Usufruto - Vedada a alienação somente após o registro no R.I


No processo de dúvida inversa, n. 024.05.786.301-1, que tramitou na Vara de Registros Públicos de Belo Horizonte, ficou decidido que antes do registro do usufruto não há vedação de sua alienação. A proibição da venda do usufruto somente ocorre com registro perante o fólio real, antes haverá apenas negócio jurídico em forma solene especial disciplinado no campo do direito obrigacional, ou seja, direito pessoal, portanto não sendo razoável falar-se em alienação de algo que no plano jurídico sequer ainda existe.

Veja o inteiro teor da sentença proferida em 28/10/2005.

Sentença

Dúvida inversa que surge perante este Juízo especializado a requerimento de Adriane Cristina Vieira Santos, a propósito de pública forma de compra e venda do imóvel matriculado sob o n. 68.080, lavrada em Notas do 1º Serviço Notarial local, à fl. 187 do Livro n. 1.250-N, de 29.04.05, cujo registro fora recusado pela Oficiala Substituta do 5º Serviço do Registro de Imóveis local ao argumento de negativa de vigência ao disposto no art. 1.393 do Código Civil de 2002, salientando a interessada no registro e aqui suscitante a legalidade do negócio jurídico formalizado no título em apreço e que outra opção não lhe restou a não ser formalizar a dúvida inversa diante do imotivado retardamento na suscitação da dúvida por parte da Oficiala registradora, em que pese requerimento por escrito formulado neste sentido.

A nota de dúvida veio instruída com os documentos de fl. 09/19, seguindo-se o despacho de fl. 20, juntada da certidão atual da matrícula de n. 68.080, resposta da Oficiala registradora e manifestação do Dr. Curador dos Registros Públicos, no sentido da improcedência da dúvida.

Com este relatório do essencial, encaminho a necessária decisão.

De início, em que pese a dúvida seja do Oficial registrador, no sentido de que a legitimação para deflagrá-la é sua, a partir de requerimento firmado pelo interessado no registro, tal como previsto no rito traçado pela Lei n. 6.015 de 1973, tem-se que diante da natureza administrativa deste procedimento, que se afeiçoa à jurisdição voluntária, não fica o juiz adstrito ao critério da legalidade estrita, podendo adotar a solução que repute a mais oportuna e conveniente no caso concreto (art. 1.109 do CPD), notadamente quando a solução adotada vise a assegurar efetividade a direito e garantia fundamental previsto no art. 5º, inciso XXXV da Constituição da República, que impede à lei excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. Assim, a chamada dúvida inversa, fruto de construção pretoriana, situa-se como legítimo instrumento processual no ordenamento em vigor disponível a qualquer interessado em registro de título em Serviço Registral, quando haja recusa ou imotivado retardamento na confecção da dúvida pelo delegatário de serviço de natureza pública, que detém legitimação preferencial, porém não privativa a tanto.

Assentadas tais considerações preliminares, no caso dos autos pretende a interessada o registro da pública forma de compra e venda do imóvel matriculado perante o 5º SRI local sob o n. 68.080, na qual previu-se, além, o usufruto da coisa alienada, de modo que às três primeiras outorgadas compradoras fique pertencendo a nua-propriedade e à quarta e última outorgada compradora o usufruto em caráter vitalício do imóvel objeto do mencionado título.

Enxerga a Oficiala registradora em tal avença ofensa ao disposto no art. 1.393 do Código Civil de 2002, que peremptoriamente veda a alienação do usufruto, bem como ausência de prova quanto ao recolhimento dos tributos incidentes (ITBI e ITCD).

Em verdade a questão é simples e não exige maiores elocubrações.

O usufruto é modalidade de direito real de fruição que consiste na possibilidade de disposição da posse, uso, administração, utilidades e frutos de uma coisa enquanto destacado da propriedade. Ocorre que, quando incidente sobre coisa imóvel, no todo ou em parte, e desde que não resulte de usucapião, somente institui-se o direito real usufruto após o registro no Serviço de Registro Imobiliário da situação do Imóvel (art. 1.391 CC).

Então, para que ocorra a instituição deste direito real com todos os atributos que lhe são inerentes e, sobretudo o destaque da propriedade que passará de plena a limitada, indispensável o registro de sua instituição na matrícula do fólio real respectivo, mais precisamente no Livro n. 2.

Antes, haverá apenas negócio jurídico em forma solene e especial disciplinado no campo do direito obrigacional, ou seja, direito pessoal, portanto não sendo razoável falar-se em alienação de algo - direito real - que no plano jurídico sequer ainda existe.

Penso que assim deva ser lida e interpretada a restrição contida no referido art. 1.393 do Código Civil de 2002, posto que a vedação da alienação do usufruto pressupões a constituição do direito real - seu registro perante o fólio real - antes do que não há usufruto e muito menos na eventual alienação de algo que sequer tem eficácia. Uma vez instituído o direito real usufruto mediante seu registro, somente após é que estará vedada sua alienação, o que se daria, por exemplo, na hipótese de usufruto sucessivo, figura em que o usufrutuário exerce seus direitos e por sua morte, condição ou termo determinados, os transmite a outrem ou sucessor.

No que se refere à tributação incidente sobre tal negociação jurídica e nos limites da fiscalização atribuída ao registrador pelo art. 289 da Lei dos Registros Públicos, c.c. art. 3º, XI da Lei n. 8.935 de 1994, a instituição de usufruto a título oneroso acarreta hipótese de incidência do ITBI ao Município, incidindo a alíquota sobre a base de cálculo de 1/3 da avaliação da propriedade plena, nada mais; tal como constou da pública forma em apreço, tornando-se, nas circunstâncias, insubsistente exigência a tal respeito.

Por último, assinalo, em caráter normativo, que o requerimento de suscitação de dúvida, a partir de prenotação de título, por não se conformar com exigência formulada, constitui direito público subjetivo do interessado no registro que não pode ser obstado ou mesmo retardado pelo oficial registrador, disponde este do prazo de trinta (30) dias para deflagração da dúvida, contando do protocolo de requerimento neste sentido. Além disso, reitero que o Oficial registrador não deve persistir na formulação de exigências que reiteradamente tenham sido julgadas insubsistentes por este Juízo em casos similares.

Com tais considerações, e por tudo o mais que dos autos consta, julgo improcedente a dúvida, por considerar insubsistentes as exigências formuladas no caso em apreço, recomendando a Oficiala Registradora que recepcione tal título em seu fólio real, observadas as demais formalidades legais.

Sem custas, cumprindo-se o roteiro traçado no art. 203, II da Lei n. 6.015 de 1973.

P.R.I.

Belo Horizonte, 28 de outubro de 2005.

Juiz Marcelo Guimarães Rodrigues


Fonte: Departamento Jurídico da Serjus - 08/11/2005