O Supremo Tribunal Federal
(STF), por maioria e acompanhando o voto-vista do ministro Ricardo
Lewandowski, declarou a constitucionalidade dos artigos 1º, 3º e 5º da Lei
nº 9.534/1997. Essas normas dispõem sobre gratuidade do registro civil e da
certidão de óbito para cidadãos reconhecidamente pobres, bem como dos atos
necessários ao exercício da cidadania. Duas ações foram ajuizadas no STF
questionando a matéria: uma é a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI)
1800, a outra é a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 5.
A ADI 1800 foi ajuizada pela Associação dos Notários e Registradores do
Brasil (Anoreg) contra a edição da lei, sob o argumento de que houve ofensa
ao princípio da proporcionalidade. A entidade alegou que os cartórios, entes
pertencentes à esfera privada, terão que arcar com o ônus da gratuidade,
fato que ensejaria o trabalho forçado e a ofensa ao princípio da liberdade
profissional. Assim, estaria configurada “ilegítima intervenção estatal nos
serviços exercidos em caráter privado”, conforme prevê o artigo 236 da
Constituição Federal. Por outro lado, a ADC 5 visou a declaração de
constitucionalidade dos mesmos artigos pelo Supremo.
Antecedentes
O relator original de ambas as ações era o ministro Nelson Jobim, que
deferiu liminar para a ADC 5, mantendo a gratuidade em vigor até o
julgamento do mérito, que se deu hoje (11). No julgamento de 29.03.2006,
após o voto do ministro-relator, que declarava a constitucionalidade dos
artigos 1º , 2º e 3º da Lei 9.534/1997, o ministro Ricardo Lewandowski pediu
vista dos autos.
Voto-vista
Em seu voto-vista, na sessão plenária de hoje, Lewandowski lembrou que “a
intervenção estatal na esfera privada, em nosso ordenamento jurídico,
somente se justifica legitíma caso realizada com o propósito de fazer
preponderar o interesse da coletividade sobre o interesse individual”. Ele
acrescentou que, de acordo com precedentes do STF, embora as atividades
desenvolvidas pelos cartórios sejam semelhantes à atividade empresarial, ela
está sujeita a um regime de direito público, já que é exercida por delegação
do poder público. Mas esse entendimento “não autoriza uma intervenção
estatal que anule por completo o caráter privado da prestação de serviços
notariais e de registro, cuja continuidade depende da manutenção de seu
equilíbrio econômico-financeiro”.
Mas esse não é o caso em julgamento, declarou o ministro ao ponderar os
valores constitucionais em jogo, especialmente sob o prisma da
proporcionalidade. Para ele, esse princípio corresponde a uma “moeda de duas
faces: de um lado, a proibição de excesso e, de outro, a proibição de
proteção deficiente”. O caso sob análise não é a proibição de excesso,
porque os notários e registradores exercem tantas outras atividades
lucrativas que a isenção dos emolumentos previstos na Lei 9.534 /97 não
romperia o equilíbrio econômico-financeiro dos cartórios que inviabilize sua
continuidade. A outra face da moeda da proporcionalidade, segundo o
ministro, exige que o Estado preste proteção eficaz aos “economicamente
hiposuficientes” (pobres), sobretudo em relação aos seus direitos de
cidadania.
Para o ministro, as ações trazem a julgamento “os próprios fundamentos sobre
os quais se assenta o estado democrático de direito, configurando um
aperfeiçoamento do estado social”, cujo princípio é o da harmonização das
contradições sociais. Esse princípio obriga o Estado a oferecer assistência
social a indivíduos que, em razão de desvantagens sociais, se encontrem
impedidos de alcançar seu desenvolvimento pessoal ou social, declarou o
ministro.
Assim, para Ricardo Lewandowski, “o nascimento e a morte constituem fatos
naturais que afetam igualmente ricos e pobres, mas as suas conseqüências
econômicas e sociais distribuem-se desigualmente entre eles”. O ministro
concluiu que a Lei 9.534/97 busca permitir que todos, independentemente de
sua condição ou situação patrimonial, nesse particular, possam exercer os
direitos de cidadania, nos termos do artigo 5º, inciso LXXVII, da
Constituição da República.
Decisão plenária
O Plenário, por maioria, julgou improcedente a ADI 1800 e confirmou a
constitucionalidade das normas que prevêem a gratuidade do registro civil e
da certidão de óbito para cidadãos reconhecidamente pobres, requerida na ADC
5, julgando esta procedente.
Processos relacionados :
ADI-1800
ADC-5
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