Parecer n.º 14.852 - AGE
O Senhor Advogado-Geral do Estado exarou no Parecer n.º 14.852/AGE, de
11/6/2008, o seguinte despacho: "Aprovo. Publicar. Em 6/6/2008."
Procedência: Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento
Interessados: Secretário de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento
Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável- SEMAD
Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão- SEPLAG
Parecer nº: 14.852
Data: 11 de junho de 2008
Ementa:
DIREITO AMBIENTAL - RESERVA FLORESTAL LEGAL - ART. 225 DA CR/88 - AVERBAÇÃO
E DEVER DE RECOMPOSIÇÃO DA ÁREA DE RESERVA LEGAL - INTERPRETAÇÃO DOS ARTS.
16 E 44, AMBOS DO CÓDIGO FLORESTAL, LEI 4.771/65 - EXTENSÃO DA ÁREA -
INTELIGÊNCIA DO ART. 14 DA LEI ESTADUAL 14.309/2002 - NOTA JURÍDICA 046/08/SEMAD
E PARECER SEPLAG/AJA Nº 0441/08.
RELATÓRIO
Vem à Advocacia-Geral do Estado expediente encaminhado pelo Secretário de
Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento, solicitando orientação da
Casa acerca da necessidade de averbação da reserva florestal legal, de sua
recomposição pelo proprietário atual e qual a extensão dessa área,
considerando os reflexos das exigências relativas ao meio ambiente no
desenvolvimento rural do Estado.
Aduz que aquela Secretaria se depara, freqüentemente, com questionamentos
acerca do controle ambiental, especialmente no que tange à Reserva Legal,
mais especificamente os seguintes aspectos: "sobre a exata extensão da área
efetivamente exigida"; sobre o momento e as circunstâncias "em que ocorre a
obrigatoriedade de sua averbação no Registro Imobiliário". E "se é ou não
dever do proprietário rural atual de imóvel sem florestas ou sem vegetação
nativa legalmente protegida de restaurar a Reserva Legal, por sua conta,
ainda quando ali, por tempos imemoriais, inexistentes a respectiva floresta
ou vegetação nativa legalmente protegida".
Manifestação prévia da Assessoria Jurídica da SEMAD, com as seguintes
conclusões, em síntese: A reserva legal é conteúdo específico da função
ambiental da propriedade rural, nos termos do art. 225, SS 1º, III, da
CR/88. Tem sua extensão delimitada por lei, no mínimo de 20% da propriedade
rural. É obrigatória sua averbação à margem da matrícula do imóvel no
Registro de Imóveis competente. O proprietário que não possui vegetação
nativa em sua propriedade é obrigado a recompor, ou a conduzir a regeneração
natural, ou a compensar a reserva legal por outra área equivalente, no prazo
de trinta anos, nos termos do art. 99 da Lei 8.171/91.
De ordem do Advogado-Geral do Estado foi também solicitado pronunciamento da
Assessoria Jurídico-Administrativa da SEPLAG, sobrevindo o Parecer nº
0441/08 exarado na mesma linha da Nota Jurídica 046/08, da SEMAD: Sobre a
extensão da área da Reserva Legal, concluiu tratar-se de, no mínimo, 20% da
área total da propriedade e não da área de floresta ou de vegetação nativa
legalmente protegida, com base no art. 14 da Lei Estadual nº 14.309/2002. No
que tange à averbação, também se manifestou por sua necessidade. Do mesmo
modo, em relação ao dever de restauração da Reserva Legal, cuja imposição
decorre da interpretação dos arts. 16 e 44 da Lei 4.771/65, consoante
orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça.
Retorna o expediente à AGE para manifestação sobre o tema.
Passamos ao exame.
PARECER
Cuida-se de pedido de orientação formulado pela Secretaria de Estado de
Agricultura, Pecuária e Abastecimento acerca de questões atinentes a Reserva
Florestal Legal, objeto de dúvidas daquela Pasta no que concerne à
legalidade de exigências relacionadas à obrigatoriedade de averbação da
Reserva Legal no Registro Imobiliário; dever de recomposição e sobre sua
extensão.
Houve manifestações prévias da SEMAD e da SEPLAG, ambas concluindo no
sentido de necessidade da averbação da Reserva Legal à margem da matricula
do imóvel; do dever de recomposição e, quanto à extensão, de ser de, no
mínimo, 20% da propriedade.
Compartilhamos do mesmo entendimento, respaldado em expressas disposições
legais e conforme a melhor doutrina e orientação jurisprudencial do Colendo
Superior Tribunal de Justiça a respeito da matéria.
I - Obrigatoriedade de averbação da Reserva Legal no Registro Imobiliário e
de sua recomposição - Correta interpretação do art. 16 e 44, do Código
Florestal - Orientação do Superior Tribunal de Justiça.
A Reserva Florestal Legal, de acordo com o escólio do insigne Édis Milaré,
em sua obra, Direito do Ambiente, 5ª ed., 2007, p. 699:
"é uma limitação inerente ao atendimento da função social no exercício do
direito de propriedade rural, independentemente da vegetação ali existente
(natural, primitiva, regenerada ou plantada) ou do fato de essa vegetação
ter sido substituída por outro uso do solo. Essa a intenção do Código
Florestal de 1965, que ainda persiste."
Está definida no art. 1º, SS 2º, inciso III, da Lei 4.771/65, Código
Florestal:
"III - Reserva Legal: área localizada no interior de uma propriedade ou
posse rural, excetuada a de preservação permanente, necessária ao uso
sustentável dos recursos naturais, à conservação e reabilitação dos
processos ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao abrigo e proteção
de fauna e flora nativas;"
E no art. 14 da Lei Estadual 14.309/02:
"Art. 14 - Considera-se reserva legal a área localizada no interior de uma
propriedade ou posse rural, ressalvada a de preservação permanente,
representativa do ambiente natural da região e necessária ao uso sustentável
dos recursos naturais, à conservação e reabilitação dos processos
ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao abrigo e proteção da fauna
e flora nativas, equivalente a, no mínimo, 20% (vinte por cento) da área
total da propriedade." (Grifamos)
Édis Milaré, a propósito da evolução histórico-legislativa sobre Reserva
Florestal Legal, assevera:
"Todavia, não obstante o novo enfoque dado à Reserva Florestal Legal, a
regra expressada na atual redação do art. 16 do Código Florestal, em sua
essência, é a mesma contida em sua antiga redação. Ou seja, mesmo com as
inovações introduzidas pela Medida Provisória 2.166/2001, o art. 16, caput,
do Código Florestal manteve disciplinada a supressão das: (i) florestas e
demais formas de vegetação nativa, ressalvadas, é claro, as situadas em área
de preservação permanente; e (ii) florestas não sujeitas ao regime de
utilização limitada ou objeto de legislação específica.
E, ao permitir tal supressão, determina que se mantenha obrigatoriamente uma
parte da propriedade rural com cobertura florestal ou com outra forma de
vegetação nativa. Para tanto, delimita a porção a ser constituída como
Reserva Florestal Legal, no novo percentual fixado em cada situação descrita
nos incisos e parágrafos do atual art. 16."(Ob. Cit. P. 702)
Eis o teor do art. 16 do Código Florestal, com redação dada pela Medida
Provisória nº 2.166-67/2001:
"Art. 16. As florestas e outras formas de vegetação nativa, ressalvadas as
situadas em área de preservação permanente, assim como aquelas não sujeitas
ao regime de utilização limitada ou objeto de legislação específica, são
suscetíveis de supressão, desde que sejam mantidas, a título de reserva
legal, no mínimo:
I - oitenta por cento, na propriedade rural situada em área de floresta
localizada na Amazônia Legal;
II - trinta e cinco por cento, na propriedade rural situada em área de
cerrado localizada na Amazônia Legal, sendo no mínimo vinte por cento na
propriedade e quinze por cento na forma de compensação em outra área, desde
que esteja localizada na mesma microbacia, e seja averbada nos termos do SS
7o deste artigo;
III - vinte por cento, na propriedade rural situada em área de floresta ou
outras formas de vegetação nativa localizada nas demais regiões do País; e
IV - vinte por cento, na propriedade rural em área de campos gerais
localizada em qualquer região do País.
(...)
SS 8o A área de reserva legal deve ser averbada à margem da inscrição de
matrícula do imóvel, no registro de imóveis competente, sendo vedada a
alteração de sua destinação, nos casos de transmissão, a qualquer título, de
desmembramento ou de retificação da área, com as exceções previstas neste
Código."
Com efeito, vê-se que há determinação expressa de averbação da área de
reserva legal, à margem da inscrição de matrícula do imóvel, repetida no SS
2º do art. 16 da Lei 14.309/02, cujo objetivo é dar efetividade à norma
constitucional insculpida no art. 225, que assegura a todos o direito ao
meio ambiente ecologicamente equilibrado, e conferir eficácia à própria
restrição ao direito de propriedade, forte no princípio da função
socioambiental da propriedade. É que o controle da obediência à determinação
legal se faz por meio da averbação à margem da matrícula do imóvel.
Sobre a função socioambiental da propriedade, preleciona o multicitado
autor, Édis Milaré:
"Na atual ordem jurídica, como bem analisa Álvaro Luiz Valery Mirra, 'a
função social e ambiental não constitui um simples limite ao exercício de
direito de propriedade, como aquela restrição tradicional, por meio da qual
se permite ao proprietário, no exercício de seu direito, fazer tudo que não
prejudique a coletividade e o meio ambiente. Diversamente, a função social e
ambiental vai mais longe e autoriza até que se imponha ao proprietário
comportamentos positivos, no exercício de seu direito, para que a sua
propriedade concretamente se adeque à preservação do meio ambiente'.
(...)
É com base neste princípio que se tem sustentado, por exemplo, a
possibilidade de imposição ao proprietário rural do dever de recomposição da
vegetação em áreas de preservação permanente e reserva legal, mesmo que não
tenha sido ele o responsável pelo desmatamento, pois é certo que tal
obrigação possui caráter real - propter rem -, isto é, uma obrigação que se
prende ao titular do direito real, seja ele quem for bastando para tanto sua
simples condição de proprietário ou possuidor. (Ob.cit., pp. 775-776)
A Reserva Legal está, pois, ligada à própria coisa. É um ônus real que recai
sobre o imóvel e obriga ao seu proprietário e a todos que o sucedam em tal
condição. É também nessa linha a orientação do Superior Tribunal de Justiça,
que vem firmando o entendimento no sentido de que o art. 16 do Código
Florestal deve ser interpretado de forma sistêmica e, especialmente,
relacionado com o art. 44 do mesmo Código, que assim dispõe:
"Art. 44. O proprietário ou possuidor de imóvel rural com área de floresta
nativa, natural, primitiva ou regenerada ou outra forma de vegetação nativa
em extensão inferior ao estabelecido nos incisos I, II, III e IV do art. 16,
ressalvado o disposto nos seus SSSS 5deg. e 6deg., deve adotar as seguintes
alternativas, isoladas ou conjuntamente:
I - recompor a reserva legal de sua propriedade mediante o plantio, a cada
três anos, de no mínimo 1/10 da área total necessária à sua complementação,
com espécies nativas, de acordo com critérios estabelecidos pelo órgão
ambiental estadual competente;
II - conduzir a regeneração natural da reserva legal; e
III - compensar a reserva legal por outra área equivalente em importância
ecológica e extensão, desde que pertença ao mesmo ecossistema e esteja
localizada na mesma microbacia, conforme critérios estabelecidos em
regulamento."
Confira-se o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça:
"DIREITO AMBIENTAL. ARTS. 16 E 44 DA LEI Nº 4.771/65. MATRÍCULA DO IMÓVEL.
AVERBAÇÃO DE ÁREA DE RESERVA FLORESTAL. NECESSIDADE.
I - A questão controvertida refere-se à interpretação dos arts. 16 e 44 da
Lei n. 4.771/65 (Código Florestal), uma vez que, pela exegese firmada pelo
aresto recorrido, os novos proprietários de imóveis rurais foram dispensados
de averbar reserva legal florestal na matrícula do imóvel.
II - "Essa legislação, ao determinar a separação de parte das propriedades
rurais para constituição da reserva florestal legal, resultou de uma feliz e
necessária consciência ecológica que vem tomando corpo na sociedade em razão
dos efeitos dos desastres naturais ocorridos ao longo do tempo, resultado da
degradação do meio ambiente efetuada sem limites pelo homem. Tais
conseqüências nefastas, paulatinamente, levam à conscientização de que os
recursos naturais devem ser utilizados com equilíbrio e preservados em
intenção da boa qualidade de vida das gerações vindouras"
(RMS nº 18.301/MG, Rel. Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, DJ de 03/10/2005).
III - Inviável o afastamento da averbação preconizada pelos artigos 16 e 44
da Lei nº 4.771/65 (Código Florestal), sob pena de esvaziamento do conteúdo
da Lei. A averbação da reserva legal, à margem da inscrição da matrícula da
propriedade, é conseqüência imediata do preceito normativo e está colocada
entre as medidas necessárias à proteção do meio ambiente, previstas tanto no
Código Florestal como na Legislação extravagante.
IV - Recurso Especial provido."
(REsp 927979/MG, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO,PRIMEIRA TURMA, julgado em
15.05.2007, DJ 31.05.2007 p. 410)
Da interpretação dos arts. 16 e 44 da Lei 4.771/65, conclui o STJ, no REsp
821.083/MG, relatado pelo Ministro Luiz Fux, julgado em 25/03/2008:
"Destarte, se o próprio legislador anteviu hipóteses em que se faria
necessária conduta ativa do proprietário ou possuidor de imóvel rural para
recomposição ou regeneração espontânea da área de reserva legal, conclui-se
que a exigência da averbação respectiva não é condicionada à existência de
florestas ou outras formas de vegetação nativa da gleba.
A averbação da reserva legal configura-se, portanto, como dever do
proprietário ou adquirente do imóvel rural, independentemente da existência
de florestas ou outras formas de vegetação nativa na gleba.
Nesse sentido, decidiu esta e. Corte que a aquisição da propriedade sem
delimitação da reserva legal não exime o adquirente da obrigação de recompor
tal reserva, verbis :
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO. AVERBAÇÃO DE RESERVA
FLORESTAL. EXIGÊNCIA. CÓDIGO FLORESTAL. INTERPRETAÇÃO.
1. O meio ambiente ecologicamente equilibrado é direito que a Constituição
assegura a todos (art. 225 da CF), tendo em consideração as gerações
presentes e futuras. Nesse sentido, desobrigar os proprietários rurais da
averbação da reserva florestal prevista no art. 16 do Código Florestal é o
mesmo que esvaziar essa lei de seu conteúdo.
2. Desborda do mencionado regramento constitucional portaria administrativa
que dispensa novos adquirentes de propriedades rurais da respectiva
averbação de reserva florestal na matrícula do imóvel.
3. Recurso ordinário provido.
(RMS 18301/MG, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA,SEGUNDA TURMA, julgado
em 24.08.2005, DJ 03.10.2005 p. 157)"
Portanto, as orientações doutrinária e jurisprudencial são no sentido de
obrigatoriedade da averbação da Reserva Legal, independentemente de haver ou
não floresta ou vegetação nativa legalmente protegida remanescente na
propriedade. Da mesma forma, no que diz respeito ao dever de recomposição:
"EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CONTRA ACÓRDÃO PROFERIDO EM AGRAVO REGIMENTAL. DANOS
AMBIENTAIS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RESPONSABILIDADE. ADQUIRENTE. TERRAS
RURAIS.RECOMPOSIÇÃO. MATAS.
1. A Medida Provisória 1.736-33 de 11/02/99, que revogou o art. 99 da lei
8.171/99, foi revogada pela MP 2.080-58, de 17/12/2000.
2. Em matéria de dano ambiental a responsabilidade é objetiva. O adquirente
das terras rurais é responsável pela recomposição das matas nativas.
3. A Constituição Federal consagra em seu art. 186 que a função social da
propriedade rural é cumprida quando atende, seguindo critérios e graus de
exigência estabelecidos em lei, a requisitos certos, entre os quais o de
'utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio
ambiente'.
4. A lei 8.171/91 vigora para todos os proprietários rurais, ainda que não
sejam eles os responsáveis por eventuais desmatamentos anteriores. Na
verdade, a referida norma referendou o próprio Código Florestal (lei
4.771/65) que estabelecia uma limitação administrativa às propriedades
rurais, obrigando os seus proprietários a instituírem áreas de reservas
legais, de no mínimo 20% de cada propriedade, em prol do interesse coletivo.
5. Embargos de Declaração parcialmente acolhidos para negar provimento ao
Recurso Especial." (EDcl no AgRg no REsp n.255.170-SP, relator Ministro Luiz
Fux, DJ de 22/4/2003.)"
Insta salientar, por oportuno, que a orientação do Tribunal de Justiça de
Minas vem caminhando na esteira daquela firmada nos Tribunais Superiores.
Peço vênia para trazer a lume trecho de recente decisão a respeito do tema:
"O fato de não ser costumeira a observação da regra ambiental pela grande
maioria dos proprietários rurais não impede que o Estado interfira na
questão, sob a ótica do direito público constitucional, a fim de se evitarem
maiores danos ao meio ambiente. A averbação da Reserva Legal na matrícula do
imóvel tem o fim de lhe dar publicidade e especificá-la, demarcando-a e
gravando o imóvel com esse ônus, para conhecimento de todos e para que
futuros e eventuais adquirentes do respectivo imóvel rural saibam,
exatamente, a localização da Reserva Legal, com seus limites e
confrontações. Essa obrigação a mais contribuiu para que se preservem áreas
de florestas ou de vegetação nativa, sendo dever legal do proprietário e do
futuro adquirente do imóvel respeitar e manter a Reserva Legal que deve
constar da matrícula da propriedade no cartório de registro de imóveis.
A conclusão a que chego pode ser sintetizada pela transcrição do seguinte
entendimento jurisprudencial, in verbis:
"RESERVA LEGAL - AVERBAÇÃO. (...) A Reserva Legal deve ser instituída como
meio de preservar as florestas e matas nativas existentes, evitando-se o
desmatamento e a degradação do meio ambiente. A demarcação e averbação à
margem da inscrição da matrícula do imóvel perante o Cartório de Registro de
Imóveis constituem determinação legal (art. 16, SS8º, do Código Florestal,
com a alteração introduzida pela Medida Provisória nº 2.166-67, de
24/08/2001). A Reserva Legal deve ser observada em qualquer propriedade
rural e não somente naquelas que contêm área de florestas. O entendimento
contrário significa negar vigência à Lei Federal que não condicionou a
averbação da Reserva Legal à existência de florestas na propriedade rural".
(Apelação Cível nº 1.0043.04.000165-3/001, Relator Des. Wander Marotta,
acórdão de 01.03.2005, publicação de 28.04.2005).
Por sinal, tramita perante o Excelso SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL a AÇÃO DIRETA
DE INCONSTITUCIONALIDADE (ADIn) nº 3346, proposta pela CONFEDERAÇÃO NACIONAL
DA AGRICULTURA (CNA). Questionam-se os artigos 1º, III, 16 e 44, da Lei n.
4771/1965, com a redação que lhes foi dada pela MP 2166-67, de 24 de agosto
de 2001.
O Relator da referida ADIN, Ministro MARCO AURÉLIO, indeferiu a liminar
requerida. A Procuradoria-Geral da República ofereceu parecer e opinou pela
improcedência do pedido de inconstitucionalidade. Aguarda-se o julgamento e
o Supremo Tribunal Federal dá sinais do entendimento que mais reflete as
aspirações constitucionais em relação ao instituto ora examinado:
"MEIO AMBIENTE - DIREITO À PRESERVAÇÃO DE SUA INTEGRIDADE (CF, ART. 225) -
PRERROGATIVA QUALIFICADA POR SEU CARÁTER DE METAINDIVIDUALIDADE - DIREITO DE
TERCEIRA GERAÇÃO (OU DE NOVÍSSIMA DIMENSÃO) QUE CONSAGRA O POSTULADO DA
SOLIDARIEDADE - NECESSIDADE DE IMPEDIR QUE A TRANSGRESSÃO A ESSE DIREITO
FAÇA IRROMPER, NO SEIO DA COLETIVIDADE, CONFLITOS INTERGENERACIONAIS -
ESPAÇOS TERRITORIAIS ESPECIALMENTE PROTEGIDOS (CF, ART. 225, SS 1º, III) -
ALTERAÇÃO E SUPRESSÃO DO REGIME JURÍDICO A ELES PERTINENTE - MEDIDAS
SUJEITAS AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA RESERVA DE LEI - SUPRESSÃO DE
VEGETAÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE - POSSIBILIDADE DE A
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, CUMPRIDAS AS EXIGÊNCIAS LEGAIS, AUTORIZAR, LICENCIAR
OU PERMITIR OBRAS E/OU ATIVIDADES NOS ESPAÇOS TERRITORIAIS PROTEGIDOS, DESDE
QUE RESPEITADA, QUANTO A ESTES, A INTEGRIDADE DOS ATRIBUTOS JUSTIFICADORES
DO REGIME DE PROTEÇÃO ESPECIAL - RELAÇÕES ENTRE ECONOMIA (CF, ART. 3º, II,
C/C O ART. 170, VI) E ECOLOGIA (CF, ART. 225) - COLISÃO DE DIREITOS
FUNDAMENTAIS - CRITÉRIOS DE SUPERAÇÃO DESSE ESTADO DE TENSÃO ENTRE VALORES
CONSTITUCIONAIS RELEVANTES - OS DIREITOS BÁSICOS DA PESSOA HUMANA E AS
SUCESSIVAS GERAÇÕES (FASES OU DIMENSÕES) DE DIREITOS (RTJ 164/158, 160-161)
- A QUESTÃO DA PRECEDÊNCIA DO DIREITO À PRESERVAÇÃO DO MEIO AMBIENTE: UMA
LIMITAÇÃO CONSTITUCIONAL EXPLÍCITA À ATIVIDADE ECONÔMICA (CF, ART. 170, VI)
- DECISÃO NÃO REFERENDADA - CONSEQÜENTE INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE MEDIDA
CAUTELAR. A PRESERVAÇÃO DA INTEGRIDADE DO MEIO AMBIENTE: EXPRESSÃO
CONSTITUCIONAL DE UM DIREITO FUNDAMENTAL QUE ASSISTE À GENERALIDADE DAS
PESSOAS. - Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Trata-se de um típico direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão), que assiste a todo o gênero humano (RTJ 158/205-206). Incumbe, ao
Estado e à própria coletividade, a especial obrigação de defender e
preservar, em benefício das presentes e futuras gerações, esse direito de
titularidade coletiva e de caráter transindividual (RTJ 164/158-161). O
adimplemento desse encargo, que é irrenunciável, representa a garantia de
que não se instaurarão, no seio da coletividade, os graves conflitos
intergeneracionais marcados pelo desrespeito ao dever de solidariedade, que
a todos se impõe, na proteção desse bem essencial de uso comum das pessoas
em geral. Doutrina. A ATIVIDADE ECONÔMICA NÃO PODE SER EXERCIDA EM
DESARMONIA COM OS PRINCÍPIOS DESTINADOS A TORNAR EFETIVA A PROTEÇÃO AO MEIO
AMBIENTE. - A incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por
interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole
meramente econômica, ainda mais se se tiver presente que a atividade
econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está
subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a
"defesa do meio ambiente" (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e
abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural,
de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral.
Doutrina. Os instrumentos jurídicos de caráter legal e de natureza
constitucional objetivam viabilizar a tutela efetiva do meio ambiente, para
que não se alterem as propriedades e os atributos que lhe são inerentes, o
que provocaria inaceitável comprometimento da saúde, segurança, cultura,
trabalho e bem-estar da população, além de causar graves danos ecológicos ao
patrimônio ambiental, considerado este em seu aspecto físico ou natural. A
QUESTÃO DO DESENVOLVIMENTO NACIONAL (CF, ART. 3º, II) E A NECESSIDADE DE
PRESERVAÇÃO DA INTEGRIDADE DO MEIO AMBIENTE (CF, ART. 225): O PRINCÍPIO DO
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL COMO FATOR DE OBTENÇÃO DO JUSTO EQUILÍBRIO ENTRE
AS EXIGÊNCIAS DA ECONOMIA E AS DA ECOLOGIA. - O princípio do desenvolvimento
sustentável, além de impregnado de caráter eminentemente constitucional,
encontra suporte legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo
Estado brasileiro e representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre
as exigências da economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, a
invocação desse postulado, quando ocorrente situação de conflito entre
valores constitucionais relevantes, a uma condição inafastável, cuja
observância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais
significativos direitos fundamentais: o direito à preservação do meio
ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser
resguardado em favor das presentes e futuras gerações. O ART. 4º DO CÓDIGO
FLORESTAL E A MEDIDA PROVISÓRIA Nº 2.166-67/2001: UM AVANÇO EXPRESSIVO NA
TUTELA DAS ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. - A Medida Provisória nº
2.166-67, de 24/08/2001, na parte em que introduziu significativas
alterações no art. 4o do Código Florestal, longe de comprometer os valores
constitucionais consagrados no art. 225 da Lei Fundamental, estabeleceu, ao
contrário, mecanismos que permitem um real controle, pelo Estado, das
atividades desenvolvidas no âmbito das áreas de preservação permanente, em
ordem a impedir ações predatórias e lesivas ao patrimônio ambiental, cuja
situação de maior vulnerabilidade reclama proteção mais intensa, agora
propiciada, de modo adequado e compatível com o texto constitucional, pelo
diploma normativo em questão. - Somente a alteração e a supressão do regime
jurídico pertinente aos espaços territoriais especialmente protegidos
qualificam-se, por efeito da cláusula inscrita no art. 225, SS 1º, III, da
Constituição, como matérias sujeitas ao princípio da Reserva Legal. - É
lícito ao Poder Público - qualquer que seja a dimensão institucional em que
se posicione na estrutura federativa (União, Estados-membros, Distrito
Federal e Municípios) - autorizar, licenciar ou permitir a execução de obras
e/ou a realização de serviços no âmbito dos espaços territoriais
especialmente protegidos, desde que, além de observadas as restrições,
limitações e exigências abstratamente estabelecidas em lei, não resulte
comprometida a integridade dos atributos que justificaram, quanto a tais
territórios, a instituição de regime jurídico de proteção especial (CF, art.
225, SS 1º, III)." (ADI-MC 3540/DF - DISTRITO FEDERAL. MEDIDA CAUTELAR NA
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Relator: Min. CELSO DE MELLO.
Julgamento: 01/09/2005. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação: DJ
03-02-2006 PP-00014 EMENT VOL-02219-03 PP-00528).
Em respeito à autoridade da jurisprudência dos Tribunais Superiores, em face
da presunção de validade das normas, cuja inconstitucionalidade não foi
declarada pelo STF, e também levando em conta a orientação que vem sendo
adotada por aquele Excelso Pretório (vide ementa da decisão da MC na ADIn n.
3540, transcrita acima), concluo que o proprietário rural tem, dentre
outras, a obrigação constitucional e legal de instituir e averbar no
registro de imóveis a Reserva Legal." (Apelação Cível n.
1.0596.07.039154-2/001. Relator Armando Freire. DJMG de 22/01/2008)
Portanto, é dever do adquirente proceder à averbação da Reserva Legal e à
sua recomposição, ainda que não seja ele o responsável por desmatamento
anterior.
II - Extensão da área de Reserva Legal.
Sobre a extensão da área de Reserva Legal, conforme se denota da posição do
Superior Tribunal de Justiça, a quem compete uniformizar a interpretação da
legislação infraconstitucional, é de 20% do total da área da propriedade.
O art. 14 da Lei Estadual 14.309/02 não deixa nenhuma dúvida quanto a essa
exigência:
"Art. 14 - Considera-se reserva legal a área localizada no interior de uma
propriedade ou posse rural, ressalvada a de preservação permanente,
representativa do ambiente natural da região e necessária ao uso sustentável
dos recursos naturais, à conservação e reabilitação dos processos
ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao abrigo e proteção da fauna
e flora nativas, equivalente a, no mínimo, 20% (vinte por cento) da área
total da propriedade." (Grifamos)
Ainda que não houvesse clara disposição de lei no âmbito estadual, outra não
pode ser a interpretação a ser dada ao art. 16 do Código Florestal, senão a
que coadune com o fim colimado pela norma, ao estabelecer os percentuais
mínimos em cada situação ali descrita.
E os incisos do art. 16, a nosso ver, também demonstram ser essa a mens
legis, quando indicam o percentual mínimo a ser mantido, a título de reserva
legal, na propriedade rural, que pode ser maior ou menor, entre 20 e 80%,
dependendo de sua localização. Portanto, na (contração da preposição "em"
mais artigo definido "a", compondo adjunto adverbial de lugar), é termo
indicativo de que em cada propriedade, considerada a região em que se situa,
deverá ser reservada a área mínima de 20%.
CONCLUSÃO
De acordo com o art. 225 da Constituição da República, todos têm direito ao
meio ambiente ecologicamente equilibrado. Essa a razão de ser da Reserva
Florestal Legal, prevista no Código Florestal, Lei 4.771/65, cujo fim
colimado é a preservação da cobertura vegetal já existente e a regeneração
daquela devastada.
Destarte, com fundamento no princípio da função socioambiental da
propriedade e interpretando de forma sistêmica o Código Florestal, pode-se
firmar a orientação pedida no sentido de ser legítima a exigência de
averbação da área de reserva legal à margem da inscrição de matrícula do
imóvel, no registro de imóveis competente. Constitui meio legal de conferir
eficácia à própria restrição imposta ao proprietário e não se condiciona à
existência de florestas ou de outras formas de vegetação nativa da gleba,
posto que a norma impõe, também ao proprietário ou possuidor de imóvel
rural, o dever de recomposição ou regeneração espontânea da área de reserva
legal, ainda que não seja ele o responsável pelo desflorestamento.
Em relação à extensão da área de Reserva Legal, deve ser de, no mínimo, 20%
(vinte por cento) da área total da propriedade, de acordo com o art. 14 da
Lei Estadual nº 14.309/02.
À consideração superior.
Belo Horizonte, em 5 de junho de 2008.
Nilza Aparecida Ramos Nogueira
Procuradora do Estado
MASP 345.172-1 - OAB/MG 91.692
Aprovado. Em 5/06/08.
Sérgio Pessoa de Paula Castro
Consultor-Jurídico Chefe
Masp 598.222-8 - OAB/MG 62597
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