APELAÇÃO CÍVEL - RETIFICAÇÃO DE REGISTRO - IMPRECISÃO - SITUAÇÃO INVERÍDICA
- TRANSPOSIÇÃO EQUIVOCADA DO TÍTULO - TERMO "EM COMUM"
- Cabível a retificação do registro uma vez demonstrado que, na transposição
de elemento constante do título originário, este foi retirado de seu
contexto, modificando o seu sentido e conduzindo a situação incompatível com
a situação de fato.
- Registrada em escritura de compra e venda a propriedade do imóvel em comum
com os outorgantes compradores, uma vez consolidado o negócio com a
transmissão da totalidade da fração pertencente aos outorgantes vendedores,
descabe manter o termo em comum que remetia a situação de condomínio
anterior ao registro.
- Os registros públicos devem observar o princípio da verdade real.
Recurso não provido.
Apelação Cível n° 1.0672.10.030583-4/001 - Comarca de Sete Lagoas -
Apelante: Ministério Público do Estado de Minas Gerais - Apelado: Francisco
Ribeiro Bastos - Relatora: Des.ª Heloísa Combat
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais, sob a Presidência do Desembargador Almeida Melo,
incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos
julgamentos e das notas taquigráficas, em negar provimento, vencido o vogal.
Belo Horizonte, 20 de outubro de 2011. - Heloísa Combat - Relatora.
N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S
DES.ª HELOÍSA COMBAT - Conheço do recurso, presentes os seus pressupostos
subjetivos e objetivos de admissibilidade.
Trata-se de apelação cível interposta pelo Ministério Público do Estado de
Minas Gerais contra a r. sentença do MM. Juiz da 2ª Vara Cível da Comarca de
Sete Lagoas que julgou procedentes os pedidos de Francisco Ribeiro Bastos,
para determinar ao Cartório de 1º Ofício de Registro de Imóveis da cidade de
Sete Lagoas que proceda à retificação do Registro nº 32.453, f. 159-v.-160
do Livro 3-AX, excluindo a expressão "em comum com D. Angelina Barbosa
Ferreira e Álvaro Ferreira Barbosa".
Em suas razões recursais, sustenta o Parquet que, em vista dos princípios da
continuidade e da disponibilidade, descabe a retificação do registro quando
demonstrada sua conformidade com a escritura pública que lhe serviu de
lastro.
No registro do imóvel correspondente à Matrícula 6.499, consta ser o autor
adquirente de "imóvel com área de 266,682 hectares de terra, mais ou menos,
situados nos lugares denominados 'Pedras, Matos e Pastos Moinho', zona rural
desta cidade de Sete Lagoas, em comum com Dona Angelina Barbosa Ferreira e
Álvaro Ferreira Barbosa" (f. 25).
O autor embasa a possibilidade de retificação do registro na previsão do
art. 212 da Lei de Registros Públicos, que versa:
``Art. 212. Se o registro ou a averbação for omissa, imprecisa ou não
exprimir a verdade, a retificação será feita pelo Oficial do Registro de
Imóveis competente, a requerimento do interessado, por meio do procedimento
administrativo previsto no art. 213, facultado ao interessado requerer a
retificação por meio de procedimento judicial'' (Redação dada pela Lei nº
10.931, de 2004).
Os documentos que instruem os autos esclarecem a respeito de toda a cadeia
dominial relativa ao imóvel em questão, desde os idos de 1964, quando o
imóvel em questão pertencia ao espólio de Álvaro Xavier Ferreira.
Colhe-se, assim, da certidão de f. 53 que o imóvel identificado pela
Matrícula nº 6.499, corresponde a 266,68 ares de terras situadas nos lugares
denominados Pedras Matos e Pasto do Moinho, tendo as confrontações
constantes do formal de partilha extraído dos autos do inventário dos bens
deixados por Álvaro Xavier Ferreira. O registro anterior do imóvel
corresponde ao nº 32.537, Lº 3AX do Cartório do 1º Ofício de Registro de
Imóveis de Sete Lagoas.
O referido formal de partilha averbado em 30 de outubro de 1964 teve cópia
juntada ao processo à f. 55/56, identificando como adquirentes do bem imóvel
transmitido pelo espólio de Álvaro Xavier Ferreira as pessoas de Elídia
Barbosa Ferreira, Lúcia Ferreira Barbosa, Álvaro Ferreira Barbosa e Angelina
Barbosa Ferreira, sendo seu objeto 90 ares de terras situadas no lugar
denominado "Pedras" e 443,364 ares de terras situados nos lugares contíguos
denominados "Matos e Pasto do Moinho", totalizando a área de 533,364.
A cota-parte atribuída à meeira e aos herdeiros foi identificada pela
importância que coube a cada um sobre o valor total da avaliação, de onde,
por simples cálculos, se infere que a meeira recebeu a fração ideal de 1/2
do terreno (266,682 ares), e cada herdeiro 1/6 do imóvel rural (88,894
ares).
No mesmo documento, extraído do livro de Transcrição das Transmissões do
Cartório do 1º Registro Imobiliário de Sete Lagoas, há referência à
transferência do imóvel em questão através das averbações feitas sob o
Registro 32.453 e 32.537.
A Averbação 32.453 se refere a compra e venda celebrada em 18 de maio de
1965 entre Elídia Barbosa Ferreira e Lúcia Ferreira Barbosa, bem como os
respectivos cônjuges, com Ronaldo de Paula França e Altino França Neto,
sendo aqueles transmitentes e estes adquirentes, tendo por objeto 177,788
ares de terras nos lugares denominados Pedras, Matos e Pasto do Moinho, em
comum com Angelina Barbosa Ferreira e Álvaro Ferreira Barbosa (f. 51/52).
A Averbação 32.537, por sua vez, corresponde à origem do registro do imóvel
de Matrícula 6.499, adquirido pelo pleiteante. Consta nesta averbação
referência à escritura pública de compra e venda tendo por transmitentes
Angelina Barbosa Ferreira e Álvaro Ferreira Barbosa; e como adquirentes
Ronaldo de Paula França e Altino França Neto, e como objeto 266,682 ares de
terras e 88,89 ares de campos nos imóveis denominados "Pedras", "Matos" e
"Pasto do Moinho", perfazendo a área de 355,576, em comum com os outorgados
compradores (f. 49).
Evidencia-se que, na época em que os precursores Ronaldo e Altino adquiriram
de D. Angelina Barbosa e Álvaro Ferreira Barbosa o terreno que veio a ser
identificado pela Matrícula 6.499, os adquirentes já eram proprietários de
parte do terreno pertencente ao mesmo imóvel, haja vista a anterior compra
da fração pertencente às herdeiras Elídia e Lúcia Ferreira Barbosa.
Essa situação justifica o termo "em comum com os outorgados compradores",
pois, na época, os imóveis denominados "Pedras", "Matos" e "Pasto do Moinho"
eram constituídos por uma gleba de 177,778 ares adquirida por Ronaldo e
Altino e outra equivalente à área remanescente 355,576 ares, pertencente à
meeira Angelina e ao herdeiro Álvaro.
A partir do momento em que os coproprietários dos imóveis rurais celebraram
contrato de compra e venda em que transmitiam a cota-parte que lhes cabia
(área de 355,576 ares) aos então condôminos, a quem já pertencia o quinhão
de 177,778 ares, a propriedade dos imóveis denominados "Pedras", "Matos" e
"Pasto do Moinho", com extensão total de 533,364, se consolidou
integralmente em favor de Ronaldo de Paula França e Altino França Neto.
Assim, embora na escritura de compra e venda conste a propriedade em comum
sobre os imóveis denominados "Pedras", "Matos" e "Pasto do Moinho" entre os
outorgantes vendedores e os outorgantes compradores, esse termo se refere à
situação existente até a transmissão da propriedade, de modo que, ao manter
essa inserção na transposição do título para o registro, incorreu-se em
equívoco manifesto que alterou o seu sentido.
Ao exame do título, verifica-se que, no ato de registro, não foi preservada
a necessária equivalência com o conteúdo da escritura onde consta que
Angelina e Álvaro, proprietários de área de 355,576 ares em comum com os
outorgados compradores, lhes transmitiam toda a posse, direito, ação e
domínio que exerciam sobre os imóveis.
Ora, se o título teve por objeto justamente a transmissão da propriedade,
manter o termo "em comum" é destituir de efeito a avença celebrada e levada
a registro, levando a sentido patentemente contrário ao desejado pelas
partes envolvidas e incompatível com a natureza do negócio.
Denota-se que o termo "em comum" mantido na Matrícula 6.499 torna o registro
impreciso e não exprime a verdade, sendo necessária a correção pretendida, a
fim de que o registro do imóvel corresponda à situação efetivamente
verificada através da cadeia dominial e dos títulos transpostos.
Logrou o requerente demonstrar que o provimento buscado atende ao princípio
da verdade real e não enseja qualquer conflito com o princípio de
continuidade, pois foi apresentada toda a documentação necessária à
verificação da origem do equívoco e de toda a cadeia de transmissão.
O imóvel em questão, depois de adquirido por Ronaldo de Paula França, foi
alienado, com a anuência de Altino França Neto, para Geraldo Alves Padrão
(Registro nº 01); que por sua vez teve o imóvel arrematado por Hércules S.A.
Crédito e Financiamento e Investimento; e esta empresa celebrou contrato de
compra e venda com Francisco Ribeiro Bastos, ora autor.
Muito embora o termo "em comum" tenha sido utilizado na escritura de compra
e venda, no ato de transposição, esse elemento foi adotado fora de contexto,
pois refletia a situação do imóvel antes da transmissão da propriedade, e,
como resultado, ficou alterado o seu sentido, levando ao entendimento de que
os vendedores continuaram a ter domínio sobre o bem alienado.
Assinale-se que, na origem, constava a propriedade em comum com os
outorgantes compradores, e não com os vendedores, procedendo-se a indevida
inversão que contribuiu para o equívoco.
Cabível, destarte, a exclusão do termo impugnado, erroneamente transposto, a
fim de que o registro corresponda à situação fática que visa refletir,
demonstrando que a matrícula corresponde à área de 355,576 ares, que deixou
de ser propriedade comum de Angelina Barbosa Ferreira e Álvaro Ferreira
Barbosa a partir do registro da escritura de compra e venda celebrada com
Ronaldo de Paula França e Altino França Neto.
Por essas razões, nego provimento ao recurso, confirmando a bem-lançada
sentença que julgou procedente o pedido do autor e determinou a retificação
do registro com a exclusão da expressão "em comum com Da. Angelina Barbosa
Ferreira e Álvaro Ferreira Barbosa".
DES. ALMEIDA MELO - De acordo com o voto da Des.ª Relatora.
DES. MOREIRA DINIZ - De início, é indispensável estabelecer entre ação de
retificação de registro e ação de retificação de escritura ou de qualquer
documento sujeito a registro.
Na primeira, corrige-se defeito do registro, por não estar em consonância
com o título apresentado para ser registrado.
Na segunda, retifica-se o ato jurídico levado a registro.
Por exemplo, consigna-se, em escritura ou contrato, um número errado de lote
de terreno. Retifica-se a escritura e, posteriormente, como ato natural, o
registro da escritura que continha o dado equivocado.
Na retificação do registro, retifica-se o registro que, por exemplo,
consigna um número de lote de terreno que não é o que consta da escritura ou
do contrato.
Em qualquer das duas ações, inclusive, é necessário verificar a composição
dos polos.
Se a ação é de retificação do título, devem dela participar todos quantos
participaram do título onde está contido o erro. No caso de uma escritura de
compra e venda, por exemplo, os vendedores e os compradores.
Se a ação é de retificação de registro, devem figurar os interessados no
registro e o oficial registrador.
No caso em exame, a ação está titulada como sendo de retificação de registro
imobiliário.
Logo, só pode versar sobre defeito do registro, especialmente pelo conteúdo
dos autos, de descompasso entre o que está lançado no registro e o que
consignado no título levado a registro.
Aqui, não bastasse a questão relativa em que se encontra hoje o registro
cuja retificação se pretende, percebe-se que o apelado lançou mão da
presente ação como alternativa do procedimento de retificação de registro,
previsto na Lei dos Registros Públicos.
Nesse caso, era indispensável a inclusão, no polo passivo da ação, dos
partícipes da escritura cuja retificação se pretende.
Digo escritura, porque o apelado, na verdade, não está buscando,
originalmente, a retificação do registro, mas da escritura levada a
registro, da qual constava a expressão repetida no registro, que o autor da
ação entende excessiva.
Ora, se é indevida a inclusão da expressão criticada, a retificação a ser
buscada deve ser da escritura, e não do registro da escritura, que, conforme
esclarece o Oficial Registral, em texto transcrito pelo próprio autor da
ação, se limitou - o registro - à reprodução do que estava escrito na
escritura.
Noto, inclusive, que o autor da ação sequer se desincumbiu de sua obrigação
de instruir a ação com cópia ou certidão de inteiro teor da escritura que
motivou o registro cuja retificação se pretende.
Assim, não há sequer como verificar se o alegado erro está no registro ou na
escritura levada a registro.
Isso porque, como dito, se o erro é do registro, a ação é de retificação de
registro. Se o erro é da escritura, a ação é de retificação de escritura, e,
nesse segundo caso, altera-se a composição do polo passivo da ação.
No caso, como decidida a ação, o Magistrado está determinando a retificação
do registro sem, antes, ordenar - o que inclusive só poderia ser feito em
ação própria - a retificação da escritura.
O resultado é contraditório: teremos um registro que não coincide com a
escritura que o motivou.
De qualquer forma, penso que, após toda a confusão gerada pela imprecisão da
narrativa posta na inicial da ação, e da instrução do feito, será razoável a
solução proposta pelo Ministério Publico.
Ante o exposto, dou provimento ao recurso, para julgar improcedente a ação,
na medida em que, pelo que se pode apurar, o registro está em consonância
com a escritura, cuja retificação não foi pleiteada em ação própria.
Custas, pelo apelado, autor da ação.
Súmula - NEGARAM PROVIMENTO, VENCIDO O VOGAL.
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