- A composse consiste no exercício simultâneo de direitos inerentes ao
domínio por mais de um possuidor.
- Havendo composse de imóvel indiviso, torna-se legítima a utilização
integral da coisa por todos os compossuidores, desde que a posse de um não
exclua a dos demais. Nessa situação, o esbulho somente se configura quando
um dos compossuidores impede o exercício da posse pelos outros.
- Não provado o esbulho, impõe-se a improcedência do pleito possessório.
- O êxito da pretensão de condenação ao pagamento da indenização prevista no
art. 952 do Código Civil demanda o reconhecimento do ilícito, consistente no
ato de "usurpação ou esbulho do alheio".
Apelação Cível n° 1.0205.05.000907-0/001 - Comarca de Cristina - Apelantes:
Francisco Inácio Marcolino e outro - Apelantes adesivos: Lázaro Gorgulho
Fernandes e outro, espólio de - Apelados: Francisco Inácio Marcolino e
outro, Lázaro Gorgulho Fernandes e outro, espólio de - Relator: Des. Wagner
Wilson
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 16ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na
conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade
de votos, em dar provimento ao recurso principal e negar provimento ao
recurso adesivo.
Belo Horizonte, 11 de março de 2009. - Wagner Wilson - Relator.
N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S
DES. WAGNER WILSON - Conheço dos recursos, já que presentes os requisitos de
admissibilidade.
Os espólios de Lázaro Gorgulho Fernandes e José Gorgulho Fernandes ajuizaram
a presente ação de reintegração de posse em desfavor de Francisco Inácio
Marcolino e Ismael Marcolino, visando à retomada do imóvel esbulhado e a
obter indenização pelas perdas e danos.
Em sua inicial, informaram que os réus adquiriram a propriedade de parte do
imóvel litigioso, mas tomaram posse de toda a área.
Os réus apresentaram contestação às f. 29/32, sustentando o exercício da
posse com justo título.
Argumentaram ainda que a pretensão dos autores de medir e delimitar as
respectivas frações ideais deve observar a parte adquirida pelo segundo
requerido, Ismael Marcolino, pela usucapião.
Impugnação à f. 48.
Laudo pericial às f. 85/88 e 115/121.
Ata de audiência de instrução e julgamento à f. 129, na qual se colheram os
testemunhos de f. 130/132.
A sentença de f. 148/152 julgou procedente em parte o pedido possessório e
improcedente o de indenização por perdas e danos.
No capítulo atinente à pretensão possessória, asseverou o Juízo a quo que,
"se os três irmãos (incluindo José Roberto) são proprietários de apenas
parte dos imóveis, a posse da totalidade dos bens exercida por Ismael
Marcolino é ilegal, porque desprovida de título legítimo para tanto" (f.
150).
Já em relação às perdas e danos, a improcedência do pedido se fundamentou no
reconhecimento de que a posse exercida contribuiu para que a propriedade
cumprisse a sua função social (f. 152).
Inconformados, autores e réus apelaram.
Os réus interpuseram o recurso de f. 155/161, visando ao reconhecimento da
inexistência de esbulho; à declaração da prescrição aquisitiva de Ismael em
área de mais de 8 (oito) hectares; e à redistribuição dos ônus sucumbenciais.
Os autores apelaram adesivamente às f. 165/173, protestando pela reforma da
sentença na parte em que julgou improcedente o pedido de indenização por
perdas e danos.
Contrarrazões às f. 165/170 e 176/178.
1. Recurso principal. Interposto pelos réus Francisco Inácio Marcolino e
Ismael Marcolino.
Alegam os apelantes não haver nos autos nenhuma notificação judicial ou
extrajudicial reivindicando o imóvel, de modo a não configurar o esbulho
pela recusa de devolução da coisa.
Sustentam que Ismael Marcolino teria adquirido uma fração das terras pela
usucapião.
Ao final, protestam contra a condenação ao pagamento dos ônus sucumbenciais.
Em contrarrazões, destacam-se o preenchimento de todos os requisitos
exigidos pelo art. 927 do Código de Processo Civil e a precariedade da posse
exercida por Ismael, o que impediria a aquisição da coisa pela usucapião.
Merece reforma a sentença.
A presente ação, não obstante consista em uma reintegração de posse, assumiu
diversas feições ao longo de seu trâmite. Em diversos momentos,
assemelhou-se a uma ação divisória, como naquele em que se apresentou uma
proposta de divisão da coisa comum. Em outros, a uma reivindicatória, a
exemplo da fundamentação utilizada para se decidir pela procedência parcial
do pedido possessório - a propriedade de apenas parte do imóvel. Chegou a
ser encarada, até mesmo, como uma ação declaratória de usucapião,
exigindo-se a planta do imóvel e o memorial descritivo para a procedência da
pretensão, sendo que, na verdade, o efeito de seu reconhecimento seria
meramente a improcedência da pretensão reintegratória.
Todavia, não estamos diante de um juízo petitório. Não se deve discutir no
presente feito o direito de propriedade (923, CPC).
Como dito, tratam os autos de uma ação de reintegração de posse, fundada no
ius possessionis, no exercício de fato de algum dos poderes inerentes à
propriedade (1.196, CC).
Em ações dessa espécie, permite-se que a posse seja mantida em nome de um
possuidor não proprietário; admite-se que essa manutenção seja realizada
inclusive em detrimento do legítimo proprietário; tolera-se até mesmo a
proteção do esbulhador contra ato de terceiro. Enfim, o real objetivo de uma
ação possessória é a manutenção de um estado de fato pretérito.
Na ação de reintegração de posse especificamente, compete à parte autora a
prova dos requisitos indicados no art. 927 do Código de Processo Civil: a
posse pretérita; o esbulho praticado pelo réu; a data do esbulho; e a perda
da posse.
In casu, a posse pretérita exercida pelos autores foi comprovada pelos
depoimentos colhidos às f. 130/132, que atestaram o exercício de poder de
fato sobre a coisa pelos antigos inventariantes, diretamente ou por meio do
terceiro de nome Donizete. Além disso, os autores detêm a posse indireta dos
imóveis.
No entanto, não há prova do esbulho.
É incontroversa nos autos a existência de composse entre as partes
litigantes, conforme se denota do testemunho de Reinaldo de Oliveira (f.
130):
"que o requerido Ismael mora na Vargem Alegre num terreno dele; que ele mora
lá há mais de 30 anos; que não sabe dizer qual o título que possibilitou a
posse ou propriedade do Ismael; que as terras ocupadas pelo Ismael são
vizinhas das do Lázaro; que não sabe dizer qual a área total das terras do
Lázaro; que o José Gorgulho, após a morte do Lázaro, passou a tomar conta
das terras deste, mas não da parte ocupada do Ismael e seus filhos; que após
a morte do José Gorgulho, um tal Donizete passou a tomar conta das terras
todas, do José Gorgulho e do Lázaro, exceto da área ocupada pelo Ismael e
seus filhos; que o Donizete trabalhava com D. Geralda; que depois que
Donizete deixou o local, quem passou a tomar conta de todas as terras foi o
Ismael e seus filhos;".
Da leitura do citado excerto, vê-se que, ao longo dos anos, autores e réus
exerceram pacifica e conjuntamente a posse sobre o imóvel, que, ressalte-se,
ainda se encontra indiviso.
Aqui, é necessário se ressaltar ser inegável o exercício de poder de fato
sobre a coisa, em composse, pelo apelante Francisco Inácio Marcolino.
Afirma-se isso não em razão dos instrumentos de cessão de direitos
hereditários celebrados com alguns dos herdeiros de Lázaro Gorgulho
Fernandes e de José Gorgulho Fernandes, pois, diante da inobservância do
disposto no art. 1.793 do Código Civil, não servem como meio de transmissão
da posse indireta.
A qualidade de compossuidor do apelante Francisco Inácio Marcolino advém da
percepção da situação fática discutida, dos fatos comprovados ao longo do
feito, enfim, do incontroverso exercício de poderes inerentes ao domínio
sobre o bem, realidade que, além de não negada pelos autores/apelados em sua
inicial, foi legitimada pela sentença na parte em que o manteve na posse da
"área adquirida", contra a qual não houve recurso.
Portanto, a relação jurídica existente entre as partes regula-se pelo
instituto da composse, assim definida por Sílvio Rodrigues (Direito civil -
Direito das coisas. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, v. 5, p. 26):
"A composse está para a posse assim como o condomínio está para o domínio.
Da mesma maneira que este não comporta mais de um titular exercendo
integralmente o direito de propriedade, também a posse não admite mais de um
possuidor a desfrutá-la por inteiro.
Entretanto, como já vimos que a posse se manifesta pelo exercício de algum
dos poderes inerentes ao domínio, nada impede que tais poderes sejam
exercidos simultaneamente por mais de um possuidor, desde que o exercício
por parte de um consorte não impeça o exercício por parte do outro. Assim, a
lei admite a composse (CC, art. 1.199).
O exemplo mais frequente de composse é a dos cônjuges, no regime de comunhão
de bens, ao exercerem, sobre o patrimônio comum, os direitos de
compossuidores. Os atos de posse, praticados por um dos cônjuges, não
excluem atos semelhantes de seu consorte. O mesmo ocorre no caso de
condomínio, em que os condôminos são compossuidores. Tanto num como noutro
exemplo, qualquer dos compossuidores pode reclamar a proteção possessória,
caso seja turbado, esbulhado ou ameaçado em sua posse".
Desse modo, constatada a composse de imóvel indiviso, torna-se legítima a
utilização integral da coisa por todos os compossuidores, desde que a posse
de um não exclua a dos demais, conforme preceitua a norma do art. 1.199 do
Código Civil, in verbis:
"Art. 1.199. Se duas ou mais pessoas possuírem coisa indivisa, poderá cada
uma exercer sobre ela atos possessórios, contanto que não excluam os dos
outros compossuidores".
Em situação de composse, o esbulho se configura quando um dos compossuidores
impede o exercício da posse pelos demais, conforme se pode depreender do
seguinte trecho da obra de Washington de Barros Monteiro (Curso de direito
civil. Direito das coisas. 37. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 3, p. 75):
"Em face do citado art. 1.199, o compossuidor exerce todos os poderes
inerentes à posse, competindo-lhe, destarte, direito de recorrer aos
interditos, não podendo excluir, todavia, os demais compossuidores. O
exercício dos direitos de cada um deve processar-se de maneira a não
prejudicar igual direito dos demais.
Assim, por exemplo, aberta uma sucessão e transmitida a herança aos
herdeiros, não é lícito a um deles exercer posse sobre o acervo, excluindo
arbitrariamente outros sucessores. Se o fizer, praticará turbação ou
esbulho, que autoriza o compossuidor prejudicado a lançar mão do interdito
adequado para reprimir o ato turbativo ou espoliativo".
No caso dos autos, não existe qualquer prova de que os réus tenham impedido
o exercício de poder sobre a coisa pelos demais compossuidores, devendo ser
julgada improcedente a pretensão possessória.
Finalmente, não é demais destacar que a arguição da usucapião em defesa de
uma ação possessória não possibilita a declaração da aquisição da
propriedade com a expedição de mandado de registro em cartório, mas, tão
somente, impede a retomada da coisa pela parte contrária.
Desse modo, já reconhecida a improcedência da demanda pela ausência de prova
do esbulho, torna-se desnecessária a análise da efetivação da prescrição
aquisitiva.
Ademais, tendo-se em vista o caráter transitório, provisório das demandas
possessórias, melhor é que a matéria seja discutida no juízo petitório,
preferencialmente em uma ação divisória, na qual será possível a delimitação
da faixa de terra que compete a cada um dos interessados.
Com essas considerações, conheço do recurso principal e dou-lhe provimento
para julgar improcedente a pretensão possessória. Os ônus sucumbenciais
serão impostos após o julgamento do recurso adesivo.
2. Recurso adesivo. Apresentado pelos espólios de Lázaro Gorgulho Fernandes
e José Gorgulho Fernandes.
Pretendem os apelantes adesivos a reforma da sentença na parte em que julgou
improcedente o pedido de indenização por perdas e danos.
Aduzem que o oferecimento de contestação em ação de reintegração de posse
configuraria a má-fé dos apelados.
Invocam o disposto no art. 921 do Código de Processo Civil, bem como a
proibição de enriquecimento ilícito.
Pedem então o provimento da apelação, a fim de condenar os apelados ao
pagamento de aluguel mensal equivalente a 1% do valor da propriedade
esbulhada.
Sem razão, contudo.
O direito material pleiteado pelos apelantes encontra-se previsto nos arts.
186, 927, caput, e 952, caput, do Código Civil, in verbis:
"Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou
imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente
moral, comete ato ilícito. [...]
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a
outrem, fica obrigado a repará-lo. [...]
Art. 952. Havendo usurpação ou esbulho do alheio, além da restituição da
coisa, a indenização consistirá em pagar o valor das suas deteriorações e o
devido a título de lucros cessantes; faltando a coisa, dever-se-á reembolsar
o seu equivalente ao prejudicado''.
Portanto, o êxito da pretensão demanda o reconhecimento do ilícito,
consistente no esbulho.
No entanto, como decidido no julgamento da apelação, não houve ilícito, não
se reconheceu a prática do esbulho, razão pela qual deve ser mantida a
improcedência do pedido indenizatório.
Com esses fundamentos, nego provimento ao recurso adesivo.
Em face da sucumbência integral dos autores, inverto os ônus sucumbenciais
impostos na sentença.
As custas recursais de ambos os apelos também serão arcadas pelos autores.
Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Bitencourt Marcondes e
Sebastião Pereira de Souza.
Súmula - DERAM PROVIMENTO AO RECURSO PRINCIPAL E NEGARAM PROVIMENTO AO
RECURSO ADESIVO.
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