Pedido de vista do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal
(STF), suspendeu nesta quinta-feira (18) a análise sobre a compatibilidade
ou não dos dispositivos legais que autorizam a execução extrajudicial de
dívidas hipotecárias, dispostos no Decreto-lei 70/66, com a Constituição
Federal.
A matéria está sendo analisada no julgamento de dois Recursos Extraordinário
(REs 556520 e 627106), sendo que um deles (RE 627106) teve Repercussão Geral
reconhecida. Isso significa que a decisão tomada pelos ministros deverá ser
aplicada a todos os recursos idênticos em todo país.
Por enquanto, há quatro votos pela incompatibilidade dos dispositivos do
decreto-lei com a Constituição. Posicionam-se assim os ministros Luiz Fux,
Cármen Lúcia Antunes Rocha, Ayres Britto e Marco Aurélio. Outros dois
ministros – Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski – afirmaram que não há
incompatibilidade com a Constituição Federal nas regras que permitem a
execução extrajudicial de dívidas hipotecárias. Eles inclusive lembram que o
Supremo tem uma jurisprudência pacífica sobre a matéria.
O primeiro RE é de relatoria do ministro Marco Aurélio e começou a ser
julgado em maio deste ano. Ele proferiu seu voto na ocasião e, após ser
seguido pelo ministro Luiz Fux, o julgamento foi adiado por um pedido de
vista do ministro Dias Toffoli.
Nesta tarde, o ministro Marco Aurélio não chegou a votar no RE 627106, de
relatoria de Dias Toffoli. Os processos passaram a ser julgados
conjuntamente porque, antes de proferir seu voto na matéria, o ministro Dias
Toffoli lembrou que havia pedido vista no RE 556520, sob relatoria do
ministro Marco Aurélio.
Devido processo legal
Os quatro ministros que defendem a incompatibilidade da execução
extrajudicial de dívidas hipotecárias com a Constituição de 1988 afirmam que
ela ofende o devido processo legal. Nesta tarde, o primeiro a se pronunciar
nesse sentido foi o ministro Luiz Fux.
“Esse decreto-lei inverte completamente a lógica do acesso à justiça”,
disse. “O devedor é submetido a atos de expropriação sem ser ouvido e se ele
eventualmente quiser reclamar ele que ingressa em juízo”, emendou. Para Luiz
Fux, o procedimento de expropriação de bens do devedor sem a intervenção de
um magistrado afronta o princípio do devido processo legal.
A ministra Cármen Lúcia ressaltou a jurisprudência assentada sobre a
matéria, mas lembrou que isso não significa que o entendimento não possa ser
modificado, como ela entende que deve ocorrer. “A análise do que se tem no
Decreto-lei 70/66 desobedece, a meu ver, os princípios básicos do devido
processo legal, uma vez que o devedor se vê tolhido nos seus bens sem que
haja a possibilidade imediata de acesso ao Poder Judiciário”, disse.
O ministro Ayres Britto concordou que, no caso, há desrespeito ao devido
processo legal. “O Decreto-lei 70/66 consagra um tipo de execução privada de
bens do devedor imobiliário que tem aparência de expropriação, na medida em
que consagra um tipo de autotutela que não parece corresponder à teleologia
da Constituição quando (esta) fala do devido processo legal”, afirmou.
Quando votou sobre a matéria, no dia 25 de maio deste ano, o ministro Marco
Aurélio também frisou que a Constituição determina que a perda de um bem
deve respeitar o devido processo legal e, portanto, deve sempre ser
analisada pelo Poder Judiciário. “Ninguém pode fazer justiça com as próprias
mãos.”
Divergência
Primeiro a votar nesta tarde, o ministro Dias Toffoli votou no sentido de
manter a jurisprudência assentada pelo Supremo na matéria e afirmar que o
Decreto-lei 70/66 foi recepcionado pela Constituição.
Ele citou decisões antigas sobre o tema que ressaltam que as regras do
decreto-lei não representam uma supressão do processo de execução do efetivo
controle judicial, mas tão-somente um deslocamento do momento em que o Poder
Judiciário é chamado a intervir. No caso, o executado poderá buscar
reparação judicial se entender que teve seu direito individual de
propriedade lesado.
Dias Toffoli acrescentou que os demais tribunais do país passaram a adotar o
mesmo entendimento do Supremo diante do firme posicionamento jurisprudencial
da Corte sobre a matéria. “Mostra-se de rigor a reafirmação dessa pacífica
jurisprudência para que se reconheça agora, com a autoridade de matéria cuja
Repercussão Geral já foi reconhecida pelo plenário virtual da Corte, a
recepção, pela Constituição Federal de 1988, das normas do Decreto-lei
70/66, que cuidam da execução extrajudicial”, concluiu.
O ministro Ricardo Lewandowski iniciou seu voto expressando preocupação com
o volume de processos judiciais existentes no país e ressaltando o esforço
do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para estimular a mediação, a
conciliação e a arbitragem. Ele falou ainda que o financiamento da casa
popular vem crescendo e, diante disso, é preciso pensar em mecanismos ágeis
para que esse mercado em expansão possa funcionar adequadamente.
“Entendo que, desde o momento que o Decreto-lei 70/66 foi concebido, teve-se
em mente a desburocratização do sistema de financiamento da casa própria e
do imóvel para a pessoa física”, disse. Ele também frisou o fato de o
Supremo ter uma jurisprudência sólida sobre a matéria tanto antes quanto
depois da promulgação da Constituição de 1988.
Citando argumentos do professor Orlando Gomes, o ministro Ricardo
Lewandowski lembrou ainda que o decreto-lei não impede ou proíbe o acesso à
via judicial e que em qualquer fase da execução extrajudicial é possível o
acesso ao Judiciário. “Portanto, se houver qualquer ofensa ao devido
processo legal no que tange a essa execução extrajudicial, a parte que se
considera prejudicada pode acorrer ao Judiciário”, afirmou.
Pedido de vista
Ao pedir vista dos processos, o ministro Gilmar Mendes se disse
“extremamente preocupado” com o que classificou de “forma de pensar” que
traz sempre mais questões para o Judiciário. Para o ministro, o modelo que
se desenha “sobre onera, sobremaneira, o Judiciário” e “o inviabiliza de
forma clara, trazendo inclusive custos adicionais para o modelo de contrato
e de financiamento”.
“A mim parece que a ideologia hoje presente é de realização de direitos, se
necessário, com a intervenção judicial”, disse. Segundo o ministro, em
países que respeitam o “estado de direito” é muito comum a prática de
execução nos moldes do Decreto-lei 70/66. “Tendo em vista os votos já
avançados no sentido da não recepção (do decreto-lei pela Constituição), vou
pedir vista dos autos para trazer um exame mais acurado do tema”, concluiu.
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25/05/11 -
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