Comprovada a existência de união afetiva entre
pessoas do mesmo sexo, é de se reconhecer o direito do companheiro
sobrevivente de receber benefícios previdenciários decorrentes do plano de
previdência privada no qual o falecido era participante, com os idênticos
efeitos operados pela união estável. A decisão inédita – até então tal
benefício só era concedido dentro do Regime Geral da Previdência Social – é
da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, em processo relatado pela
ministra Nancy Andrighi.
Por maioria, a Turma reformou acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de
Janeiro que isentou a Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do
Brasil (Previ) do pagamento de pensão post mortem ao autor da ação,
decorrente do falecimento de seu companheiro, participante do plano de
previdência privada complementar mantido pelo banco. Ambos conviveram em
união afetiva durante 15 anos, mas o TJRJ entendeu que a legislação que
regula o direito dos companheiros a alimentos e à sucessão (Lei n. 8.971/94)
não se aplica à relação entre parceiros do mesmo sexo.
Em minucioso voto de 14 páginas no qual abordou doutrinas, legislações e
princípios fundamentais, entre eles o da dignidade da pessoa humana, a
relatora ressaltou que a união afetiva constituída entre pessoas de mesmo
sexo não pode ser ignorada em uma sociedade com estruturas de convívio
familiar cada vez mais complexas, para se evitar que, por conta do
preconceito, sejam suprimidos direitos fundamentais das pessoas envolvidas.
Segundo a relatora, enquanto a lei civil permanecer inerte, as novas
estruturas de convívio que batem às portas dos tribunais devem ter sua
tutela jurisdicional prestada com base nas leis existentes e nos parâmetros
humanitários que norteiam não só o direito constitucional, mas a maioria dos
ordenamentos jurídicos existentes no mundo.
Para ela, diante da lacuna da lei que envolve o caso em questão, a aplicação
da analogia é perfeitamente aceitável para alavancar como entidade familiar
as uniões de afeto entre pessoas do mesmo sexo. “Se por força do artigo 16
da Lei n. 8.213/91, a necessária dependência econômica para a concessão da
pensão por morte entre companheiros de união estável é presumida, também o é
no caso de companheiros do mesmo sexo, diante do emprego da analogia que se
estabeleceu entre essas duas entidades familiares”, destacou a relatora.
Nessa linha de entendimento, aqueles que vivem em uniões de afeto com
pessoas do mesmo sexo estão enquadrados no rol dos dependentes preferenciais
dos segurados, no regime geral, bem como dos participantes, no regime
complementar de previdência, em igualdade de condições com todos os demais
beneficiários em situações análogas. Destacou, contudo, a ministra que o
presente julgado tem aplicação somente quanto à previdência privada
complementar, considerando a competência das Turmas que compõem a Segunda
Seção do STJ.
Nancy Andrighi ressaltou que o reconhecimento de tal relação como entidade
familiar deve ser precedida de demonstração inequívoca da presença dos
elementos essenciais à caracterização da união estável: “Demonstrada a
convivência, entre duas pessoas do mesmo sexo, pública, contínua e
duradoura, estabelecida com o objetivo de constituição de família, haverá,
por consequência, o reconhecimento de tal união como entidade familiar, com
a respectiva atribuição dos efeitos jurídicos dela advindos”.
Finalizando seu voto, a ministra reiterou que a defesa dos direitos deve
assentar em ideais de fraternidade e solidariedade e que o Poder Judiciário
não pode esquivar-se de ver e de dizer o novo, assim como já o fez, em
tempos idos, quando emprestou normatividade aos relacionamentos entre
pessoas não casadas, fazendo surgir, por consequência, o instituto da união
estável.
Entenda o caso
O autor requereu junto a Previ o pagamento de pensão post mortem decorrente
do falecimento de seu companheiro e participante do plano de assistência e
previdência privada complementar mantida pelo Banco do Brasil. Seguindo os
autos, os dois conviveram em alegada união estável durante 15 anos, de 1990
até a data do óbito, ocorrido em 7/4/2005.
O pedido foi negado pela Previ. A entidade sustentou que não há amparo legal
ou previsão em seu regulamento para beneficiar companheiro do mesmo sexo por
pensão por morte, de forma que “só haverá direito ao recebimento de pensão,
a partir do momento em que a lei reconheça a união estável entre pessoas do
mesmo sexo, do contrário, não há qualquer direito ao autor”. Alegou, ainda,
que o autor foi inscrito apenas como beneficiário do plano de pecúlio, o
qual lhe foi devidamente pago.
O autor buscou então a tutela de seu direito perante o Judiciário,
sustentando que a conduta da Previ é discriminatória e viola os princípios
da igualdade e da dignidade da pessoa humana. A ação foi julgada procedente
e a Previ condenada ao pagamento de todos os valores relativos ao
pensionamento desde a data do falecimento de seu companheiro.
Em grau de apelação, a sentença foi reformada pelo Tribunal de Justiça do
Rio de Janeiro que julgou o pedido improcedente por entender que as
disposições da Lei n. 8.971/94 não se aplicam à relação homossexual entre
dois homens, uma vez que a união estável tem por escopo a união entre
pessoas do sexo oposto e não indivíduos do mesmo sexo. O autor recorreu ao
STJ contra tal acórdão.
Coordenadoria de Editoria e Imprensa
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