Depois que uma pessoa teve negada ação de investigação de paternidade com
base em teste sanguíneo, sua filha pode ajuizar nova investigação contra o
suposto avô, agora com base em exame de DNA? A Quarta Turma do Superior
Tribunal de Justiça (STJ) terá que dar uma resposta a esse pedido.
O caso, repleto de peculiaridades, chegou ao Tribunal em recurso especial
interposto por uma mulher que ajuizou ação cautelar de produção antecipada
de provas, visando à realização de exame de DNA para instruir futura ação de
investigação de relação avoenga. O relator, ministro Raul Araújo, deu
provimento ao recurso. O julgamento foi interrompido pelo pedido antecipado
de vista do ministro Marco Buzzi.
A ação da pretensa neta foi negada em primeiro e segundo grau. A Justiça
estadual considerou que o pedido não pode ser atendido porque o pai dela
está vivo e a ação, por ser personalíssima, só poderia ser proposta por ele.
Além disso, seu pai já havia ajuizado ação investigatória que foi julgada
improcedente, uma vez que o exame de sangue pelo método HLA não comprovou a
paternidade.
Após o trânsito em julgado dessa decisão e do surgimento do exame de DNA, o
suposto filho ajuizou ação rescisória para que fosse realizada nova
investigação de paternidade com base no método de exame genético. Esse
pedido também foi negado, assim como a posterior ação cautelar de produção
antecipada de prova.
Ainda não satisfeito, o homem ingressou com nova ação de investigação de
paternidade, cumulada com alimentos e pedido liminar de produção antecipada
de prova para que fosse realizado o exame de DNA. O pedido foi extinto sem
julgamento de mérito, com base na existência de coisa julgada.
Ao negar a nova ação cautelar proposta pela suposta neta, a Justiça estadual
entendeu que havia a impossibilidade jurídica do pedido, “diante do império
da coisa julgada material”, uma vez que seu pai teve pedido idêntico negado.
“Essa relação jurídica não pode mais ser discutida, isto é, não poderá o
filho reclamar novamente o reconhecimento forçado da paternidade, nem a neta
o reconhecimento da relação avoenga, que é de segundo grau, portanto,
derivada daquela filiação”, afirma o acórdão do tribunal estadual.
Recurso especial
No recurso ao STJ, a mulher pede o afastamento da coisa julgada e o
reconhecimento de sua legitimidade ativa para propor a ação e da
possibilidade jurídica do pedido. Ela requer, ainda, o prosseguimento da
ação cautelar de antecipação de prova. Alega, em síntese, que a decisão das
instâncias inferiores não poderia ter transferido para ela os efeitos da
coisa julgada em processo no qual não teve nenhuma participação.
O ministro Raul Araújo ressaltou que o STJ já decidiu que, mesmo na vigência
do Código Civil de 1916, pretenso neto pode ajuizar ação contra o suposto
avô visando ao conhecimento de sua identidade genética e à reivindicação de
direitos, como herança. Assim, o ministro afastou a impossibilidade jurídica
do pedido.
Segundo a jurisprudência do STJ, que reconhece desde 1990 a viabilidade do
ajuizamento de ação declaratória de relação avoenga, a filiação não se
esgota em uma só geração. Nessa ação, o suposto neto também tem direito
próprio e personalíssimo. Portanto, é parte legítima para ajuizá-la.
Quanto à coisa julgada, o relator considerou que ela só ocorre quando há
identidade de partes, causa de pedir e pedido. “Basta, portanto, a não
coincidência de um desses elementos na nova demanda para que fique afastada
qualquer ofensa à coisa julgada”, afirmou Araújo. O artigo 472 do Código de
Processo Civil estabelece que, em geral, a coisa julgada não pode atingir
desfavoravelmente ou beneficiar pessoa que não integrou o processo.
No caso analisado, o ministro destacou que, embora a parte ré seja a mesma,
a parte autora é diversa da que integrou as ações anteriores. Além disso, em
ação investigatória de paternidade, que é ação de estado, não houve a
formação do necessário litisconsórcio, com a inclusão da neta na demanda
judicial.
O ministro Raul Araújo também considerou o fato de que o afastamento da
paternidade na primeira ação de investigação foi feito com base em análise
de sangue e não na prova contundente do exame de DNA, cuja realização nunca
foi admitida. Por todas essas razões, o relator, em seu voto, deu provimento
ao recurso determinando o retorno do processo à origem para prosseguimento
da ação cautelar de antecipação de prova.
O número deste processo não é divulgado em razão de sigilo judicial.
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