Foi iniciado, pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), julgamento de
uma Ação Rescisória* (AR 1811) na qual se pretende anular decisão da
Primeira Turma da Corte que negou o direito de herança para filha adotiva. A
análise da matéria foi interrompida por um pedido de vista do ministro
Gilmar Mendes.
Conforme decisão da Primeira Turma, questionada na ação, a sucessão se
regula por lei vigente à data de sua abertura. Tendo em vista que, no caso,
a sucessão ocorreu antes da Constituição Federal de 1988, não seria aplicada
norma do artigo 227, parágrafo 6º da CF**, que eliminou a distinção – até
então estabelecida pelo Código Civil de 1916 (artigo 1605 e parágrafo 2º) –
entre filhos legítimos e filhos adotivos para esse efeito.
À época, os recorrentes alegavam ofensa ao artigo 5º, inciso XXXVI, da CF,
que estabelece que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico
perfeito e a coisa julgada. Sustentavam, em síntese, que o óbito da adotante
ocorreu anteriormente à promulgação da Constituição de 1988, razão pela qual
os bens foram imediatamente transferidos aos herdeiros e sucessores de
acordo com a Constituição e lei vigentes na época, que não contemplavam
direito do adotado à sucessão hereditária.
No entanto, na ação rescisória a autora argumenta que na ocasião do
falecimento de sua mãe adotiva, em 25 de novembro de 1980, estava em vigor o
artigo 51, da Lei 6.515/77 [que alterou o artigo 2º da Lei 883/49], segundo
o qual qualquer que fosse a natureza da filiação, o direito de herança seria
reconhecido em igualdade de condições. A autora visa o seu reconhecimento
como herdeira legítima e universal dos bens pertencentes ao patrimônio de
sua mãe adotiva, ressaltando que a CF/88 reforçou o artigo 51, da Lei
6.515/77, de que os filhos devem ser tratados com isonomia, “proibindo-se
quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”.
Julgamento
Inicialmente, o ministro Eros Grau (relator) afastou preliminar no sentido
de que a ofensa ao artigo 51 não teria sido objeto de discussão na decisão
contestada. “A jurisprudência da Corte é firme no sentido de que o requisito
de pré-questionamento não se aplica à ação rescisória”, analisou.
Já no julgamento do mérito da ação, o relator adotou o parecer da
Procuradoria-Geral da República (PGR) que, ao opinar pela improcedência da
ação, considerou que o artigo 51, da Lei 6.515/77, não tem como destinatário
o filho adotivo. Segundo o ministro Eros Grau, a Lei 883/49 disciplina o
reconhecimento de filhos ilegítimos, restringindo a sua aplicação aos filhos
biológicos.
“Por isso, o artigo 377 do Código Civil de 1916, na redação dada pela Lei
3.133/57, não foi revogado tacitamente pelo artigo 51, da Lei 6.515/77”,
disse o ministro. O artigo 377 dispõe que “quando o adotante tiver filhos
legítimos, legitimados, ou reconhecidos, a relação de adoção não envolve a
de sua sucessão hereditária”. Grau foi seguido pelo ministro Dias Toffoli.
Por outro lado, o ministro Cezar Peluso se manifestou pela procedência da
ação. De acordo com ele, todas as normas, inclusive as do Código Civil de
1916, que distinguiram as categorias de filhos são inconstitucionais porque
violaram o princípio da igualdade.
“Para mim, o artigo 227, parágrafo único, da Constituição de 88, apenas
explicitou uma regra que já estava no sistema constitucional, ou seja, a
inadmissibilidade de estabelecer distinções para qualquer efeito entre
classes ou qualidades de filho”, destacou Peluso. “Perante um princípio
constitucional velhíssimo nosso, da isonomia, ou é filho e tem todos os
direitos ou não é filho”, completou. Do mesmo modo votou o ministro Ayres
Britto. A votação, até o momento, está empatada (2x2).
EC/CG
* A ação rescisória é aquela em que se pede a anulação de uma sentença
transitada em julgado (de que não cabe mais recurso) considerada ilegal.
Cabe ação rescisória contra decisão do Plenário, das Turmas e do presidente
do STF.
** Artigo 227, parágrafo 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do
casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações,
proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
Processos relacionados
AR 1811 |