Em decisão inédita, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ),
por maioria, proveu recurso de duas mulheres que pediam para ser habilitadas
ao casamento civil. Seguindo o voto do relator, ministro Luis Felipe
Salomão, a Turma concluiu que a dignidade da pessoa humana, consagrada pela
Constituição, não é aumentada nem diminuída em razão do uso da sexualidade,
e que a orientação sexual não pode servir de pretexto para excluir famílias
da proteção jurídica representada pelo casamento.
O julgamento estava interrompido devido ao pedido de vista do ministro Marco
Buzzi. Na sessão desta terça-feira (25), o ministro acompanhou o voto do
relator, que reconheceu a possibilidade de habilitação de pessoas do mesmo
sexo para o casamento civil. Para o relator, o legislador poderia, se
quisesse, ter utilizado expressão restritiva, de modo que o casamento entre
pessoas do mesmo sexo ficasse definitivamente excluído da abrangência legal,
o que não ocorreu.
“Por consequência, o mesmo raciocínio utilizado, tanto pelo STJ quanto pelo
Supremo Tribunal Federal (STF), para conceder aos pares homoafetivos os
direitos decorrentes da união estável, deve ser utilizado para lhes
franquear a via do casamento civil, mesmo porque é a própria Constituição
Federal que determina a facilitação da conversão da união estável em
casamento”, concluiu Salomão.
Em seu voto-vista, o ministro Marco Buzzi destacou que a união homoafetiva é
reconhecida como família. Se o fundamento de existência das normas de
família consiste precisamente em gerar proteção jurídica ao núcleo familiar,
e se o casamento é o principal instrumento para essa opção, seria
despropositado concluir que esse elemento não pode alcançar os casais
homoafetivos. Segundo ele, tolerância e preconceito não se mostram
admissíveis no atual estágio do desenvolvimento humano.
Divergência
Os ministros Antonio Carlos Ferreira e Isabel Gallotti já haviam votado com
o relator na sessão do dia 20, quando o julgamento começou. O ministro Raul
Araújo, que também acompanhou o relator na sessão da semana passada,
retificou seu voto. Segundo ele, o caso envolve interpretação da
Constituição Federal e, portanto, seria de competência do STF. Para o
ministro, o reconhecimento à união homoafetiva dos mesmos efeitos jurídicos
da união estável entre homem e mulher, da forma como já decidido pelo STF,
não alcança o instituto do casamento. Por isso, ele não conheceu do recurso
e ficou vencido.
Raul Araújo defendeu – em apoio a proposta de Marco Buzzi – que o
julgamento do recurso fosse transferido para a Segunda Seção do STJ, que
reúne as duas Turmas responsáveis pelas matérias de direito privado, como
forma de evitar a possibilidade de futuras decisões divergentes sobre o tema
no Tribunal. Segundo o ministro, a questão tem forte impacto na vida íntima
de grande número de pessoas e a preocupação com a “segurança jurídica”
justificaria a cautela de afetar o caso para a Segunda Seção. A proposta,
porém, foi rejeitada por três a dois.
O recurso foi interposto por duas cidadãs residentes no Rio Grande do Sul,
que já vivem em união estável e tiveram o pedido de habilitação para o
casamento negado em primeira e segunda instância. A decisão do tribunal
gaúcho afirmou não haver possibilidade jurídica para o pedido, pois só o
Poder Legislativo teria competência para insituir o casamento homoafetivo.
No recurso especial dirigido ao STJ, elas sustentaram não existir
impedimento no ordenamento jurídico para o casamento entre pessoas do mesmo
sexo. Afirmaram, também, que deveria ser aplicada ao caso a regra de direito
privado segundo a qual é permitido o que não é expressamente proibido.
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REsp 1183378
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