Um nome é mais que um acessório ou uma simples denominação. É uma
característica da pessoa, um direito fundamental e um patrimônio de sua
vida. Mas, por diversos motivos, muitos não se sentem confortáveis com o
próprio nome ou sobrenome. Outras vezes, a pessoa quer apenas que seu
direito de usar o nome de seus ascendentes seja reconhecido. O Superior
Tribunal de Justiça (STJ) tem uma longa jurisprudência no tema, com diversos
julgados que inovaram essa área do Direito de Família.
Recentemente, o Congresso Nacional aprovou uma nova legislação proposta pelo
falecido deputado Clodovil Hernandez alterando a Lei de Registros Públicos
(n. 6.015, de 1973). Foi garantido a enteados o direito de, se quiserem,
adotar sobrenomes dos padrastos ou madrastas. Porém, mesmo antes dessa
regulamentação, o STJ já havia tomado uma decisão nesse sentido. Em 2007, a
Terceira Turma do Tribunal decidiu que a jovem N.B.F. poderia utilizar o
nome do casal que a criou desde a infância. O ministro Castro Filho, agora
aposentado, entendeu à época que não haveria dano legal com a incorporação
dos sobrenomes, desde que mantidos os outros apelidos de família.
Especialistas da área como a advogada Karime Costalunga, pesquisadora e
professora do Núcleo de Empresas Familiares da Escola de Direito de São
Paulo, dizem que o Judiciário tem se inclinado a proteger a chamada
"paternidade socioafetiva". Ou seja, reconhecer vínculos entre pais não
biológicos ou outros parentes e filhos que foram educados e criados por
eles.
Em outro julgado, foi garantido a uma mãe que se separou do marido alterar o
sobrenome do filho menor após o divórcio. Como ela voltou a usar o nome de
solteira, alegou no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios
que seria mais fácil a adaptação da criança se ela tivesse o sobrenome da
mãe. Apesar de não haver oposição do pai, o Ministério Público se opôs,
afirmando que só seria possível alteração de nome se houvesse algum erro ou
omissão e que o registro de nascimento deveria refletir a realidade do
momento do parto. Entretanto, o voto da relatora do processo, ministra Nancy
Andrighi, destacou que não haveria prejuízos a terceiros e existiria um
justo motivo para a mudança do nome.
Além das relações entre pais e filhos, o Tribunal também tem cuidado dos
direitos de casais de manter o nome após separações. Num julgamento da
Quarta Turma, foi mantido o direito de uma mulher com quase 80 anos de
manter o sobrenome após o rompimento do matrimônio de 45 anos. Considerou-se
que, após tanto tempo, a denominação já teria sido incorporada à
personalidade da ex-esposa e que a mudança forçada causaria prejuízos à
identificação dela. O mesmo entendimento foi usado no caso da holandesa
E.M.V.S., que se separou de seu marido. Alegou usar o sobrenome da família
do seu marido como parte do seu nome profissional por mais de 30 anos e que,
sendo estrangeira e desenvolvendo um relevante trabalho social, seria um
grande distúrbio ter seu nome alterado.
Pessoas jurídicas
Não são apenas as pessoas físicas que recorrem ao STJ para a proteção de sua
identidade. Empresas, fundações e outras pessoas jurídicas também têm
procurado a Casa para garantir seu direito de manter o nome, como o caso da
Odebrecht Comércio e Indústria de Café Ltda. A gigante do ramo de engenharia
e petroquímica, a Odebrecht S/A acionou a empresa do ramo de alimentos para
que esta parasse de usar o nome. A empresa baiana alegou já atuar no mercado
desde 1945, sendo que seus produtos são reconhecidos pela marca Odebrecht, o
nome de seu fundador. A empresa de café foi estabelecida em 1963 e foi
também denominada com o sobrenome de seu fundador. O ministro Jorge
Scartezzini, agora aposentado, considerou que, como Odebrecht era o
sobrenome de ambos os fundadores das empresas e como elas atuavam em ramos
diferentes do mercado, ambas poderiam continuar usando o nome. O magistrado
entendeu que o nome já seria parte do patrimônio da empresa, sendo de
caráter fundamental da identificação desta.
Também ocorrem alguns casos em que um dos sócios rompe a sociedade e exige a
retirada de seu sobrenome da empresa anteriormente constituída. Os julgados
do STJ têm usado diversos critérios nessas ações, como o tempo de
constituição da empresa, o dano que poderia ser causado etc. Num caso
julgado pelo falecido ministro Hélio Quaglia, um dos fundadores de uma firma
de advocacia carioca deixou a empresa e exigiu a retirada de seu nome dela.
O magistrado, entretanto, considerou que não haveria necessidade disso e que
a retirada do nome causaria um severo prejuízo à firma. O advogado Estevão
Rogério, especialista na área de Direito Comercial, afirma que essa decisão
mostra a importância da defesa do papel social das empresas, que, como
geradoras de emprego e produtoras de riquezas, não devem ser constantemente
abaladas por desavenças pessoais entre seus gestores.
Apesar da maior flexibilidade adotada no Tribunal para tratar a questão dos
nomes, há o cuidado de evitar abusos e mudanças de registros por mera
vaidade ou desconforto social. Foi o caso de um advogado de Cuiabá que pediu
a mudança de seu nome para incluir um prenome. O advogado alegou ter um nome
extremamente comum e, segundo ele, o grande número de homônimos geraria
situações desagradáveis, como negativação do seu nome na Receita, inclusão
em serviços de proteção ao crédito e várias outras. Todavia, para a relatora
da matéria, ministra Nancy Andrighi, um nome só poderia ser alterado se
expusesse a pessoa ao vexame ou ridículo, o que não teria ficado claramente
demonstrado. A ministra considerou ainda que o advogado não comprovou que o
prenome que pretendia adotar já fosse de amplo conhecimento no seu meio
familiar e social.
Impedir que um nome seja alterado também pode ser uma maneira de proteger um
menor. Numa ação procedente de São Paulo, uma mãe pediu que o nome do pai de
seu filho fosse retirado do registro deste. Afirmou que eles já estavam
separados, que o genitor só teria visitado a criança duas vezes e que sequer
cumpria sua obrigação de ajudar na manutenção da criança. O ministro Cesar
Asfor Rocha, atual presidente do STJ, considerou não haver “uma motivação
nobre para o pedido”, sendo tentativa de desforra contra o ex-marido. Para o
ministro, a desavença entre o casal não justificaria a mudança de nome de um
menor e ele poderia, ao completar a maioridade civil, requerer a alteração
de seu nome.
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