A segurança jurídica da coisa julgada não pode ser afastada para se
rediscutir uma investigação de paternidade em razão do advento do exame de
DNA. Com esse entendimento, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça
concluiu o julgamento de uma ação de investigação de paternidade que foi
julgada improcedente em 1969 e retomada após o surgimento do exame de DNA.
V.P. de C. e seu irmão gêmeo entraram com ação de investigação de
paternidade contra P.V.C.A. em 1969. A Justiça de São Paulo não reconheceu a
filiação, pois o exame das provas periciais existentes na época atestou a
impossibilidade de o réu ser o pai dos autores. Anos mais tarde, eles
ingressaram com uma nova ação, requerendo a realização do exame de DNA.
A controvérsia da ação girou em torno de dois preceitos constitucionais: o
da dignidade da pessoa humana, no qual se insere o direito de conhecer a sua
origem, e o princípio da coisa julgada, da segurança e da estabilidade da
ordem jurídica.
No STJ, a questão chegou em recurso especial ajuizado por V.P. de C. Por 5
votos a 4, a Seção acompanhou o voto do relator, ministro Humberto Gomes de
Barros, para extinguir a ação sem exame do mérito. O embate foi apertado e
decidido por voto desempate do ministro Aldir Passarinho Junior, após cinco
pedidos consecutivos de vista dos autos.
O princípio da segurança jurídica da coisa julgada, sustentada pelo relator
para extinguir a nova ação, foi seguida pelos ministros Cesar Asfor Rocha,
Ari Pargendler e Carlos Alberto Menezes Direito. Com o placar de 4 a 0, o
ministro Jorge Scartezzini pediu vista do processo e abriu a divergência. Os
ministros Castro Filho, Nancy Andrighi e Massami Uyeda também pediram vista
dos autos e acompanharam a divergência, empatando o julgamento em 4 a 4. A
questão foi decidida em voto de desempate do ministro Aldir Passarinho
Junior.
Embate
Segundo Gomes de Barros, o argumento da ação julgada foi o mesmo apresentado
na primeira ação que resultou na constatação de que a paternidade alegada
não existia, tendo como único fundamento novo o fato de que o exame de DNA
poderia aferir com maior grau de certeza a existência ou não da paternidade.
Diante disso, ele ressaltou que a declaração de improcedência não se
assentou em falta de provas, mas sim no exame de provas periciais existentes
na época, que atestou a improcedência ou a impossibilidade de o réu ser o
pai dos autores.
Os ministros que acompanharam o voto do relator admitiram que o conhecimento
da própria origem é um direito que deve ser protegido, mas, no caso, ele se
confronta com um outro direito fundamental, que é o princípio da coisa
julgada. Assim, o posicionamento vencedor concluiu que, se a prova foi
esgotada e a ação julgada improcedente em função da prova realizada, não há
como admitir uma nova ação para refazer uma mesma prova por métodos
diferentes, sendo o fundamento jurídico da ação exatamente o mesmo.
Os votos divergentes sustentaram que o tema tratado na ação diz respeito à
filiação, que é um direito indisponível e imprescritível, configurando-se,
dentre todos os direitos da personalidade, o de maior relevância. Segundo o
posicionamento divergente, nesses casos a doutrina e a jurisprudência têm
entendido que a ciência jurídica deve acompanhar o desenvolvimento social,
sob pena de ver-se estagnada em modelos formais que não respondem aos
anseios da sociedade, nem atendem as exigências da modernidade.
No voto de desempate, o ministro Aldir Passarinho Junior ressaltou que a
questão consistia em privilegiar a busca da verdade em termos familiar e
pessoal ou a estabilidade da ordem jurídica, que, em sua visão, é essencial:
“Impossível, pois, afastar-se o próprio interesse público na segurança
jurídica em detrimento do particular, ainda que este seja inegavelmente
relevante. Relevante, porém não preponderante.” Para ele, ignorar o preceito
da segurança jurídica da coisa julgada significa que a cada nova técnica ou
descoberta cientifica seria necessário rever tudo que já foi apreciado,
julgado e decidido.
Aldir Passarinho também enfatizou que a justiça foi feita dentro da mais
absoluta constitucionalidade e legalidade, já que, desde o primeiro
julgamento, tudo transcorreu dentro do que os órgãos julgadores consideraram
aceitável e regular até a formação da coisa julgada.
“Evidentemente que respeito o ponto de vista contrário, porque judiciosos os
argumentos desenvolvidos pela divergência inaugurada pelo ministro Jorge
Scartezzini, mas opto, dentro dessa difícil escolha, em acompanhar o voto do
relator, ministro Humberto Gomes de Barros, dando provimento ao recurso
especial para julgar extinta, sem exame de mérito, a ação de investigação de
paternidade”, concluiu o ministro no voto que decidiu a disputa.
REsp 706987
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