Depois de proferir uma aula magna no
Curso de Introdução ao Direito Registral Imobiliário no último
dia 9 de novembro, o desembargador Ricardo Dip nos concedeu a entrevista
abaixo reproduzida.
Ricardo Dip, nas palavras de seu colega desembargador José Renato Nalini,
“conferiu dignidade aos estudos registrais e transfundiu força nova à
carreira extrajudicial. A abrangência de suas idéias foi entranhada no
singular ordenamento produzido pela Corregedoria Geral de Justiça do Estado
de São Paulo, pois assessorou os Desembargadores Sylvio do Amaral e Dinio de
Santis Garcia. Na gestão deste último, comandou a valorosa equipe
especializada no tema, fator propício de consolidação de sua influência no
polimento de um universo que permaneceu ignavo durante décadas”.
Tendo sido convidado pela Escola Paulista da Magistratura, em parceria com a
UniRegistral – Universidade Corporativa do Registro, na concretização do
Projeto Educartório, o desembargador Ricardo Dip entrega aos novos
registradores a fina flor da doutrina registral e notarial pátria.
i-Registradores: Ainda uma vez se volta a cogitar, no ambiente acadêmico,
do tema recorrente dos “princípios registrais”. Como o Sr. vê essa
persistência no tema?
RD: Os princípios registrais são alicerce do saber científico do registro.
Isso se reconhece facilmente.
Mas, além disso, são uma espécie de critérios de “bons modos”, que nos dizem
também a maneira de atuar, ou seja, de saber prudencialmente o registro,
caso a caso.
Não vejo que seja demasia essa recorrência temática sobre saberes quase
infinitos.
O Sr. julga que será possível ainda alguma originalidade no tratamento
dos princípios registrais?
RD: Sua pergunta é instigante. Ainda ontem eu conversava com o Dr. Sergio
Jacomino acerca da grandeza e da miséria das originalidades.
Há, de fato, uma originalidade frequentemente dispensável, que é a do
novidadismo. A busca de aspectos novos pelo gosto da novidade. Original é aí
o novo por si só.
Mas há também uma originalidade sábia: é a da volta às origens para extrair
não propriamente o antigo, senão que o permanente, para aprofundar a
história das coisas e inventá-las de maneira cada vez mais atraída por seu
mistério.
As coisas todas têm seu mistério —seu numen— e é por isso que elas encantam.
Ser original, nesse sentido, é ir às origens para inventar o mais oculto dos
entes que sindicamos. Acercamo-nos, assim, crescentemente, da verdade das
coisas, ou seja, do encanto das coisas, ou talvez, assim o disse Afonso
Botelho, do “canto das coisas”.
O Dr. Jacomino lembrou, a propósito, uma passagem da Ortodoxia, logo no
primeiro capítulo, em que Chesterton nos fala, com a genialidade de sua
escrita, do iatista inglês que descobriu a Inglaterra pensando inventar uma
nova ilha nos mares do Sul: “I have often had a fancy for writing a romance
about an English yachtsman who slightly miscalculated his course and
discovered England under the impression that it was a new island in the
South Seas”.
Ainda agora muito se fala de um “novo” princípio registral, o da
concentração. Com ele se descobre apenas o fólio unitário —real ou pessoal,
não importa—, em contraste com a diáspora de livros. Essa “novidade” já era
antiga ao tempo em que, entre nós, a referiu Philadelpho Azevedo. Não era
uma new Island; era só a velha Inglaterra.
É preciso admitir, porém, que o Sr. vê e trata com originalidade o
princípio da segurança jurídica…
RD: Eu, de fato, não me proíbo de chegar à Inglaterra e ver-lhe os variados
aspectos. Reconheço que essa recorrência é uma novidade cognoscitiva. Estou
mesmo em busca dessa persistente novidade. Mas é a novidade que progride
segundo a tradição. É a novidade da permanência. Ou melhor, a permanência da
novidade. Essa novidade é coetânea das origens. Seu escopo é a verdade de
sempre.
Diversamente, a idéia de criar coisas “novas” pelo gosto da novidade deprime
as origens, frauda-as se necessário à eclosão do novo, porque seu objetivo é
o de ignorar, quando não romper, com essas origens. Tem a eiva das mutações
velozes. O novo, nesse quadro, não se vincula com o pretérito.
Vê-se que o novidadismo é revolucionário, porque, se calhar, pensa em criar
ex nihilo. A melhor originalidade, ao revés, é a da tradição, porque não
destrói o passado, mas dele conserva a potencialidade para o futuro. E nada
mais dinâmico, afinal, do que a tradição, do que a entrega de legados.
O primeiro Maritain, no Antimoderno, disse mesmo que há um tipo de
contramoderno que está na vanguarda do progresso. Ele tinha razão.
Qual é a novidade que, da segurança jurídica, pode dizer-se coetânea do
passado?
RD: A meu ver, a grande e verdadeira novidade da segurança jurídica está na
constante descoberta de que ela é apenas um segmento da entranhada busca
antropológica da segurança em geral.
Todos queremos estar seguros. Estar seguro é privar-se de temor. Mas isso
estende-se da segurança monástica à social, da segurança diante do cosmos e
até mesmo diante de Deus.
Redescobrir o valor da “segurança” ex toto genero suo ilumina muitíssimo o
tema da segurança jurídica.
Publicado por: Sérgio Jacomino
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