A nova Lei de Falências, promulgada em 2005, é aplicável aos processos
ajuizados antes da sua entrada em vigor, mas só para atos posteriores à
sentença e desde que esta tenha sido prolatada sob sua vigência.
Essa interpretação, defendida pela doutrina e já adotada em precedente do
Superior Tribunal de Justiça (STJ), foi reafirmada pelo ministro Antonio
Carlos Ferreira ao julgar recurso especial de uma indústria alimentícia de
Minas Gerais, que teve a quebra requerida em 2000 e decretada em 2007. A
posição do relator foi acompanhada pela Quarta Turma.
A empresa pretendia anular a sentença que decretou sua falência, por ter
sido fundamentada no Decreto-Lei 7.661/45, que regulava a quebra até 2005, e
não na Lei 11.101/05, que revogou e substituiu a legislação anterior. O
Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) rejeitou o pedido da empresa, que
recorreu ao STJ.
No recurso especial, além da questão envolvendo a aplicação do direito
intertemporal, a empresa alegou que os títulos indicados no pedido de
falência (duplicatas sem aceite) não eram aptos para tanto e o protesto
desses títulos havia sido irregular.
Os argumentos em relação aos títulos não foram considerados pelo ministro
Antonio Carlos Ferreira, pois o TJMG, soberano na análise das provas,
entendeu que o pedido de falência havia sido regularmente instruído com as
duplicatas, notas fiscais, comprovantes de entrega das mercadorias e as
respectivas certidões de protesto, ficando “caracterizada a impontualidade
da devedora”, suficiente para justificar a sentença.
Regras expressas
Quanto ao direito intertemporal, o relator observou que o legislador, ao
aprovar a Lei 11.101, “cuidou de estabelecer regras expressas para
solucionar as possíveis controvérsias que poderiam surgir acerca da
aplicação da nova lei aos processos de falência e concordata em curso antes
da sua vigência”.
O artigo 192 da nova lei dispõe que ela “não se aplica aos processos de
falência ou de concordata ajuizados anteriormente ao início de sua vigência,
que serão concluídos nos termos do Decreto-Lei 7.661”.
O parágrafo 4º desse artigo, no entanto, estabelece que a lei se aplica “às
falências decretadas em sua vigência resultantes de convolação de
concordatas ou de pedidos de falência anteriores, às quais se aplica, até a
decretação, o Decreto-Lei 7.661, observado, na decisão que decretar a
falência, o disposto no artigo 99 desta lei” (o artigo 99 trata do conteúdo
do decreto de falência).
Segundo Antonio Carlos Ferreira, o parágrafo 4º cria uma exceção à regra
geral do artigo 192, ao determinar que a nova lei seja aplicada aos
processos ajuizados antes da sua vigência, mas apenas a partir da sentença,
“desde que a decretação ocorra após a sua entrada em vigor”.
Três situações
De forma didática, o ministro identificou as três situações possíveis e a
maneira como a Lei 11.101 deve ser aplicada:
a) em falência ajuizada e decretada antes da sua vigência, aplica-se o
antigo Decreto-Lei 7.661, “em decorrência da interpretação pura e simples do
artigo 192, caput”;
b) em falência ajuizada e decretada após a sua vigência, aplica-se a Lei
11.101, “em virtude do entendimento a contrario sensu do artigo 192, caput”;
c) em falência requerida antes da lei nova, mas decretada após a sua
vigência, aplica-se o Decreto-Lei 7.661 até a sentença, e a Lei 11.101 a
partir desse momento, “em consequência da exegese do artigo 192, parágrafo
4º”.
O caso da indústria de Minas Gerais, de acordo com o relator, enquadra-se na
última hipótese, pois a falência foi requerida em 2000, antes da alteração
legislativa, mas a decretação só ocorreu em 2007, já sob as novas regras.
Portanto, concluiu, deve-se aplicar o Decreto-Lei 7.661 na fase
pré-falimentar, ou seja, entre o ajuizamento do pedido de falência e a
sentença de decretação da quebra. A mesma interpretação já havia sido dada
pela Terceira Turma do STJ no julgamento do recurso especial 1.063.081,
conforme lembrou o relator.
Com base nesse entendimento, a Quarta Turma negou o recurso e manteve a
decisão do TJMG, que havia ratificado a sentença de primeiro grau, prolatada
com base no Decreto-Lei 7.661.
O ministro acrescentou ainda que o processo falimentar deve ser orientado
pelos princípios da celeridade e da economia processual. “Não se mostraria
recomendável a repetição de eventuais atos processuais que tenham sido
realizados sob a égide da legislação anterior e não tenham implicado
prejuízo às partes”, comentou.
REsp 1105176
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