Pessoas do mesmo sexo podem se habilitar para o casamento, requerendo a
aplicação da regra de que, no direito privado, é permitido o que não é
expressamente proibido? A questão será colocada em julgamento nesta
quinta-feira (20) pelo ministro Luis Felipe Salomão, na Quarta Turma do
Superior Tribunal de Justiça (STJ).
O recurso a ser julgado traz uma controvérsia que vai além do que já foi
decidido pelo STJ e pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que reconheceram à
união homoafetiva os mesmos efeitos jurídicos da união estável entre homem e
mulher. Agora se trata de casamento civil, que possui regramento distinto da
união estável e, naturalmente, confere mais direitos aos cônjuges do que aos
companheiros.
O caso teve início quando duas cidadãs do Rio Grande do Sul requereram em
cartório a habilitação para o casamento. O pedido foi negado. Elas entraram
na justiça, perante a Vara de Registros Públicos e de Ações Especiais da
Fazenda Pública da comarca de Porto Alegre, com pleito de habilitação para o
casamento. Segundo alegaram, não há nada no ordenamento jurídico que impeça
o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Em primeira instância, a ação foi julgada improcedente. Segundo entendeu o
magistrado, o casamento, tal como disciplinado pelo Código Civil de 2002,
somente seria possível entre homem e mulher. As duas apelaram, mas o
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) manteve a sentença,
afirmando não haver possibilidade jurídica para o pedido.
“Ao contrário da legislação de alguns países, como é o caso, por exemplo, da
Bélgica, Holanda e da Espanha, e atualmente o estado de Massachussetts, nos
Estados Unidos, que preveem o casamento homossexual, o direito brasileiro
não prevê o casamento entre pessoas do mesmo sexo”, afirmou o relator do
caso no tribunal gaúcho.
Invasão de competência
Para o desembargador, a interpretação judicial ou a discricionariedade do
juiz, por qualquer ângulo que se queira ver, não tem o alcance de criar
direito material, sob pena de invasão da esfera de competência do Poder
Legislativo e violação do princípio republicano da separação harmônica dos
poderes. “Ainda que desejável o reconhecimento jurídico dos efeitos civis de
uniões de pessoas do mesmo sexo, não passa, a hipótese, pelo casamento”,
disse ele.
Ao negar provimento à apelação, o desembargador lembrou que, desde a mais
remota antiguidade, o instituto do casamento tem raízes não somente na
regulação do patrimônio, mas também na legitimidade da prole resultante da
união sexual entre homem e mulher. “Não há falar em lacuna legal ou mesmo de
direito, sob a afirmação de que o que não é proibido é permitido, porquanto
o casamento homossexual não encontra identificação no plano da existência”,
afirmou.
Ainda segundo o desembargador, examinar tal aspecto está além do poder
discricionário do juiz. “O direito brasileiro oferta às pessoas do mesmo
sexo, que vivam em comunhão de afeto e patrimônio, instrumentos jurídicos
válidos e eficazes para regular, segundo seus interesses, os efeitos
materiais dessa relação, seja pela via contratual ou, no campo sucessório, a
via testamentária”, lembrou. “A modernidade no direito não está em vê-lo
somente sob o ângulo sociológico, mas também normativo, axiológico e
histórico”, acrescentou o desembargador, ao negar provimento à apelação e
manter a sentença.
Insatisfeitas, as duas recorreram ao STJ, alegando que a decisão ofende o
artigo 1.521 do Código Civil de 2002. Segundo afirmou a defesa, entre os
impedimentos para o casamento previstos em tal dispositivo, não está
indicada a identidade de sexos. Sustenta, então, que deve ser aplicada ao
caso a regra segundo a qual, no direito privado, o que não é expressamente
proibido é permitido, conclusão que autorizaria as duas a se habilitarem
para o casamento.
Em parecer sobre o assunto, o Ministério Público Federal opinou pelo não
provimento do recurso especial. A sessão de julgamentos da Quarta Turma terá
início às 14 horas.
O número deste processo não é divulgado em razão de sigilo judicial.
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