PODER JUDICIÁRIO DO
ESTADO DE MINAS GERAIS
JUSTIÇA DE 1ª INSTÂNCIA
Processo nº 1986/2002
Impetrante: OMAR DE OLIVEIRA
Impetrado: OFICIAL DO CRI DA COMARCA DE SANTA RITA DE CALDAS
Vistos.
OMAR DE OLIVEIRA, qualificado nos autos, impetrou mandado de segurança
em face de ato do senhor OFICIAL DO CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE
SANTA RITA DE CALDAS, sustentando o seguinte, em síntese:
O impetrante buscou promover o registro do formal de partilha extraído
dos autos de processo nº 51/97, que lhe atribuiu a propriedade do
correspondente a 50% do imóvel objeto da matrícula nº 1695. Para
proceder ao registro, exigiu o senhor Oficial a prévia averbação na
matrícula da área de reserva legal, sustentando se tratar de
exigência legal. A solicitação do impetrante, o senhor Oficial do
Cartório de Registro de Imóveis forneceu certidão ratificando a
exigência.
Citou diversas peças jurídicas que lhe embasam a pretensão e aduziu,
ao final, ser ilegal a exigência, à qual falta amparo legal.
Requereu liminarmente a determinação para que se proceda ao registro
do formal, independentemente de averbação da área de reserva legal.
Protestou também pela concessão da segurança, tornando definitiva a
liminar pretendida.
Deu valor à causa e instruiu a inicial com documentos de f. 14/16.
Decisão de f. 18-9 indeferiu a liminar.
Manifestou-se a autoridade coatora a f. 21-8, manifestando-se em
concordância com o pleito, solicitando autorização judicial para
proceder ao registro independentemente da averbação da área de
reserva legal.
Parecer ministral a f. 30-2, opinando pela denegação da segurança.
É o relatório
Decido.
O feito se encontra em perfeita ordem. Não há nulidades a sanar nem
omissões a suprir e presentes se fazem as condições da ação, além
dos pressupostos processuais.
Depois de detidamente examinar a matéria dos autos, estou convencido de
que tem o impetrante direito à segurança almejada.
A essa conclusão se chega interpretando a norma que incluiu o § 8º ao
art. 16 do Código Florestal, em conformidade com outros textos legais.
Vem o dispositivo recebendo entendimento no sentido de que é
obrigatória a averbação da área de reserva legal nos casos de
alienação a qualquer título, desmembramento e retificação do
registro, não se tratando de faculdade do registrador e do
proprietário, mas de imposição legal.
Porém, não é a melhor interpretação a ser dada ao dispositivo
legal.
A averbação é obrigatória e decorre de imposição legal,
realmente, não se tratando de mera faculdade.
Porém, o que ocorre nos casos de alienação, desmembramento ou
retificação é a vedação á alteração da destinação da área de
reserva legal, que permanecerá gravada com tal característica. Não
surge a obrigatoriedade da averbação tão-só pelo advento de uma
daquelas hipóteses.
Ainda que desmembrada a área, aquela porção correspondente a no
mínimo 20% do imóvel não poderá receber outra destinação.
Permanecerá indefinidamente como área de reserva legal.
A delimitação da área de reserva legal, contudo, é incumbência do
proprietário junto aos órgãos administrativos pertinentes. Tomadas as
providências relativas à delimitação da área, aí sim, caberá sua
averbação na matrícula do imóvel.
Embora se infira claramente do texto da Medida Provisória nº 1956-50 o
entendimento no sentido de que será obrigatória a averbação nos
casos de alienação, desmembramento e retificação, tenho como certo
não ter sido exatamente essa a vontade de seu redator.
Carece o texto de interpretação que o coloque em situação de
compatibilidade com os princípios que regem a matéria, principalmente
no que tange ao registro de imóveis.
Ter-se como obrigatória a averbação da área de reserva legal nos
casos mencionados vem gerando situação incompatível com a almejada
segurança dos registros imobiliários. Põe em risco a, própria
segurança das relações jurídicas.
Embora ainda não o seja, busca o sistema de registro de imóveis
nacional em vigência ser repositório fiel e seguro de todos os
imóveis existentes, evitando que um se confunda com qualquer outro. É
esse o espírito da Lei nº 6015/73 quando trata do Registro de
Imóveis.
Submeter o registro de ato translativo do domínio a providências do
interessado junto aos órgãos diversos da Administração, voltados à
preservação do meio ambiente, impede o imediato registro, em
detrimento da almejada segurança do registro imobiliário.
Por diversas razões, na prática, não se vem procedendo à averbação
da área. Sequer se promove a delimitação dela, principalmente por
questões financeiras e pela deficitária estrutura dos órgãos com
atribuição para tanto.
Tal situação não pode prejudicar o sistema de registro de imóveis,
essencial á segurança das relações jurídicas, como repositório dos
imóveis, suas confrontações, seus proprietários e localização
exata.
A própria continuidade dos registros imobiliários vem sofrendo
prejuízos sérios, na medida em que as alterações dominiais não são
registradas.
A obrigatoriedade do registro também. Embora devido o registro, a ele
não se procede, muitas vezes, porque o interessado não toma as medidas
que lhe cabem quanto à reserva legal.
Por tais razões é que revejo o posicionamento anteriormente adotado,
tornando certo que cumpre ao proprietário de bem imóvel rural adotar
as medidas necessárias junto aos órgãos administrativos com
atribuição para delimitar a área de reserva legal. Definida a área,
seguir-se-á a averbação propriamente dita, junto à matrícula do
imóvel.
Não cabe ao Poder Judiciário zelar pela adoção de medidas do
interessado junto aos órgãos da Administração Pública voltados à
preservação ambiental, em detrimento da segurança dos registros de
imóveis. A última sim, é de responsabilidade direta do Poder
Judiciário.
O ponto de vista de Fábio de Oliveira Luchési merece ser transcrito,
quanto ao que tange à matéria destes autos, porque pertinente e
elucidativo:
" A mesma
conclusão - ausência de ofensa ás disposições do Código Florestal
- é imperativa para os imóveis rurais que, não obstante não
contenham quaisquer áreas de florestas. tenham se originado de
desmembramentos de imóveis rurais que, antes dos respectivos
desmembramentos, integravam imóveis que tinham sido desmatados de
conformidade com o regramento que esteve em vigor nesse período, porque
não existia qualquer proibição de desmembramento, ou mesmo de
divisão, judicial ou amigável, de imóveis rurais em parcelas
distintas e em que algumas dessas parcelas ficassem despidas de qualquer
revestimento florestal nativo ou regenerado, fato que, por igual, não
tinha o condão de impedir que a propriedade remanescente ou que o lote
resultante da divisão e que tivesse ficado total ou parcialmente
coberto por florestas não pudesse vir a ser desmatado e explorado na
forma do que autorizava o art. 16 do Código Florestal, em sua redação
original.
E foi em razão exatamente desse fato, e para impedi-lo a partir de
então, que na MedProv 1956-50, de 26.05.2000, se estabeleceu a regra
constante do atual § 8º do art. 16 do vigente Código Florestal, in
verbis:
"§ 8º A área
de reserva legal deve ser averbada á margem da inscrição da
matrícula do imóvel, no registro de imóveis competente, sendo vedada
a alteração de sua destinação, nos casos de transmissão, a qualquer
título, de desmembramento ou de retificação de área, com as
exceções previstas neste Código."
Outra razão para essa colacionada disposição do § 8º do art. 16
está em que somente estavam obrigados a proceder á averbação das
áreas de reserva legal - como visto - os proprietários que tivessem em
seus respectivos imóveis - " no mínimo" - área ainda
coberta de florestas nativas ou regeneradas em quantidade igual ou
superior a 20% da extensão total desses imóveis, ficando fora dessa
obrigação todos os proprietários que, mesmo tendo imóveis rurais com
quaisquer porções de florestas, a respectiva extensão não atingisse
o mínimo indicado.
Com o novo regramento, contudo, todos os proprietários rurais ficaram
obrigados a averbar a existência dos maciços florestais acaso ainda
existentes em seus imóveis, ainda mesmo que de extensão total inferior
ao mínimo determinado nos diversos incisos no caput do mesmo art. 16.
Nada melhor do que um exemplo concreto, para bem compreender-se o que
legalmente acontecia nos imóveis rurais, antes do advento do texto do
referido § 8º ao art. 16 do vigente Código Florestal e que, vale
repetir, somente passou a ter vigência a partir de 26.05.2000.
Imagine-se, para esse fim, um imóvel rural com a extensão de 10.000
ha, totalmente coberto de florestas nativas ou regeneradas, já na
vigência do Código Florestal de 1965. "A", o respectivo
proprietário, amparado na lei, tem o direito de proceder ao
desmatamento de uma área correspondente a 8.000 ha desse imóvel e
efetivamente obteve o Poder Público as licenças necessárias para esse
fim e levou a cabo esse desmatamento. Consideremos, então, que essa
área de 2.000 ha de reserva legal de florestas e de preservação
permanente ficou totalmente localizada em uma das extremidades desse
imóvel.
E, como essa área não tem mais aproveitamento econômico para
"A", resolve ele desmembrá-la do seu Imóvel original e
transmiti-la, por qualquer título que seja (venda, doação, dação in
solutum etc.) para o domínio de "B". Por certo que
"B", como novo proprietário desse imóvel de 2.000 ha,
totalmente coberto de matas nativas ou regeneradas, quer proceder ao
respectivo aproveitamento econômico e sem dúvida que, nos termos do
que dispunha o art. 16 do Código Florestal, tinha o direito de obter do
Poder Público a correspondente licença (a essa licença não lhe era
negada!) para proceder ao desmatamento de uma parcela correspondente a
80% (oitenta por cento) de sua área total. Assim, "B" obteve
as licenças, como era de seu direito, e procedeu ao desmatamento de
1.400 ha desse seu imóvel rural, reservando, como determinava a lei,
20% (vinte por cento) da área total de seu imóvel como sendo de
reserva legal de preservação permanente.
Mas como para "B" aqueles 400 ha de matas deixaram de
representar um interesse econômico, resolve ele que havia deixado essa
área confinada em um bloco único e abrangente tanto da área de
reserva legal quanto da de preservação permanente, e também
aliená-la, agora, em favor de "C".
E sem dúvida que "C", de seu turno, não está impedido de
explorar o seu imóvel, de modo que, se a área considerada de
preservação permanente acaso corresponder exatamente a 80 ha, ou seja,
a 20% (vinte por cento) da área total desse seu imóvel, tinha
"C", também, o direito de obter do Poder Público as
licenças necessárias para efetuar o desmatamento dos remanescentes 320
ha de seu imóvel.
Tudo, no exemplo formulado, está de acordo com os regramentos legais
que - em matéria de florestas - tiveram vigência até 26.05.2000 e a
consequência foi que, de um imóvel com a extensão original de 10.000
ha, a que correspondia uma área de reserva legal de florestas e de
preservação permanente de 2.000 ha, legalmente, isto é, sem
infringência a qualquer disposição de lei, ao final, ficou sem
qualquer cobertura florestal que pudesse corresponder à "reserva
legal de florestas" e remanesceu, apenas, ainda cobertas de matas,
as áreas classificadas como sendo de "preservação
permanente" e com a extenção de apenas... 80 ha.
Essa foi uma consequência que o legislador do Código Florestal de 1965
não previu e nem remediou e que, somente agora, com o advento da
MedProv 1.956-50, de 26.05.2000, ficou corrigida.
Contudo, formulando o mesmo exemplo já sob a vigência da MedProv
1.956-50, por certo que aquele imóvel de "A" teria ficado
não só com as áreas de preservação permanente devidamente
protegidas, como também que a área de reserva legal do seu imóvel e
que teria, somente esta, a extensão de 2.000 ha, não poderia mais ter
sua destinação alterada por qualquer forma.
Isso não significa que "A" estivesse perdido o direito de
disposição dessa área; apenas a destinação dela é que jamais
poderá ser modificada.
Aí sim a "imutabilidade" da reserva legal de que pensam estar
a falar os representantes do Ministério Público quando têm tratado
dessa matéria.
Daí, também, a razão da definição dada à "reserva
legal", conforme a dicção do art. 1º, § 2º, III, do Código
Florestal, como consequência da alteração introduzida pela tão
referida MedProv 1.956-50, de 26.05.2000.
Imperioso concluir, portanto, relativamente á obrigação de
averbação das áreas de reserva legal de florestas, que os
proprietários de imóveis rurais, agora, devem fazê-las nas
matrículas imobiliárias de seus respectivos imóveis, conforme a
exigência do § 8º do art. 16, em sua atual redação, quaisquer que
sejam as extensões dos maciços florestais ainda existentes em seus
respectivos imóveis.
Apenas no caso em que os imóveis rurais ainda contenham área coberta
de matas em quantidade superior a 20% (vinte por cento), desconsideradas
as áreas classificadas pela lei como sendo de "preservação
permanente", é que essa averbação, relativamente à área de
"reserva legal", abrangerá, no mínimo, 20% da área total do
imóvel.
E as áreas de florestas de reserva legal assim averbadas, portanto,
feitas a partir da vigência da MedProv 1.956-50, de 26.05.2000, não
poderão ter alteradas essa destinação, seja nos casos de transmissão
do imóvel a qualquer título, seja nos casos de desmembramento ou
divisão da área, seja ainda em decorrência de procedimento de
retificação de área".
A implementação da área de reserva legal é de grande
importância para a preservação ambiental e sua destinação não pode
ser alterada, ainda que sobrevenham modificações decorrentes de
alienação a qualquer título, desmembramento ou retificação de
área. Contudo, não há óbice ao registro de escritura relativa a ato
translativo da propriedade, ainda que não promovida a averbação da
área de reserva legal.
Posto isso, julgo procedente o pedido e autorizo o registro do formal de
partilha independentemente da averbação da área de reserva legal.
Julgo extinto o processo na forma do art. 269, I do Código de Processo
Civil:
Oficie-se ao Cartório do Registro de Imóveis, comunicando o teor da
sentença presente:
Transitada em julgado e cumpridas as formalidades legais, arquivem-se os
autos.
P. R. I. C. Santa
Rita de Caldas, 19 de novembro de 2002.
Carlos Cesar de Chechi e Franco Pinto
Juiz de Direito
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