O Supremo Tribunal Federal concede segurança em sede liminar a mais um
Registrador mineiro. Ao deferir o pedido, o eminente Relator do MS Ministro
Ayres Britto, considerou que o Requerente Wolfgang Jorge Coelho se removeu
em 1.990 para o Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Leopoldina,
função idêntica, após nomeação por concurso público para o Cartório de
Registro de Imóveis de Santos Dumont. Disse ainda que face à segurança
jurídica, a boa fé e a competência constitucional, não é possível o CNJ
desconstituir ato outorgado pelo Executivo Estadual decorrido mais de vinte
anos.
Veja a íntegra da decisão:
DECISÃO: vistos, etc.
Trata-se de mandado de segurança, aparelhado com pedido de medida liminar,
impetrado por Wolfgang Jorge Coelho contra ato do Conselho Nacional de
Justiça. Ato consubstanciado em decisão do Corregedor Nacional de Justiça,
datada de 09 de julho de 2010.
2. Argui o autor que o Conselho Nacional de Justiça, em 21 de janeiro de
2010 e nos termos do art. 2º da Resolução CNJ 80/2009, declarou a vacância
da serventia extrajudicial de que é titular (Registro de Imóveis de
Leopoldina-MG), sob o fundamento de que houve “remoção irregular, inclusive
remoção por simples prova de título entre 05/10/1988 e 08/07/2002, ou
remoção por permuta”. Declaração que o impetrante impugnou, de acordo com o
parágrafo único do art. 2º da mencionada resolução. Impugnação, porém, que
foi desprovida.
3. Sustenta o impetrante violação a seu direito líquido e certo. É que não
teria o CNJ competência para fazer “revisão de legalidade” dos atos do Poder
Executivo, conforme ficou decidido nos autos do PCA 3683. Ademais, o ato de
sua investidura no Registro de Imóveis da Comarca de Leopoldina-MG (remoção,
após ingresso, mediante concurso público, como Oficial de Registro de
Imóveis de Santos Dumont-MG) não seria passível de anulação vinte anos
depois, quando já consumada a decadência de que trata o art. 54 da Lei
9.784/99. Isso em respeito ao princípio constitucional da segurança
jurídica. Por fim, a remoção de que participou o autor estava autorizada
pela Resolução 61/75 (Código de Organização Judiciária de Minas Gerais) e
não ofendeu o art. 236 da Constituição Federal. Daí requerer a concessão de
liminar para suspender os efeitos do ato impugnado.
4. Feito esse aligeirado relato da causa, passo à decisão. Fazendo-o,
pontuo, de saída, que, desde 2009, tenho recebido mandados de segurança cuja
matéria de fundo é a mesma destes autos. Inicialmente, quando nem se
questionava a Resolução CNJ 80/2009 e a lista definitiva de vacâncias,
deferi algumas liminares, acompanhando a tendência que se apresentava entre
os ministros desta Corte (MS's 28.426, 28.265, 28.266, 28.283, 28.439 e
28.440). Mais recentemente, no entanto, e diante de novas questões trazidas
pelo ato do Corregedor Nacional de Justiça (alegada má-fé dos impetrantes,
submissão ao teto de remuneração dos servidores públicos, etc), cheguei a
indeferir medidas cautelares (MS's 28.815, 28.955, 28.957 e 28.959). Penso
que é hora de aplicar um “freio de arrumação” no equacionamento jurídico da
matéria. Pelo que analiso o pedido de medida liminar, agora já mais a par de
todo o quadro fático-jurídico relacionado com estas decisões do Conselho
Nacional de Justiça. Não sem antes afirmar que o poder de cautela dos
magistrados é exercido num juízo delibatório em que se mesclam num mesmo tom
a urgência da decisão e a impossibilidade de aprofundamento analítico do
caso. Se se prefere, impõe-se aos magistrados condicionar seus provimentos
acautelatórios à presença, nos autos, dos requisitos da plausibilidade
jurídica do pedido (fumus boni juris) e do perigo da demora na prestação
jurisdicional (periculum in mora), perceptíveis de plano. Requisitos a ser
aferidos primo oculi, portanto. Não sendo de se exigir, do julgador, uma
aprofundada incursão no mérito do pedido ou na dissecação dos fatos que a
este dão suporte, senão incorrendo em antecipação do próprio conteúdo da
decisão definitiva.
5. No caso, tenho por presentes os requisitos para a concessão da liminar. É
que me impressiona o fato de a declaração de vacância do cartório ocorrer
depois de passados vinte anos da investidura do impetrante. Fato que está a
exigir, penso, uma análise jurídica mais detida. É que o exercício da
delegação a título permanente por um lapso prolongado de tempo confere um
tônus de estabilidade ao ato sindicado pelo CNJ, ensejando questionamento
acerca da incidência dos princípios da segurança jurídica e da lealdade (que
outros designam por proteção da confiança dos administrados).
6. A partir da decisão formal do Tribunal de Justiça do Estado de Minas
Gerais, o impetrante passou a exercer a titularidade (portanto, a título
permanente) da serventia. E o fez ao longo de vinte anos. Entretanto, após
esse período, o Conselho Nacional de Justiça declarou a vacância da
serventia extrajudicial, ao fundamento do não preenchimento dos requisitos
constitucionais e legais para a delegação.
7. Pois bem, considerando o status constitucional do direito à segurança
jurídica (art. 5º, caput), projeção objetiva do princípio da dignidade da
pessoa humana (inciso III do art. 1º) e elemento conceitual do Estado de
Direito, tanto quanto levando em linha de consideração a lealdade como um
dos conteúdos do princípio da moralidade administrativa (caput do art. 37),
faz-se imperioso o reconhecimento de certas situações jurídicas subjetivas
ante o Poder Público. Mormente quando tais situações se formalizam por ato
de qualquer das instâncias administrativas desse Poder.
8. Em situações que tais, é até intuitivo que a manifestação do Conselho
Nacional de Justiça há de se formalizar em tempo que não desborde das pautas
elementares da razoabilidade. Todo o Direito Positivo é permeado por essa
preocupação com o tempo enquanto figura jurídica, para que sua prolongada
passagem em aberto não opere como fator de séria instabilidade
inter-subjetiva ou mesmo intergrupal. Quero dizer: a definição jurídica das
relações interpessoais ou mesmo coletivas não pode se perder no infinito.
Não pode descambar para o temporalmente infindável, e a própria Constituição
de 1988 dá conta de institutos que têm no perfazimento de um certo lapso
temporal a sua própria razão de ser. É o caso dos institutos da prescrição e
da decadência, a marcar explícita presença em dispositivos como o inciso
XXIX do art. 7º, o § 5º do art. 37, o § 5º do art. 53 e a alínea “b” do
inciso III do art. 146.
9. Em casos similares a este, e em reverência ao princípio constitucional da
segurança jurídica, os ministros deste Supremo Tribunal Federal têm deferido
medidas cautelares. Confira-se: MS 28.155, Rel. Min. Marco Aurélio; MS
28.492, Rel. Min. Eros Grau; MS 28.059, Rel. Min. Cezar Peluso; MS 28.060,
Rel. Min. Celso de Mello e MS 29.164, Rel. Min. Dias Toffoli.
10. Sendo assim, e entendendo não estar configurada, neste juízo provisório,
má-fé do impetrante, tenho que é de se preservar o quadro fático-jurídico
até o julgamento do mérito deste mandado de segurança. Não sem antes
advertir, assim como fez o Ministro Joaquim Barbosa no MS 28.453-MC, que “a
medida liminar que ora se concede não pode ser interpretada de modo a
estabilizar quaisquer expectativas ou a consolidar situações fáticas ou
jurídicas”.
11. Ante o exposto, defiro a liminar para suspender os efeitos da decisão do
Corregedor Nacional de Justiça que incluiu o Registro de Imóveis de
Leopoldina-MG na lista definitiva de vacâncias. O que faço sem prejuízo de
u'a mais detida análise quando do julgamento do mérito.
12. Notifiquem-se as autoridades apontadas como coatoras para que prestem,
no prazo de 10 (dez) dias, as informações que entenderem necessárias (inciso
I do art. 7º da Lei 12.016/2009).
13. Oficie-se ao Advogado-Geral da União para que a pessoa jurídica
interessada, querendo, ingresse no processo (inciso II do art. 7º da Lei
12.016/2009).
14. Dê-se vista dos autos ao Procurador-Geral da República.
15. Comunique-se ao CNJ e ao TJ/MG.
16. Intime-se o Advogado-Geral da União desta decisão.
Publique-se.
Brasília, 08 de novembro de 2010.
Ministro AYRES BRITTO
Relator
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