APELAÇÃO CÍVEL - RETIFICAÇÃO - REGISTRO DE NASCIMENTO - TRANSEXUAL -
CIRURGIA DE TRANSGENITALIZAÇÃO REALIZADA - ALTERAÇÃO DO NOME - POSSIBILIDADE
- RESPEITO AO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA - EXPOSIÇÃO A
SITUAÇÕES VEXATÓRIAS E HUMILHANTES - ALTERAÇÃO DA DESIGNAÇÃO DO SEXO -
IMPOSSIBILIDADE - PRECEDENTES
Apelação Cível n° 1.0024.07.769997-3/001 - Comarca de Belo Horizonte -
Apelante: R.O.A. - Relator: Des. Barros Levenhagen
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na
conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, em dar
provimento parcial, vencido, em parte, o Vogal.
Belo Horizonte, 15 de outubro de 2009. - Barros Levenhagen - Relator.
N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S
Assistiu ao julgamento, pelo apelante, a Dr.ª Flávia E. Xavier.
DES. BARROS LEVENHAGEN - Trata-se de recurso de apelação interposto por
R.O.A. contra sentença proferida pelo MM. Juiz de Direito José de Carvalho
Barbosa às f. 120/125, que julgou improcedente o pedido de retificação de
registro de nascimento formulado pelo autor, ora apelante.
Pugna pela reforma da sentença alegando, em síntese, que os constrangimentos
suportados pelo apelante diante da notória incompatibilidade das informações
trazidas nos seus documentos com a sua aparência física, mormente após a
realização da cirurgia de transgenitalização, justificam a retificação do
nome e do sexo no seu registro de nascimento, estando a d. sentença
monocrática a afrontar o princípio constitucional da dignidade humana (f.
129/141).
A d. Procuradoria-Geral de Justiça, no parecer de f. 151/160, manifestou-se
pelo desprovimento do recurso.
É o relatório.
Conheço do recurso, presentes os pressupostos de admissibilidade.
De todo o processado infere-se que o autor, com diagnóstico médico de
"Transtorno de Identidade Sexual", foi submetido à "Cirurgia de
Transgenitalização" pela Faculdade de Medicina de Jundiaí, almejando,
através da presente ação, a alteração do seu registro civil para constar o
nome de R.O.A., como já é conhecido, e a designação do sexo feminino.
O art. 57 da Lei de Registros Públicos admite a alteração do nome civil, por
meio de exceção e motivadamente, desde que não leve à perda de
personalidade, à impossibilidade de identificação da pessoa e nem prejudique
terceiros.
A redação imprimida ao parágrafo único do art. 55 da Lei 6.015/73 permite,
ainda, concluir que a lei autoriza a mudança do nome quando sua manutenção
expõe seu titular às situações constrangedoras e vexatórias.
A propósito:
``Ementa: Jurisdição voluntária. Registro civil. Retificação do nome.
Constrangimento. Possibilidade. É admitida a retificação do prenome, quando
notória a exposição vexatória, visando preservar a dignidade de seu
portador, um dos direitos garantidos pela Constituição Federal (Número do
processo: 1.0024.06.102253-9/001 - Relator: Maurício Barros - Data do
julgamento: 17.04.2007. - Data da publicação: 1º.06.2007).
Dessarte, a Lei de Registros Públicos deve ser interpretada em consonância
com os princípios e fundamentos da Constituição Federal, permitindo ao
indivíduo exercer, em sua plenitude, os direitos decorrentes da dignidade da
pessoa humana.
O nome constituiu um dos atributos mais importantes da personalidade, pois é
através dele que a pessoa é conhecida na sociedade durante a sua vida e até
mesmo após a sua morte.
In casu, o fato de o autor, ora apelante, viver publicamente como mulher,
sendo conhecido como "R.", prenome feminino, justifica o pedido de alteração
do nome no seu assento de nascimento, considerando que o prenome
originalmente registrado - R. - está em descompasso com a sua identidade
social, sendo capaz de expor o recorrente a situações vexatórias e
constrangedoras.
Conforme consignado pelo Desembargador Wander Marotta por ocasião do
julgamento da Apelação Cível nº 1.0024.05.778220-3/001,
"A opção sexual do autor deve ser respeitada sem que com isso possa ser
submetido a situações vexatórias. Atualmente seu nome não corresponde a seu
aspecto físico, num divórcio que fatalmente o deixará exposto a situações de
ridículo" (7ª Câmara Cível TJMG - DJMG de 06.03.2009).
No que concerne ao pedido de alteração no registro civil da designação do
sexo de masculino para feminino, a situação é mais complexa.
O assento de nascimento deve conter a realidade e, na hipótese, o fato de o
autor ter se submetido à cirurgia de transgenitalização não o torna, do
ponto de vista genético, pessoa do sexo feminino.
Dessarte, geneticamente, o apelante sempre será do sexo masculino, pela
presença dos cromossomos sexuais "XY", que são imutáveis, associado à total
impossibilidade de procriar, pela ausência de ovários e útero.
Nesse contexto, se a carga genética continua a mesma, isto é, se o apelante
continua com conformação genética do sexo masculino pela presença dos
cromossomos sexuais "XY", não há como proceder a alteração da designação do
sexo no assento de nascimento do recorrente, pois esta alteração, na
realidade, não ocorreu.
Conforme observado pelo em. Desembargador Moreira Diniz no julgamento da
Apelação Cível nº 1.000.00.296076-3.001,
"[...] não há como deferir alteração de sexo no registro civil, se a pessoa
não teve alterado o seu sexo, mas apenas a sua aparência física externa. Se
a pessoa continua integrante do sexo com o qual nasceu, lançar no registro
indicação de sexo diferente é fazer afirmação que não corresponde à
realidade, à verdade, e, em tese, pode até ser caracterizado como crime" (4ª
Câmara Cível TJMG - DJMG de 08.06.2004).
A propósito:
``Ementa: Civil. Sexo. Estado individual. Imutabilidade. O sexo, como estado
individual da pessoa, é informado pelo gênero biológico. A redefinição do
sexo, da qual derivam direitos e obrigações, procede do Direito e não pode
variar de sua origem natural sem legislação própria que a acautele e
discipline. Rejeitam-se os embargos infringentes'' (Número do processo:
1.0000.00.296076-3/001(1) - Relator: Carreira Machado - Relator para o
acórdão: Almeida Melo - Data do julgamento: 22.04.2004 - Data da publicação:
08.06.2004).
Destarte, "Cirurgias que modificam a aparência externa da pessoa - ainda que
com a extirpação de órgãos - não passam de cirurgias plásticas, e nada
alteram, senão quanto à aparência física externa da pessoa".
O ilustre Desembargador Moreira Diniz cita, ainda, exemplos de como a
alteração requerida pelo apelante poder gerar efeitos jurídicos e prejuízos
para terceiros, cujo trecho, pela pertinência ao caso sub examine, peço
vênia para transcrever:
"Todos sabemos que a legislação proíbe que, ao expedir certidões de
registros civis, o Cartório faça referência a alterações como a que, por
exemplo, está agora sendo pretendida. Logo, se autorizada a alteração - não
me refiro ao caso específico, mas a todo e qualquer caso de transexualismo
com cirurgia realizada -, o indivíduo poderá obter e portar, sempre, uma
certidão onde será consignado, não seu sexo original (e que ainda tem), mas
o sexo decorrente de seu sentimento e de sua simples aparência em
consequência da cirurgia. Qualquer pessoa que for a Cartório obterá idêntica
certidão; sem a mínima referência a qualquer alteração feita no registro.
Um terceiro, de boa-fé, levado pela aparência física de um operado, ou mesmo
pelo amor, poderá chegar ao casamento. Realizado o ato sob o aspecto legal,
no momento da consumação, ou até mesmo quando buscar a constituição de
prole, esse terceiro descobre a verdade. O casamento foi contraído com
pessoa do mesmo sexo.
[...]
Outro exemplo de prejuízo que a alteração do lançamento relativo ao sexo
pode causar: o transexual faz a cirurgia, passa a ter aparência feminina,
obtém registro civil de pessoa do sexo feminino e se vê habilitado a
participar de concurso público destinado a pessoas do sexo feminino. Essa
pessoa irá concorrer com outras, original e realmente do sexo feminino, em
vantagem, quando se cuidar de certame em que houver avaliação de resistência
ou capacidade física. É evidente o prejuízo que será causado às outras
concorrentes.
Mais um exemplo: o esporte domina, hoje, procedimentos que permitem, com um
simples exame, detectar a real conformação sexual de uma pessoa. O que
prevalecerá? O registro civil? Ou o resultado do exame? Essa pessoa poderá
disputar na categoria do `novo' sexo? Essa pessoa terá afrontados seus
direitos essenciais, se não puder disputar em tal categoria?
[...]
Não posso, aqui, deixar de me lembrar da preocupação lançada pelo eminente
Desembargador Audebert Delage, em seu voto, a respeito de inúmeras
consequências que tal cirurgia gera no campo do Direito Penal: crimes de
estupro, sedução, rapto, por exemplo, como seriam tratados, se praticados
por ou contra transexuais?''
Com relação ao pedido de alteração da designação do sexo, inexiste,
portanto, qualquer circunstância legal que autorize a modificação pretendida
pelo autor, ora apelante.
Com essas considerações, dou provimento parcial ao recurso, para reformar a
d. sentença monocrática e julgar procedente em parte o pedido do autor para
determinar a alteração do registro de nascimento lavrado às fls. v 248, do
Livro A-51, sob o número de Ordem 4.607 (fls. 20), para constar como nome
registrado `R. O. A.'.
Custas, pelo apelante, suspensa, contudo, a exigibilidade da cobrança em
face do benefício da gratuidade judiciária.
DES.ª MARIA ELZA - Acompanho, na íntegra, o voto proferido pelo eminente
Desembargador Relator Barros Levenhagen.
Nos termos do art. 58 da Lei n° 6.015/73, com a nova redação dada pela Lei
n° 9.708/98, "o prenome será definitivo, admitindo-se, todavia, a sua
substituição por apelidos públicos notórios".
Por seu turno, dispõe o art. 57, caput, da referida lei que "qualquer
alteração posterior de nome, somente por exceção e motivadamente, após
audiência do Ministério Público, será permitida por sentença do juiz a que
estiver sujeito o registro, arquivando-se o mandado e publicando-se a
alteração pela imprensa".
A exegese dos dispositivos supracitados informa que a imutabilidade do
registro de nascimento não é absoluta, podendo ocorrer alteração do nome a
título de exceção e motivadamente e a substituição do prenome quando se
tratar de apelido público notório.
Nessa esteira, a jurisprudência pátria, pautando-se em uma interpretação
sistemática e teleológica da lei e atentando-se às peculiaridades de cada
caso concreto, como forma de impedir a prevalência de uma solenidade sobre o
próprio bem-estar do indivíduo, vem admitindo a retificação do nome em
ocasiões especiais, tais como a possibilidade de homônimo, a ocorrência
evidente de erro de grafia, ou exposição a constrangimento.
Nesse sentido, confira lição de Walter Ceneviva:
"Não se trata de questão de gosto ou de preferência do indivíduo, a que
enseja alteração. Deve ser claramente enunciada e, embora subjetiva, há de
ser compreensível objetivamente.
Disso se infere que a regra é a inalterabilidade do registro civil (prenome
e patronímico), somente excepcionada em casos que a justifiquem. Os autores
pátrios trazem algumas dessas hipóteses, dentre as quais, conforme
supracitado, a possibilidade de homônimo ou o fato de o indivíduo ser
conhecido no meio em que vive por outro nome, o que autorizaria o acréscimo
deste ao prenome registrado. A lei, mesmo com a alteração operada em seu
art. 58, traz a possibilidade de alteração do prenome quando este exponha o
seu portador ao ridículo, em conformidade com o parágrafo único do art. 55''
(Lei dos Registros Públicos comentada. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 1991, p.
115).
No caso em tela, conforme bem relatado pelo douto Relator, a recorrente,
indubitavelmente, vive como mulher, sendo conhecida, publicamente, por R.
Dessarte, latente que a manutenção de seu prenome, qual seja R., além de não
condizer com a verdadeira identidade da recorrente, irá expô-la,
constantemente, a situações vexatórias que, consequentemente, afrontam o
princípio da dignidade da pessoa humana.
Nesse sentido, o laudo clínico constante às f. 23/26-TJ emitido pelo
Professor Titular de Cirurgia Plástica da Faculdade de Medicina de Jundiaí,
atesta que a recorrente, por preencher todos os requisitos necessários, se
submeteu à cirurgia de transgenitalização.
Logo, deve ser provido o presente recurso no sentido de se alterar o prenome
da recorrente, visto que a negativa de tal pedido acarretaria a exposição da
mesma a situações vexatórias e constrangedoras.
Nesse sentido também a jurisprudência:
``Ementa: Apelação. Retificação de registro civil. Transexualismo.
Travestismo. Alteração de prenome independentemente da realização de
cirurgia de transgenitalização. Direito à identidade pessoal e à dignidade.
Confirmação de sentença de primeiro grau. Acolhimento de parecer do
Ministério Público de segundo grau.
A demonstração de que as características físicas e psíquicas do indivíduo,
que se apresenta como mulher, não estão em conformidade com as
características que o seu nome masculino representa coletiva e
individualmente são suficientes para determinar a sua alteração. A distinção
entre transexualidade e travestismo não é requisito para a efetivação do
direito à dignidade. Tais fatos autorizam, mesmo sem a realização da
cirurgia de transgenitalização, a retificação do nome da requerente para
conformá-lo com a sua identidade social. Pronta indicação de dispositivos
legais e constitucionais que visa evitar embargos de declaração com objetivo
de prequestionamento. Rejeitadas as preliminares, negaram provimento.
Unânime'' (Apelação Cível nº 70022504849 - Oitava Câmara Cível - Tribunal de
Justiça do RS - Relator: Rui Portanova - Julgado em 16.04.2009).
``Ementa: Apelação cível. Registro civil. Alteração. Prenome e gênero.
Transexualismo. Probição de referência quanto à mudança. Possibilidade.
Determinada a alteração do registro civil de nascimento em casos de
transexualidade, desde que demonstrada a existência da alopatia, é imperiosa
a proibição de referência no registro civil quanto à mudança, a fim de
preservar a intimidade do apelado. Negaram provimento (Segredo de justiça)''
(Apelação Cível nº 70021120522 - Oitava Câmara Cível - Tribunal de Justiça
do RS - Relator: Rui Portanova - Julgado em 11.10.2007).
Também nesse sentido já se manifestou este egrégio Tribunal:
``Retificação de registro de nascimento. Transexual. Cirurgia de
transgenitalização já realizada. Princípio da dignidade da pessoa humana.
Mudança de nome. Necessidade para evitar situações vexatórias. Inexistência
de interesse genérico de uma sociedade democrática à integração do
transexual.
- A força normativa da constituição deve ser vista como veículo para a
concretização do princípio da dignidade da pessoa humana, que inclui o
direito à mínima interferência estatal nas questões íntimas e que estão
estritamente vinculadas e conectadas aos direitos da personalidade.
- Na presente ação de retificação não se pode desprezar o fato de que o
autor, transexual, já realizou cirurgia de transgenitalização para mudança
de sexo e que a retificação de seu nome evitar-lhe-á constrangimentos e
situações vexatórias.
- Não se deve negar ao portador de disforia do gênero, em evidente afronta
ao texto da lei fundamental, o seu direito à adequação do sexo morfológico e
psicológico e a consequente redesignação do estado sexual e do prenome no
assento de seu nascimento. V.v.'' (Ap. Cível nº 1.0024.05.778220-3/001 -
Rel. Des. Edivaldo George dos Santos - Julgado em 06.03.2009 - DJe de
07.04.2009).
Não se pode olvidar que o ordenamento jurídico há de ser interpretado de
maneira sistêmica, notadamente em consonância com os princípios
constitucionais, que devem reger todas as atividades dos operadores de
direito.
Nesse prisma, tem-se que o indeferimento do pedido de retificação do prenome
no registro civil consubstanciaria em uma óbvia afronta ao princípio da
dignidade da pessoa humana, notadamente em razão das peculiaridades fáticas
do caso. Dessarte, o direito civil, como ramo do direito, é de ser aplicado
de forma a proteger o princípio da dignidade da pessoa humana.
Nesse sentido também a doutrina:
``O ambiente jurídico, portanto, exige um comportamento crítico do operador
do Direito, não apenas voltado para apontar defeitos ou imperfeições, mas,
sobretudo, para a formação de uma nova visão do fenômeno civilista, em
compasso com o mundo contemporâneo. Um Direito Civil eficaz e apto a
defender e proteger a vida humana em sua integralidade, contemporâneo com a
sociedade que lhe incumbe pacificar.
Nesta linha de intelecção, reconheça-se que o conceito de cidadania é,
efetivamente, o motor de impulsão que projeta a dimensão da pessoa humana em
seus valores e direitos fundamentais. Não mais, porém, compreendida como
simples sujeito de direitos virtuais, porém como titular de um patrimônio
pessoal mínimo que lhe permita exercer uma vida digna, a partir da
solidariedade social e da isonomia substancial'' (FARIAS, Cristiano Chaves
de; RONSENVALD, Nelson. Direito civil teoria geral. 7. ed. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2008, p. 29).
Negar efetividade aos referidos preceitos seria cometer um atentado contra a
ordem constitucional vigente, além de desconsiderar os anos de evolução
histórica até o recepcionamento e valoração dos direitos e garantias
individuais.
Doutrina nessa linha Raul Machado Horta:
"A recepção dos direitos individuais no ordenamento jurídico pressupõe o
percurso de longa trajetória, que mergulha suas raízes no pensamento e na
arquitetura política do mundo helênico, trajetória que prosseguiu vacilante
na Roma Imperial e Republicana, para retomar seu vigor nas ideias que
alimentaram o cristianismo emergente, os teólogos medievais, o
protestantismo, o renascimento e, afinal, corporificar-se na brilhante
floração das ideias políticas e filosóficas das correntes de pensamento dos
séculos XVII e XVIII. Nesse conjunto, temos as fontes espirituais e
ideológicas da concepção que afirma a precedência dos direitos individuais,
inatos, naturais, imprescritíveis e inalienáveis do homem. Direitos
oponíveis aos grupos, às corporações, ao Estado e ao poder político.
Direitos Individuais e Direitos Humanos, identificados e incindíveis, pois o
indivíduo, a pessoa, é, ontologicamente, o ser humano" (Direito
constitucional. 4. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 213).
Certo é que vivemos em uma fase histórica do Direito em que resta patente a
ascensão dos princípios, estando eles dotados de alta carga axiológica e
dimensão ética, aos quais os intérpretes têm atribuído ampla eficácia
jurídica e aplicabilidade direta e imediata. E ao contrário das regras, que
normalmente expressam relatos objetivos, descritivos de determinadas
condutas e aplicáveis a um conjunto delimitado de situações, os princípios
expressam valores a serem preservados ou fins públicos a serem realizados,
sem especificar, portanto, a conduta a ser seguida.
É o que leciona o eminente constitucionalista Luís Roberto Barroso ao
analisar o papel do intérprete do direito diante de tal quadro em que vige o
alto grau de aplicabilidade dos princípios, no qual se mostra inadequado o
método tradicional de aplicação do Direito pelo qual se realiza uma
subsunção do fato à norma e pronuncia-se a conclusão. Em suas palavras:
``A ideia de uma nova interpretação constitucional liga-se ao
desenvolvimento de algumas fórmulas originais de realização da vontade da
Constituição. Não importa em desprezo ou abandono do método clássico - o
subsuntivo, fundando na aplicação de regras - nem dos elementos tradicionais
de hermenêutica: gramatical, histórico, sistemático e teleológico. Ao
contrário, continuam eles a desempenhar um papel relevante na busca de
sentido das normas e na solução de casos concretos. Relevante, mas nem
sempre suficiente [...].
Princípios [...] expressam valores a serem preservados ou fins públicos a
serem realizados. Designam, portanto, 'estados ideais', sem especificar a
conduta a ser seguida. A atividade do intérprete aqui será mais complexa,
pois a ele caberá definir a ação a tomar. E mais, em uma ordem democrática,
princípios frequentemente entram em tensão dialética, apontando direções
diversas. Por essa razão, sua aplicação deverá se dar mediante ponderação: o
intérprete irá aferir o peso de cada um, à vista das circunstâncias, fazendo
concessões recíprocas. Sua aplicação, portanto, não será no esquema tudo ou
nada, mas graduada à vista das circunstâncias representadas por outras
normas ou por situações de fato'' (Temas de direito constitucional. São
Paulo: Renovar, 2005, tomo III, p. 81-83).
E os direitos e garantias fundamentais, cuja proteção foi destacada pela
Constituição da República, têm as mesmas características dos princípios, na
medida em que atuam como uma forma de concretização do princípio da
dignidade da pessoa humana.
Logo, há de ser provido o recurso no sentido de se conceber a retificação do
registro civil em relação ao prenome da apelante.
No tocante à retificação para alteração do sexo, de masculino para feminino,
acompanho também o douto Relator em sua decisão acerca da impossibilidade do
acolhimento do mesmo.
Isso, pois, conforme bem fundamentado, a cirurgia de transgenitalização não
a torna, do ponto de vista genético, pessoa do sexo feminino.
Nesse sentido também o posicionamento deste egrégio Tribunal:
``Direito de família. Retificação de assento de nascimento. Alteração de
gênero. Transexual. Impossibilidade. A partir da realização de cirurgia de
transgenitalização, surge um dos principais problemas jurídicos atuais, qual
seja a possibilidade de redesignação, ou adequação, do sexo civil,
registrado, ao sexo psicológico, novo sexo anatômico, e os efeitos daí
resultantes. Não há, nem jamais haverá, possibilidade de transformar um
indivíduo nascido homem em uma mulher, ou vice versa. Por mais que esse
indivíduo se pareça com o sexo oposto e sinta-se como tal, sua constituição
física interna permanecerá sempre inalterada. Assim, afigura-se indevida a
retificação do assento de nascimento de transexual redesignado, mormente
para salvaguardar direito de terceiros que podem incorrer em erro essencial
quando a pessoa do transexual, na hipótese de enlace matrimonial'' (Ap.
Cível nº 1.0024.07.595060-0/001 - Rel. Des. Dárcio Lopardi Mendes - Julgado
em 26.03.2009 - DJe de 07.04.2009).
Ademais, tem-se ainda que tal decisão visa resguardar o direito de terceiros
que podem ter sua esfera jurídica prejudicada caso se promova tal alteração,
como, por exemplo, na hipótese de casamento.
Ante o exposto acompanho na íntegra o voto proferido pelo Desembargador
Relator.
DES. NEPOMUCENO SILVA - Peço vista dos autos.
Súmula - PEDIU VISTA O VOGAL, APÓS O RELATOR E A REVISORA DAREM PROVIMENTO
PARCIAL AO RECURSO.
N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S
Assistiu ao julgamento, pelo apelante, a Dr.ª Flávia Eustáquia Xavier.
PRESIDENTE (DES. NEPOMUCENO SILVA) - O julgamento deste feito foi adiado na
Sessão do dia 08.10.2009, a meu pedido, após votarem o Relator e a Revisora
dando parcial provimento ao recurso.
Passo a proferir meu voto.
O eminente Des. Barros Levenhagen (Relator), no seu judicioso voto, acolheu,
em parte, a pretensão recursal, apenas quanto à alteração do prenome do
apelante, negando, porém, o pedido de alteração do sexo (de masculino para
feminino).
Pedindo vênia, ouso dissentir de S. Exa., pois entendo, sob modesta ótica,
que o recurso deve ser provido in totum, a fim de que também passe a constar
do assento registral do apelante aquele prenome, bem como o sexo:
"feminino".
Pois não se compreende um atributo, sem o outro, visto que vinculados à
personalidade do ser humano.
Com efeito, a alteração do assento de nascimento, decorrente de redesignação
de sexo, em virtude de cirurgia de transgenitalização, não poderia constar
especificamente da vetusta legislação, de quase quatro décadas, visto que,
então insculpida em realidade diferida da atual, ainda que sob os prismas
histórico, social, político, jurídico e ético. Refiro-me à Lei de Registros
Públicos (6.015), de 1973. Depois dela, dentre o mais, adveio a CF/88 e com
ela, novos tempos, novos costumes, e, consequentemente nova exegese sobre os
acontecimentos ou conflitos sociais.
No caso em exame, a questão se submete à regência máxima (tutela
constitucional) sob vetor hermenêutico, aurido nos princípios da dignidade
humana e da cidadania, prerrogativas que são indissociáveis do direito à
vida, os quais foram erigidos à categoria de fundamento do Estado
Democrático de Direito (CF/88, art. 1º, caput, II, III).
Com efeito, permitir a alteração registral apenas quanto ao prenome do
apelante, negando-a quanto à do sexo, configura preterição à inviolabilidade
do seu direito e garantia fundamental, concernente à intimidade, vida
privada, honra e imagem (CF, art. 5º, X).
É preciso, na espécie, adotar a visão maximalista (para frente),
otimizando-se, sobretudo, a cidadania. No precedente (Apelação nº
1.0024.05.582129-2/002, Relator o Des. Nilo Schalcher Ventura, Revisor o Des.
Kildare Carvalho, julgado em 29.11.2007, cujo acórdão foi publicado em
17.01.2008), onde atuei como Vogal, sobre o tema, assim consignei, verbis:
Trata-se de tema não costumeiro. Aliás, desafiante de nossa argúcia e
consciência de magistrado com o mundo em que vivemos, seus usos e costumes,
não só como julgadores, mas como íntegres de uma sociedade participativa e
solidária.
Releva consignar que o apelante é o Ministério Público, insurgindo-se em
face da decisão monocrática que deferiu o pedido em ação de redesignação de
estado sexual, com a consequente alteração do seu prenome (e não nome, ao
que parece), bem como a mudança da designação sexual para o feminino.
Sendo uno e indivisível o Parquet, não se pode olvidar que a douta
Procuradoria de Justiça, em visão diferida ou diametralmente oposta, diverge
de sua unidade singular, ao expressar que ``a mudança do nome do
ex-transexual bem como do sexo, no Registro Civil, são direitos da pessoa de
se conduzir conforme seu modo de vida, sendo um atributo da personalidade e
da dignidade da pessoa humana''.
O eminente Relator, consciente com seu (nosso) tempo, em moderna visão,
produziu um excelente trabalho, entremeando cientificidade e faticidade,
postos à cogência da dicção constitucional, fletida na dignidade da pessoa
humana, como gênero, de que são espécies, as vedações de qualquer forma de
preconceito (art. 3º, IV), inviolabilidade da intimidade, privacidade, honra
e imagem das pessoas (art. 5º, X), dentre outros.
Não estou, aqui, a julgar um comportamento, com repercussões quod extra, a
modelar outros, impondo-se uma reflexão no âmbito pedagógico-social.
Estamos, em verdade, a decidir um caso isolado, com repercussão quod intra,
voltada a seus umbrais, e isto nos tranquiliza, pondo-nos a salvo para
eventual mudança de rumos ortodoxos, ante ulteriores novidades, segundo a
evolução - ou involução - de comportamentos símiles ou parassimilares, no
derredor dessa singular temática.
Diz-se singular a examinada questão, porque já é fato consumado a cirurgia
transgenitalizante (ablação) a que se submeteu o apelado.
Ponho-me, pois, de antolhos, na prolação deste modesto pronunciamento
judicial, reiterando a ressalva, com a ótica de que cada caso é um caso, com
sua modulante e natural circunstancialidade.
Quanto à temática, expungiu-a, com largueza, cultura e precedência, o
eminente Relator, despicienda adições outras.
Impende, todavia, consignar que, nalguns casos, máxime os singulares, que
aportam ao Judiciário, não podemos deixar de aplicar a visão maximalista, de
que nos fala o jus-filósofo Cass R. Sustein 'Leaving things undecided'
(indefinição da quaestio). A visão maximalista traduz o esforço de se
decidir casos de uma maneira que se projete regras para o futuro. Tem-se,
aí, a porta aberta para a iuris + prudência, que é instituto e razão maior
da construção pretoriana, sem o que os tribunais seriam corpos inertes,
diante do fenômeno social. Nesse estreito duto interpretativo,
consagraríamos o minimalismo, pelo qual as Cortes devem decidir o conflito,
segundo suas próprias circunstâncias, deixando os aspectos exteriores para o
debate legislativo.
Aqui, é evidente, não recepcionarei isso.
O caso reclama a visão maximalista e, como tal, a decidirei.
Fazendo-o, com aquela visão, ponho-me conforme o voto - vencido - proferido
pelo em. Des. Carreira Machado, na Apelação Cível nº 1.0000.00.296076-3/001,
onde, em tema símile, S. Exa. assim ementou:
``Embargos infringentes. Transexual. Retificação de registro. Nome e sexo.
Negar, nos dias atuais, não o avanço do falso modernismo que sempre não
convém, mas a existência de um transtorno sexual reconhecido pela medicina
universal, seria pouco científico''.
E, também, como proferido pelo em. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito
(hoje, no STF), quando, ainda integrante do eg. STJ, assim ementou no
julgamento do REsp nº 678.933 - RS:
``Mudança de sexo. Averbação no registro civil.
1. O recorrido quis seguir o seu destino, e agente de sua vontade livre
procurou alterar no seu registro civil a sua opção, cercada do necessário
acompanhamento médico e de intervenção, que lhe provocou a alteração de
natureza gerada. Há uma modificação de fato que se não pode comparar com
qualquer outra circunstância que não tenha a mesma origem. O reconhecimento
se deu pela necessidade de ferimento do corpo, a tanto, como se sabe,
equivale o ato cirúrgico, para que seu caminho ficasse adequado ao seu
pensar e permitisse que seu rumo fosse aquele que seu ato voluntário revelou
para o mundo no convívio social. Esconder a vontade de quem a manifestou
livremente é que seria preconceito, discriminação, opróbrio, desonra,
indignidade com aquele que escolheu o seu caminhar no trânsito fugaz da vida
e na permanente luz do espírito.
2. Recurso especial conhecido e provido'.
Quem, no caso, recorreu foi o MP, em ótica oposta à da douta PGJ.
Voto, pois, conforme o em. Relator, sob vênia máxima".
Naquela oportunidade, editou-se a seguinte ementa, verbis:
"Inconcebível seria o órgão julgador prender-se a uma realidade ultrapassada
que não acompanha o dinamismo da sociedade, ao justificar a falta de
previsão normativa expressa que se assente ao conflito trazido à baila.
Negar um direito relativo ao estado de pessoa seria uma afronta aos
princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), e
da vedação ao preconceito e discriminação de qualquer natureza (art. 3º,
IV), bem como a garantia dos direitos sociais (art. 6º, caput).
Aliás, neste caso, ora em exame, o tema assume contornos de uma realidade
moderna, vista sob inspiração constitucional, cujo regramento mor deve
prevalecer, máxime por ostentar caráter principiológico, que não pode ser
afrontado ou preterido, vênia máxima, pois.
Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A
desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento
obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de
ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio
atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de
seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e
corrosão de sua estrutura mestra. Isso porque, com ofendê-lo, abatem-se as
vigas que o sustêm e alui-se toda a estrutura nelas esforçada'' (MELLO,
Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 15. ed. São
Paulo: Malheiros, 2002, p. 818).
Aqui, a ficar como está, o constrangimento perdurará.
É fácil imaginar o vexame a que se submeteria uma mulher, nominada como tal
- identificar-se, paradoxalmente, como "homem". Creio mesmo que até piorará
sua condição de existência. Imaginemos a seguinte situação: a apelante está
lendo um edital de concurso público, com regras distintas, para homens e
mulheres, onde pretende concorrer. Pergunta-se: onde ela se inscreverá?
Penso, no caso, que o Judiciário estaria até na contramão da exegese da Lei
dos Registros Públicos, quando expressa que "os oficiais do registro civil
não registrarão prenomes suscetíveis de expor ao ridículo os seus
portadores" (Lei nº 6.015/1973, art. 55, parágrafo único, 1ª parte).
Interpretar a lei é buscar o seu real sentido e alcance, utilizando-se, para
isso, dos meios, recursos e instrumentos hermenêuticos, postos à disposição
do julgador. Dentre eles, destacamos a interpretação sociológica/teleológica
(LICC, art. 5º), que revela norma de sobre direito.
Acerca do art. 5º da LICC, com propriedade e perspicácia, preleciona Maria
Helena Diniz (Lei de Introdução ao Código Civil brasileiro interpretada. 2.
ed. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 159-172), verbis:
``É, indubitavelmente, o art. 5º da Lei de Introdução que permite corrigir a
inadequação da norma à realidade fático-social e aos valores positivados,
harmonizando o abstrato e rígido da norma com a realidade concreta,
mitigando seu rigor, corrigindo-lhe os desacertos, ajustando-a do melhor
modo possível ao caso emergente.
[...]
Daí ser íntima a relação entre ideologia, ciência do direito e aplicação
jurídica, pois o enfoque hermenêutico deverá ser feito sob a luz da teoria
da concreção jurídica, caracterizada pela circunstância de estabelecer a
correlação entre norma, fato e valor, visando a uma decisão judicial que,
além das exigências legais, atenda aos fins sociais e axiológicos do
direito.
[...]
A melhor interpretação da lei é a que se preocupa com a solução justa, não
podendo o seu aplicador esquecer que o rigorismo na exegese dos textos
legais pode levar a injustiças (STF, Ciência Jurídica 42/58).
[...]
Resta-nos por derradeiro concluir que a função jurisdicional, quer seja ela
de subsunção do fato à norma, quer seja de integração de lacuna normativa,
ontológica ou axiológica, não é passiva, mas ativa, contendo uma dimensão,
nitidamente criadora de norma individual, uma vez que os juízes despendem,
se for necessário, os tesouros de engenhosidade para elaborar uma
justificação aceitável de uma situação existente, não aplicando os textos
legais ao pé da letra, atendo-se, intuitivamente, sempre às suas
finalidades, com sensibilidade e prudência objetiva, condicionando e
inspirando suas decisões às balizas contidas no sistema jurídico, sem
ultrapassar, por um instante, os limites de sua jurisdição.
Passemos, agora, à infirmação dos óbices que, em tese, justificariam a
negativa de alterar o sexo no assento de nascimento.
Aquele que obtém do Judiciário o direito de alterar seu prenome e sexo no
registro das pessoas naturais e que, posteriormente, se casa com outrem sem
lhe revelar tais fatos, estaria praticando ato ilícito, pois, dolosamente,
excederia de seu direito, exercendo-o fora dos limites impostos pelo seu fim
social, pela boa-fé ou pelos bons costumes (Cód. Civil, art. 187). A
espécie, ademais, restaria enodoada por vício do consentimento - erro
essencial sobre a pessoa do outro cônjuge - restando o casamento passível de
anulação (Cód. Civil, arts. 1.556/1.557, I). Não se olvide, ainda, que a
boa-fé se presume.
Em concurso público, mesmo que se avaliasse o candidato quanto à sua
capacidade física, não haveria qualquer problema. No caso, o
transgenitalizado não tem (nem nunca terá) as feições de homem, seja na
aparência, sentimento, sensibilidade ou na desenvoltura física. Seu pedido
busca exatamente a conformação registral aos seus atributos físicos
(psíquicos e emocionais) e éticos.
Dessarte, não existe `novo sexo', pois o sexo originário - no caso dos autos
- em verdade, sob enfoque maximalista, repito, sempre foi o feminino, já que
se procedeu apenas à sua conformação.
O sexo não pode ser visto numa visão meramente genético-cromossômica. Sua
declinação envolve bens e valores que devem ser harmoniosamente ponderados,
sem distanciamento da dignidade, da imagem e da honra da pessoa humana,
porque o direito à vida pressupõe o respeito a tais atributos, sem os quais
o viver seria castigo e sofrimento, e não privilégio e dom divino.
Insisto que os institutos devem se amoldar à evolução dos tempos,
adequando-se aos novos valores sociais, econômicos, políticos, históricos,
jurídicos e éticos. Evolução - em qualquer sentido - é mote que justifica a
árdua e incansável caminhada da humanidade.
Note-se, por exemplo, que os conceitos de família, de meio ambiente e de
probidade administrativa, e até mesmo a tipificação de crimes (estupro, por
exemplo), tiveram (e sempre terão) que se ajustar à nova realidade. Quiçá,
dentro em breve, seja sancionado até mesmo o casamento de pessoas do mesmo
sexo. E aí: como ficaria o conceito de família (pai, mãe e filhos), vista a
entidade com esse contorno?
Com responsabilidade e galhardia, o Judiciário sempre se manteve atento à
ruptura de paradigmas, buscando - e efetivando - a segurança jurídica e a
paz social. É exemplo disso o Enunciado nº 276 do Conselho de Justiça
Federal, quando da III Jornada de Direito Civil, verbis:
`O art. 13 do Código Civil, ao permitir a disposição do próprio corpo por
exigência médica, autoriza as cirurgias de transgenitalização, em
conformidade com os procedimentos estabelecidos pelo Conselho Federal de
Medicina, e a consequente alteração do prenome e do sexo no Registro Civil'
(grifo e destaque nossos)''.
Convenço-me, pois, que ao recurso deva ser dado provimento integral, ou
seja, permitindo-se a alteração registral, tanto do nome como do sexo.
Ante tais expendimentos, reiterando vênia ao eminente Desembargador Barros
Levenhagen (Relator), dou integral provimento ao recurso, acrescendo ao
final do dispositivo do seu voto a expressão "e sexo feminino".
É como voto.
Súmula - DERAM PROVIMENTO PARCIAL, VENCIDO, EM PARTE, O VOGAL. |