A Segunda Seção do Superior Tribunal de
Justiça (STJ) vai pacificar o entendimento da Corte sobre a possibilidade ou
não de investigação de paternidade avoenga, isto é, ação proposta pelo neto
a fim de se reconhecer a paternidade de seu pai e por conseqüência a
identidade de seu avô. O tema foi afetado à Seção pela Terceira Turma, em
razão de divergência surgida durante julgamento de recurso relatado pela
ministra Nancy Andrighi.
A questão já conta com três precedentes da própria Terceira Turma em casos
relatados pelos ministros Waldemar Zveiter, Carlos Alberto Menezes Direito e
Humberto Gomes de Barros e um julgado da Segunda Seção, relatado pelo
ministro Aldir Passarinho Junior, que consideraram legítima a pretensão dos
netos em obter, mediante ação declaratória, o reconhecimento de relação
avoenga, se já então falecido seu pai, que em vida não vindicara a
investigação sobre a sua origem paterna.
A divergência entende que o neto não tem legitimidade para propor a
investigação de paternidade contra o suposto avô no lugar do pai já
falecido, em razão de o estado de filiação ser um direito personalíssimo.Ou
seja, se a investigatória de paternidade não foi proposta em vida pelo
filho, não podem seus herdeiros, após morto este, ingressar com a ação.
O voto da ministra Nancy Andrighi foi favorável ao reconhecimento da relação
avoenga. Para ela os direitos da personalidade, entre eles o direito ao nome
e ao conhecimento da origem genética são inalienáveis, vitalícios,
intransmissíveis, extrapatrimoniais, irrenunciáveis, imprescritíveis e
oponíveis erga omnes.
Assim os netos, a exemplo dos filhos, possuem direito de agir, próprio e
personalíssimo, de pleitear declaratória de relação de parentesco em face do
avô, ou dos herdeiros se pré-morto este, porque o direito ao nome, à
identidade e à origem genética estão intimamente ligados ao conceito de
dignidade da pessoa humana.
Segundo a ministra, nos moldes da moderna concepção do Direito de Família,
não se mostra adequado recusar aos netos o direito de buscarem, por meio de
ação declaratória, a origem desconhecida. Para ela, se o pai não propôs ação
investigatória quando em vida, a via do processo encontra-se aberta aos seus
filhos, a possibilitar o reconhecimento da relação de parentesco pleiteada.
“Negar aos netos o exercício de ação declaratória de parentesco com o
suposto avô significa, acima de tudo, negar-lhes a prestação jurisdicional.
Se o filho não quis ou foi impedido de exercer o seu direito de filiação,
não se há que proibir que seu descendente o exerça, sob pena de se estar
negando ao neto o exercício de direito personalíssimo, ao nome, à
ancestralidade”, ressaltou.
O caso concreto
O recurso afetado à Seção foi interposto pela viúva e filhos de pleiteando
ação declaratória de relação avoenga para efeito de herança ajuizada em
1999, contra os filhos e herdeiros do sogro e avô das partes.
Eles sustentam que o ex-cônjuge da viúva e pai dos recorrentes nasceu em
1946, fruto de relacionamento amoroso indesejado pela influente família
carioca do avô que, ao tomar conhecimento da respectiva gravidez, o enviou
para os Estados Unidos.
Alegam que embora não houvesse o reconhecimento do filho José, o avô
reconhecia o neto, prestando-lhe toda assistência material necessária.
Contudo, após a morte do suposto avô, ocorrida em 1997, os auxílios
financeiros cessaram, tendo então o filho procurado diretamente o pai, o
qual ainda que contrariado, passou a destinar-lhe algum auxílio material.
Na inicial, eles postularam a declaração, por sentença, da condição de
co-herdeiros dos recorridos, a primeira recorrente, por ser meeira de pai e,
os demais, por ostentarem a qualidade de netos. Para comprovar o parentesco,
solicitaram a realização de exame de DNA por meio de exumação nos restos
mortais de suposto pai, falecido em 22/2/1999, e do avô, falecido em 1997.
Os recorridos requereram a extinção do processo, sem resolução do mérito,
por carência da ação, considerado o entendimento de que é juridicamente
impossível aos netos postular o reconhecimento da filiação em face do
pretenso avô, faltando-lhes legitimidade de agir. Sustentam que os filhos
presumidos do primeiro e netos do segundo são “movidos por aspectos
meramente econômicos”, sem, contudo, qualquer prova de suas alegações, o que
inviabilizaria a realização da prova pericial genética requerida.
Por maioria, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro acolheu o pedido dos
recorridos e extinguiu o processo, ao fundamento de que, por se tratar de
ação personalíssima, somente podendo ser proposta pelo próprio filho em face
do pai, há impossibilidade jurídica do pedido.
A viúva e os filhos recorrem ao STJ, sustentando que ao julgar o processo
extinto por carência da ação, o TR-RJ ignorou orientação da Corte Superior
no sentido de considerar juridicamente possível e legítima a ação ajuizada
pelos netos, em face do suposto avô, ou seus sucessores, com a pretensão de
que seja declarada relação avoenga.
REsp 807849
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