No
Boletim Eletrônico do Irib #2241, de 4/1/2006, noticiamos importante
decisão do STF acerca da independência jurídica do registrador.
Destacamos a posição doutrinária defendida nas páginas da
Revista de Direito Imobiliário do Irib, entrevistando o
desembargador RICARDO DIP que se pronunciou com exclusividade sobre a
importante matéria.
Recebi, ainda agora, carta do ilustre Presidente do Sindicato dos
Notários e Registradores de Minas Gerais, Dr. Eugênio Klein Dutra,
titular do 6º Registro Imobiliário de Belo Horizonte – ele próprio
paciente no habeas corpus – encaminhando cópia do “conciso, jurídico e
corajoso parecer” do Ilustre Dr. Edson Oliveira de Almeida,
Subprocurador-Geral da República. Encaminhou-me, também, cópia do
“sempre
lúcido voto do Eminente Ministro Marco Aurélio, que marca sua
presença honrada no Excelso Supremo Tribunal Federal, preservando-o como
autêntico guardião da Constituição, lembrando a afirmativa de Ruy
Barbosa segundo a qual as Constituições não valem nem pelos princípios,
que consagram, nem pelo pergaminho, que as estampa, mas pelos Tribunais,
que as cumprem”. E por fim, encaminha-me a petição dos seus advogados.
Segundo Dutra, “hoje, nós, brasileiros, podemos parodiar o oleiro,
sentindo o mesmo orgulho ao dizer que temos Juízes em Brasília!”.
Tem razão em regozijar-se o ilustre presidente do SinoregMG. De fato, a
decisão discerne claramente a importância relativa de cada ator nessa
complexa trama da aplicação do direito. Ou seja, tanto o magistrado,
como o registrador, nos limites de suas atribuições legais, atuam para
compor o fenômeno da organicidade do Direito – para usar uma expressão
muito feliz do ilustre relator.
Além disso, como bem posto na exordial, “há determinadas situações
envolvendo teses jurídicas, as quais transcendem, de muito, a
aparentemente pequena relevância da controvérsia; no caso concreto, como
a seguir se evidencia, a decisão a ser superiormente tomada interessa a
toda a categoria profissional dos tabeliães e registradores, o que
justifica o interesse do Sindicato da classe”.
De fato, por ser de interesse de todos os profissionais que atuam na
área de registros públicos, publicamos abaixo o parecer do Dr. Edson
Oliveira de Almeida e a peça de lavra dos advogados Paulo Pacheco de
Medeiros Neto, Cláudia Murad Valadares, Roberto Rodrigues Pereira Júnior
e Guilherme Fulgêncio Vieira.
Habeas corpus. Títular da serventia - crime de desobediência.
EMENTA NÃO OFICIAL: Não há falar-se em crime de desobediência praticado
por Oficial de Registro de Imóveis, pois este, além de ser investido de
munus público, ao suscitar dúvida, cumpriu o regular exercício da
profissão.
HABEAS CORPUS Nº 85911/130
ORIGEM: MINAS GERAIS
PACIENTE: EUGÊNIO KLEIN DUTRA
IMPETRANTE: SINDICATO DOS NOTÁRIOS E REGISTRADORES DE MINAS GERAIS E
OUTROS
COATOR: 2ª TURMA RECURSAL DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL DE BELO HORIZONTE
RELATOR: EXMº SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO
Senhor Ministro-Relator:
1. Retratam os autos esdrúxula hipótese em que o paciente, Oficial do
Registro de Imóveis, está à beira de sentar no banco dos réus porque
suscitou dúvida a requerimento do interessado, ao Juízo da Vara dos
Registros Públicos (aliás julgada procedente) em relação a título
expedido por Junta de Conciliação e Julgamento, por este não estar
revestido das exigências legais.
2. O writ há de ser deferido. O remansoso entendimento jurisprudencial
no sentido de que só se tranca a ação penal no seu nascedouro quando o
constrangimento ilegal é demonstrado de plano aplica-se justamente ao
caso em tela. E nem se argumente que ainda não há denúncia em face do
paciente, tal como constou do ato atacado, porque a simples intimação
para comparecimento a audiência preliminar para proposta de transação
penal já constitui constrangimento ilegal a ser reparado por habeas
corpus, se o fato imputado ao paciente é atípico.
3. In casu, em virtude de defeitos formais do título expedido pela 21ª
Vara Trabalhista de Belo Horizonte, o paciente, a requerimento do
interessado, submeteu o título, com as razões de dúvida, à decisão do
Juízo da Vara dos Registros Públicos, tal como estatuído na Lei de
Registros Públicos (art. 167, I, c.c. o art. 198). Foi por essa conduta
que o Juiz Trabalhista promoveu instauração de processo-crime contra o
paciente, imputando-lhe o delito do art. 330 do Código Penal. Ora, o
regular exercício da profissão nem de longe pode configurar o crime de
desobediência, mesmo porque o paciente é investido de munus publico,e,
agindo como tal, não pode ser tido como o particular, agente ativo do
delito de desobediência.
4. Isso posto, opino pelo deferimento do writ.
Brasília, 17 de junho de 2005.
Edson Oliveira de Almeida
Subprocurador-Geral da República.
Petição
Excelentíssimo Senhor Ministro NELSON JOBIM,
Digníssimo Presidente do Excelso SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
O SINDICATO DOS NOTÁRIOS E REGISTRADORES DE MINAS GERAIS - SINOREG/MG -
entidade sindical, representante da categoria profissional dos Notários
e Registradores, com base territorial no Estado de Minas Gerais,
registrado no Serviço de Registro Civil de Pessoas Jurídicas da Comarca
de Belo Horizonte (MG), sob nº 72.795, Livro A, em 17 de junho de 1989
(DOC. 2) e no Ministério do Trabalho, às fls. 23 do Livro 03, em 14 de
março de 1.990 (DOC. 3), com sede-própria no 3° andar do prédio situado
na Av. Afonso Pena, 4.374, na mesma Capital; devidamente representado
por seu Presidente, na forma estatutária (DOC. 4), cumprindo
decisão unânime de sua Diretoria (DOC. 5); no exercício da prerrogativa
que lhe outorga o art. 8o, item III, da Constituição da República; e
seus bastantes procuradores ao final assinados, os Advogados PAULO
PACHECO DE MEDEIROS NETO, OAB/MG. 49756; CLÁUDIA MURAD VALADARES,
OAB/MG. 54.336; ROBERTO RODRIGUES PEREIRA JÚNIOR, OAB/MG. 80.000;
e GUILHERME FULGÊNCIO VIEIRA, OAB/MG. 84.644; também em nomes
próprios, todos com escritório no Departamento Jurídico da sede do
referido Sindicato (DOC. 1);
vêm, pelo presente, com base na alínea “i”, do item I, do art. 102 da
CR/88; nos arts. 9o.-I-“a” e 188 e segs., do Reg.to Interno desse
EXCELSO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL; e em sua SÚMULA n. 690; c/c. os arts.
647 e segs., do C.P.P., REQUERER EM FAVOR DE EUGÊNIO KLEIN DUTRA,
(qualificação omitida), Bacharel em Direito e Administrador, titular
do 6o. Ofício de Registro de Imóveis da referida Capital, com
cartório instalado no prédio n. 910/914 da rua dos Inconfidentes,
representado pelos mesmos procuradores (DOC. 1-A); ordem
preventiva de habeas corpus a fim de fazer cessar a violência, a
coação e o constrangimento ilegais, que lhe estão sendo infligidos pela
decisão da 2a. TURMA RECURSAL DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL DE BELO
HORIZONTE (MG), sujeitando-o a processo penal, por provocação do
Juiz da 21a. Vara do Trabalho de B.H., pelo fato de haver o Registrador
cumprido o dever que lhe é imposto, assim como a todos os Oficiais de
Registro, pelo art. 198 da Lei dos Registros Públicos, de qualificar os
títulos sujeitos a registro, inclusive judiciais, suscitando DÚVIDA, a
qual veio a ser julgada PROCEDENTE pelo MM. Juiz de Direito da Vara dos
Registros Públicos competente, tudo como a seguir exposto.
EXCELSOS SENHORES MINISTROS:
“Une injustice, fait a un seul, est une ménace fait a tous”
(Montesquieu).
Há determinadas situações envolvendo teses jurídicas, as quais
transcendem, de muito, a aparentemente pequena relevância da
controvérsia; no caso concreto, como a seguir se evidencia, a decisão a
ser superiormente tomada interessa a toda a categoria profissional dos
tabeliães e registradores, o que justifica o interesse do Sindicato da
classe, hoje presidido pelo próprio Paciente.
Sem pretender emprestar dramaticidade exagerada ao presente pedido de
“HABEAS CORPUS”, é lícito dizer que, nele, encontram-se em jogo pelo
menos dois princípios fundamentais da Constituição da República:
a) o primeiro, concernente à cidadania, respeita ao direito à
liberdade de cada um, no exercício de sua profissão;
b) o segundo, concernente ao próprio pundonor do Poder Judiciário – o
“point d’honneur” dos franceses, ou o “punto de honor” dos espanhóis – o
ponto de honra de saber se deve ser respeitada a competência
jurisdicional, ou se ela é um Poder destituído de qualquer poder para
fazer prevalecer sua jurisdição, ora degradada à condição de responsável
por “crime de desobediência”.
O Oficial de Registro, delegatário constitucional de uma função
pública (CR/88, art. 236, caput), é, por definição legal, um
profissional do Direito, que goza de independência no exercício de sua
profissão (Lei Federal n° 8.935/94, arts. 3o. e 28), e tem, a
fiscalizar-lhe os atos, o Poder Judiciário do Estado: está submetido
jurisdicionalmente ao Juízo da Vara dos Registros Públicos (CR/88, art.
236, § 1o, final, c/c. Lei Fed. 8.935/94, art. 37) .
Compete ao primeiro, legalmente, examinar os títulos submetidos a
registro e, havendo dúvida quanto à legalidade de qualquer deles, seja
judicial, público ou particular, determina-lhe a lei o dever de, a
requerimento do interessado, submeter a controvérsia ao segundo, o
Juiz da Vara dos Registros Públicos, que a decidirá, com
possibilidade de apelação à instância superior – o Tribunal de Justiça
do Estado – por qualquer interessado que se considere prejudicado (Lei
Fed. 6.015/73 e alterações, arts. 198 e 202).
No caso presente, apresentado a registro um título judicial, expedido
pela 21a Vara Trabalhista da Capital mineira (carta de adjudicação, em
execução de penhora não registrada e cujo “auto” foi apresentado em
simples fotocópia, sem nomeação de depositário, sem indicação do valor
da dívida, sem a qualificação das partes, de imóvel não pertencente ao
executado e hipotecado a terceiros cuja intimação não constava haver
sido feita – DOC. 6), o Oficial registrador teve dúvida quanto à
legalidade do título e, na forma da lei, a requerimento do interessado,
submeteu-o, com as razões de Dúvida, ao Juízo competente – o da
Vara dos Registros Públicos – que não a considerou desobediência e, pelo
contrário, a julgou PROCEDENTE, determinando ao Oficial de
Registro se abstivesse de registrá-lo, enquanto não satisfeitas, pelo
interessado no registro, as exigências consideradas PERTINENTES; essa
Sentença TRANSITOU EM JULGADO; a parte interessada submeteu-se a ela,
cumpriu as exigências, com o que se fez o registro (DOC. 7).
Foi o bastante para que o mesmo Juiz trabalhista promovesse a
instauração de processo-crime contra o Oficial Registrador, perante o
Juizado Especial Criminal, imputando-lhe falsamente o crime de
“desobediência”, capitulado no art. 330 do C.P., entre os “crimes
praticados por particular contra a administração em geral”, em
expediente ao qual, sem maior exame, deu seqüência o Órgão do Ministério
Público junto àquele Juizado Especial, sendo o Paciente intimado à
audiência preliminar (DOC. 8).
Requerido “HABEAS CORPUS” para trancar esse verdadeiro “monstrum,
vel prodigium” judicial, a 2a. Turma Recursal do Juizado Especial
Criminal pretende dar-lhe curso, denegando-lhe o remédio heróico
(DOC. 9).
É contra essa decisão que ora suplica o Paciente a saneadora intervenção
desse Excelso Supremo Areópago: para impedir que um Oficial Registrador
seja processado criminalmente por cumprir seu dever legal, suscitando
Dúvida, julgada PROCEDENTE, PELA VARA JUDICIAL COMPETENTE, tendo o
apresentante do título acatado a V. Decisão, cumprindo as exigências,
o que permitiu fosse legalmente praticado, como já o foi, o ato
registral.
Donde se segue que o inconformismo do denunciante é contra a própria
V. Sentença, que julgou procedente a Dúvida suscitada, pois a parte
interessada com ela se conformou, cumprindo-a, e o ato registral já se
acha praticado.
CABIMENTO DO “HABEAS CORPUS”.
Conforme a SÚMULA 690, desse EXCELSO, “compete originariamente ao
Supremo Tribunal Federal o julgamento de habeas corpus contra decisão de
turma recursal de juizados especiais criminais”.
CONSTRANGIMENTO ILEGAL: ABUSO DE AUTORIDADE.
Nos termos do art. 146 do Cód. Penal, constitui constrangimento ilegal
obrigar alguém a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não
manda; regulamentado o processo respectivo pela Lei Federal n. 4.898, de
9 de dezembro de 1.965, que define em seu art. 3o:- “Constitui abuso de
autoridade qualquer atentado: a) à liberdade de locomoção; ....omissis....
j) aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício
profissional” (grifou-se).
A Lei Orgânica da Magistratura Nacional, em seu art. 35, inclui entre os
deveres dos Magistrados, verbis: “cumprir e fazer cumprir, com
independência, serenidade e exatidão, as disposições legais e atos de
ofício.”
“Jura novit curia” (o juiz conhece a lei): com a devida vênia, não é
lícito, nem ao Juiz da 21a. Vara Trabalhista, nem à Turma Recursal do
Juizado Especial Criminal, desconhecer os preceitos imperativos da Lei
dos Registros Públicos; sabem, pois, que o Oficial é civil e penalmente
responsável por qualquer prejuízo que seu ato cause aos interessados no
registro (LRP., art. 28); sabem que, havendo dúvida quanto à
regularidade de qualquer título sujeito a registro, inclusive os de
origem judicial (LRP., art. 167-I-26, c/c. art. 198), deve o Oficial, a
requerimento do interessado, submeter o título, com as razões de Dúvida,
à Decisão do Juízo da Vara dos Registros Públicos. No caso concreto,
além das nulidades decorrentes do aspecto formal do título (falta de
depositário, etc.), o imóvel penhorado não pertencia ao executado, mas a
outrem, e estava hipotecado a terceiros, cuja audiência é obrigatória (CPC.,
arts. 615-II e 698).
INAPLICABILIDADE DE “DESOBEDIÊNCIA” A DELEGATÁRIO DE FUNÇÃO PÚBLICA
NO EXERCÍCIO DA DELEGAÇÃO.
A CR/88, no art. 236 e seus parágrafos, fixou com precisão o regime
jurídico dos tabeliães e oficiais de registro: ainda que em caráter
privado, exercem função pública por delegação do
Poder Público.
No exercício de suas funções, o oficial de registro age, portanto, como
delegado do Estado.
O crime de desobediência, tipificado no art. 330 do C.P., tem como
característica primordial – dí-lo eloqüentemente o enunciado do capítulo
II – a “desobediência” de “PARTICULAR” a “ordem LEGAL de
funcionário público”, ou seja, “CONTRA A ADMINISTRAÇÃO EM GERAL”.
No caso, não houve “ordem”, mas, sim, um “título”, que o MM. Juiz
competente decidiu NÃO SER LEGAL PARA REGISTRO, o que a parte
interessada reconheceu, sanando-lhe as irregularidades, com o que obteve
o registro pretendido.
O oficial de registro, no exercício de uma delegação do Poder Público,
estabelecida “para autenticidade, segurança e eficácia dos atos
jurídicos” (LRP., art. 1o.), “quer para sua constituição, transferência
e extinção, quer para sua validade em relação a terceiros, quer para a
sua disponibilidade” (ib., art. 172), exerce assim, ainda que em caráter
privado, uma função pública; não é um funcionário público,
“stricto sensu”, porém, não é um “particular”, estranho à “administração
em geral”, pois é um delegatário dela.
E goza de independência no exercício de suas atribuições: Lei Federal
8.935/94, art. 28; sendo sua função elevada à categoria de “profissão”:
arts. 3o; 30-V e VI, final; e 31-IV, da mesma Lei).
No exercício dessa profissão, o Paciente cumpriu o dever que lhe é
imposto pela legislação e, em dúvida, encaminhou suas razões ao MM. Juiz
de Direito da Vara dos Registros Públicos que, no exercício de sua
jurisdição, decidiu pela procedência delas. O art. 24 da Lei Federal
n°8.935/94, que dispõe sobre os serviços notariais e de registro,
determina que à apuração da responsabilidade criminal desses
profissionais do Direito seja aplicada, “no que couber, a legislação
relativa aos crimes contra a administração pública”, ou seja,
equipara-os aos integrantes da administração pública.
Portanto, o Magistrado trabalhista, recebendo como censura a decisão
judicial de que o título por ele mandado expedir não preenchia as
exigências legais para o registro, volta-se contra o Oficial
Registrador, cabendo a indagação: - onde está a desobediência de
particular a ordem legal de funcionário público ?
- A resposta evidencia o verdadeiro “non sense” do procedimento
vergastado e ao qual cumpre pôr cobro, pela via do HABEAS CORPUS
PREVENTIVO, para assegurar o primado da LEI.
a) Da ausência de justa causa e fundamento da decisão impugnada
São evidentes as lesões ao Código de Processo Penal no acórdão
impugnado. Não poderia, sem ilegalidade, a Turma Recursal do Juizado
Especial da comarca de Belo Horizonte denegar ordem de Habeas Corpus;
tampouco poderia deixar de julgar contrária aos arts. 43, inc. I; 647 e
648, inc. I, III e IV do Código de Processo Penal e ao art. 23, inc. III
do Código Penal a manutenção (por acórdão denegatório de writ) da Ação
Penal em tela, já que obviamente não há crime de desobediência a se
apurar.
Não poderia deixar de dar provimento ao pedido libertário sem ofensa
àqueles Códigos nem às leis nacionais n° 6015/73, 8.935/94.
A sentença da Vara de Registros Públicos foi obedecida pelo Paciente e
seus atos funcionais reconhecidos como fiel cumprimento dos deveres de
sua delegação pública. Vez que se demonstraram as causas de exclusão de
ilicitude previstas no artigo 23, inc. III do Código Penal, por força do
art. 43, incs. I e III do Código de Processo Penal, a notitia criminis –
denunciação caluniosa que vitima Juizado Especial e o Paciente – devia
ter sido sumariamente rejeitada a Ação Penal e concedido Habeas Corpus
pela 2ª Turma Recursal do Juizado Especial Criminal.
A sentença em procedimento de Dúvida da Vara de Registros Públicos, nº
0024.03.030.163-4 transitou em julgado (DOC. 06). O provimento
jurisdicional acerca da licitude e obrigatoriedade da
conduta do Paciente já foi proferido, a jurisdição foi exaurida em
Primeiro Grau, não podendo o Juizado Especial apreciá-las novamente,
como afirmou o Relator da Turma Recursal do Juizado Especial.
Igualmente se demonstrou a natureza ilícita e arbitrária da instauração
da Ação em Processo Penal, diante da pujança de elementos de prova
documental carreados aos autos e sem a fundamentação exaustiva
exigida pelo art. 93, inc IX da Constituição da República.
Os arts. 1º, 18, parágrafo único e 23 do Código Penal, entre vários
outros, definem como elementos do tipo, componentes nevrálgicos e
indissociáveis do tipo penal de injusto tanto a antijuridicidade quanto
a culpabilidade. Se Juízo diverso do criminal, em válido desincumbir-se
de sua competência, atinge reflexamente a pretensão acusatória futura
pela decisão anterior acerca da antijuridicidade, não haverá ação
típica, nem em tese, a apurar.
O juízo de Registros Públicos proferiu sentença a seguinte convicção
sobre a atuação funcional do Paciente e dispôs o comando respectivo,
decisão cujo texto se encontra, nos autos da ação de Habeas Corpus,
desdenhado quando não ignorado pela Turma Recursal que negou provimento
ao pedido.
Literalmente:
“Não constitui simples formalismo a exigência do Oficial,
uma vez que trata-se de preceitos de ordem pública que inadmitem
inobservância por parte de quem quer que seja, sob pena de
desfigurar a segurança, autenticidade e eficácia que emanam dos
registros públicos (art. 1º, da lei 6015 de 31.12.1973). Ante o exposto,
acolho por sentença a presente declaração de Dúvida, recomendando
ao Oficial Registrador que se abstenha de recepcionar o título
até o cumprimento das exigências legais aqui consideradas
pertinentes” (Grifos nossos; vide fls. 23).
Decidiu o juízo competente, com exatidão e apuro técnicos, que era não
só devida a abstenção de registro de documento inábil, julgado à luz da
ordem jurídica julgado imprestável aos fins prescritos ao procedimento
administrativo registral.
Igualmente e em conseqüência necessária desta convicção, o juízo da Vara
de Registros Públicos sentenciou que a conduta negativa era
lícita e que não se pode atribuir senão ao próprio provimento
jurisdicional e à sua base legal a qualidade de causa formal e que a
intenção de obedecer-lhe constitui a finalidade da omissão do Paciente.
Dessarte, em consonância com a norma do art. 23, inc. III do Código
Penal, não há crime se o autor de uma ação sobre cuja licitude se
controverta agiu em estrito cumprimento de dever legal; pode, quando
muito, haver para um olhar desavisado ou preliminar aparência de delito,
a qual logo se desfaz como treva rasgada pelos primeiros fulgores do sol
matutino.
O Código de Processo Penal, em seu art. 43, inc. I prescreve ao juiz o
dever de rejeitar liminarmente denúncia ou queixa quando o fato ali
narrado evidentemente não constituir crime. Mesmo que na ação em tela,
por força do rito da lei 9099/95, não se haja ainda ultrapassado a fase
preliminar de conciliação, é certo que existem ameaça à liberdade
locomotora e dano atual à imagem e à dignidade da pessoa humana do
Paciente, porque esta Ação em processo penal é por si só abusiva e a
mera possibilidade de privação de liberdade legitima manejo de Habeas
corpus.
Por conseguinte, afirmar como se faz na decisão combatida que Habeas
Corpus não é o meio processual adequado a se manejar e que não haveria
ameaça à liberdade é risível e ofensivo aos princípios constitucionais
da dignidade da pessoa humana, da inafastabilidade da jurisdição e da
própria e elástica instituição da nobre ação constitucional e
mandamental (respectivamente art. 1º, inc. III, e art. 5º, incisos XXXV
e LXVIII da Constituição da República e artigos 647 e 648, incisos I,
III e IV do Código de Processo Penal).
Configurada as hipóteses de coação ilegal previstas nos arts. 647
e 648, inc. I, III e IV do Código de Processo Penal, caracterizada a
causa excludente de ilicitude do art. 23, inc. III do Código Penal e
manifesto o caso do imperativo de absolvição sumária e liminar do art.
43, inc I do Código de Processo Penal, é evidente que a 2ª
Turma Recursal do Juizado Especial da Comarca de Belo Horizonte
tornou-se autoridade coatora.
Seu acórdão, sem justo fundamento, negou habeas corpus e
ignorou que o juízo competente rationae materiae da Vara de
Registros Públicos desta Capital, em sentença, já examinara e
concluíra pela legalidade doa atos do Paciente.
Demonstrada a litispendência proibida pelos arts. 301, §§ 1º e 2º e art.
267, inc V do Código de Processo Civil; à luz dos arts. 95, inc. V e
110, §2º; do Código de Processo Penal, nos arts. 5º, inc. XXXVI e,
sobretudo, 93 inc. IX da Constituição da República e arts. 466 e 467
do Código de Processo Civil, impetra-se Habeas corpus e, no mérito,
pede dê-se-lhe provimento para suprimir o acórdão infundado e sua força
coatora.
O PEDIDO.
Em síntese, acolher e dar seguimento ao processo penal, na espécie,
“data venia”, constitui constrangimento ilegal, porque evidencia a
coação e o abuso de autoridade, praticados contra um profissional do
Direito, hoje setuagenário, que construiu, com sua dedicação à causa da
Justiça, um dos nomes mais dignos e um dos exemplos mais eloqüentes das
tradições cívicas do Estado, a quem cabe o conceito externado por MILTON
CAMPOS: “simples, como é do gosto dos mineiros, e austero, como convém à
República”.
Constituindo preocupação para toda a categoria, os Impetrantes batem às
portas do mais Alto Colegiado Judiciário do País certos de que, sob seu
aprisco, o Paciente encontrará, pela concessão da ordem preventiva de
“habeas corpus”, mandando trancar aquela verdadeira ignomínia, a tão
ansiada JUSTIÇA !
De Belo Horizonte, para Brasília, em 10 de maio de 2.005.
p.p. e em seus próprios nomes,
(PAULO PACHECO DE MEDEIROS NETO, OAB/MG. 49.756);
(CLÁUDIA MURAD VALADARES, OAB/MG. 54.336);
(ROBERTO RODRIGUES PEREIRA JÚNIOR, OAB/MG. 80.000); e
(GUILHERME FULGÊNCIO VIEIRA, OAB/MG. 84.644).
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