, desde 2009, tenho recebido mandados de segurança cuja matéria de fundo é a mesma destes autos. inicialmente, quando nem se questionava a resolução cnj 80/2009 e a lista definitiva de vacâncias, deferi algumas liminares, acompanhando a tendência que se apresentava entre os ministros desta corte (mss 28.426, 28.265, 28.266, 28.283, 28.439 e 28.440). mais recentemente, no entanto, e diante de novas questões trazidas pelo ato do corregedor nacional de justiça (alegada má-fé dos impetrantes, submissão ao teto de remuneração dos servidores públicos, etc), cheguei a indeferir medidas cautelares (mss 28.815, 28.955, 28.957 e 28.959). penso que é hora de aplicar um freio de arrumação no equacionamento jurídico da matéria. pelo que analiso o pedido de medida liminar, agora já mais a par de todo o quadro fático-jurídico relacionado com estas decisões do conselho nacional de justiça. não sem antes afirmar que o poder de cautela dos magistrados é exercido num juízo delibatório em que se mesclam num mesmo tom a urgência da decisão e a impossibilidade de aprofundamento analítico do caso. se se prefere, impõe-se aos magistrados condicionar seus provimentos acautelatórios à presença, nos autos, dos requisitos da plausibilidade jurídica do pedido (fumus boni juris) e do perigo da demora na prestação jurisdicional ( periculum in mora) , perceptíveis de plano. requisitos a ser aferidos primo oculi , portanto. não sendo de se exigir, do julgador, uma aprofundada incursão no mérito do pedido ou na dissecação dos fatos que a este dão suporte, senão incorrendo em antecipação do próprio conteúdo da decisão definitiva
.
6. No caso, tenho por presentes os requisitos para a concessão da liminar. É que me impressiona o fato de a declaração de vacância do cartório ocorrer depois de passados dezessete anos da investidura da impetrante. Fato que está a exigir, penso, uma análise jurídica mais detida. É que o exercício da delegação a título permanente por um lapso prolongado de tempo confere um tônus de estabilidade ao ato sindicado pelo CNJ, ensejando questionamento acerca da incidência dos princípios da segurança jurídica e da lealdade (que outros designam por proteção da confiança dos administrados).

7. A partir da decisão formal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, a impetrante passou a exercer a titularidade (portanto, a título permanente) da serventia. E o fez ao longo de dezessete anos. Entretanto, após esse período, o Conselho Nacional de Justiça declarou a vacância da serventia extrajudicial, ao fundamento do não preenchimento dos requisitos constitucionais e legais para a delegação.

8. Pois bem, considerando o status constitucional do direito à segurança jurídica (art. 5º, caput ),
projeção objetiva do princípio da dignidade da pessoa humana (inciso III do art. 1º) e elemento conceitual do Estado de Direito, tanto quanto levando em linha de consideração a lealdade como um dos conteúdos do princípio da moralidade administrativa ( caput do art. 37), faz-se imperioso o reconhecimento de certas situações jurídicas subjetivas ante o Poder Público. Mormente quando tais situações se formalizam por ato de qualquer das instâncias administrativas desse Poder.

9. Em situações que tais, é até intuitivo que a manifestação do Conselho Nacional de Justiça há de se formalizar em tempo que não desborde das pautas elementares da razoabilidade. Todo o Direito Positivo é permeado por essa preocupação com o tempo enquanto figura jurídica, para que sua prolongada passagem em aberto não opere como fator de séria instabilidade inter-subjetiva ou mesmo intergrupal. Quero dizer: a definição jurídica das relações interpessoais ou mesmo coletivas não pode se perder no infinito. Não pode descambar para o temporalmente infindável, e a própria Constituição de 1988 dá conta de institutos que têm no perfazimento de um certo lapso temporal a sua própria razão de ser. É o caso dos institutos da prescrição e da decadência, a marcar presença em dispositivos como o inciso XXIX do art. 7º, o § 5º do art. 37, o § 5º do art. 53 e a alínea b do inciso III do art. 146.

10. Em casos similares a este, e em reverência ao princípio constitucional da segurança jurídica, os ministros deste Supremo Tribunal Federal têm deferido medidas cautelares. Confira-se: MS 28.155, Rel. Min. Marco Aurélio; MS 28.492, Rel. Min. Eros Grau; MS 28.059, Rel. Min. Cezar Peluso; MS 28.060, Rel. Min. Celso de Mello e MS 29.164, Rel. Min. Dias Toffoli.

11. Sendo assim, e entendendo não estar configurada, neste juízo provisório , má-fé da impetrante, tenho que é de se preservar o quadro fático-jurídico até o julgamento do mérito deste mandado de segurança. Com o que também se afasta a limitação da remuneração da autora ao teto constitucional dos servidores públicos (inciso XI do art. 37 da CF). Isso porque a impetrante, pelo menos até o julgamento do mérito deste mandado de segurança, detém a condição de efetiva, e não de interina. Não sem antes advertir, assim como fez o Ministro Joaquim Barbosa no MS 28.453-MC, que a medida liminar que ora se concede não pode ser interpretada de modo a estabilizar quaisquer expectativas ou a consolidar situações fáticas ou jurídicas .

12. Ante o exposto, defiro a liminar para suspender os efeitos da decisão do Corregedor Nacional de Justiça que incluiu o Serviço Notorial de Cochlar, Comarca de Dois Irmãos-RS na lista definitiva de vacâncias. O que faço sem prejuízo de ua mais detida análise quando do julgamento do mérito.

13. Dê-se vista dos autos ao Procurador-Geral da República.

COMUNIQUE-SE AO CNJ E AO TJ/RS.

INTIME-SE.

PUBLIQUE-SE.

BRASÍLIA, 19 DE OUTUBRO DE 2010.

MINISTRO AYRES BRITTO
Relator


Fonte: Site do Espaço Vital - 29/10/2010.

Nota de responsabilidade

As informações aqui veiculadas têm intuito meramente informativo e reportam-se às fontes indicadas. A SERJUS não assume qualquer responsabilidade pelo teor do que aqui é veiculado. Qualquer dúvida, o consulente deverá consultar as fontes indicadas.