- Comprovados a servidão e o esbulho, este efetivado por meio do bloqueio do
curso da nascente provinda do prédio superior, impedindo o uso da água pelo
proprietário do prédio inferior, procede o pedido de reintegração de posse.
Recurso não provido.
Apelação Cível n° 1.0236.06.008405-0/001 - Comarca de Elói Mendes -
Apelante: José Reis Picheli - Apelado: Alcyone Sampaio Correia em causa
própria - Relator: Des. Gutemberg da Mota e Silva
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 10ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos e das notas
taquigráficas, à unanimidade de votos, em negar provimento ao recurso.
Belo Horizonte, 1º de setembro de 2009. Gutemberg da Mota e Silva - Relator.
N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S
DES. GUTEMBERG DA MOTA E SILVA - José Reis Picheli interpôs apelação,
pleiteando a reforma da sentença do MM. Juiz da Vara Única da Comarca de
Elói Mendes, que, julgando procedente o pedido formulado na ação de
reintegração de posse contra si proposta por Alcyone Sampaio Correia, o
reintegrou na posse da servidão de água proveniente de sua propriedade e que
atravessa o imóvel deste, situado no bairro São Domingos, km 10, Elói
Mendes, sob pena de multa diária no valor de R$ 100,00 para a hipótese de
novo esbulho sobre o direito de o apelado usar a água.
Sustentou que o encanamento para água apenas atravessa a propriedade de José
Frata, desaguando nas terras de Luís Batista Pierrot e esposa - vendedores
dos imóveis, que reservaram para si o direito de uso da água -, restando a
José Frata apenas servidão de passagem, que não foi transferida. Esclareceu
que a inserção da inscrição "em tempo" no rodapé da escritura não tem valor
jurídico, pois não foi assinada pelo vendedor e, ainda que válida fosse, o
seria apenas para a apelada.
Alegou não ter titularizado a servidão porque o antigo proprietário - Luís
Batista Pierrot - foi quem a reservou e lhe transferiu, sendo, atualmente,
servidão precária, por se tratar de sobra de água que, correndo a céu
aberto, serve às terras da apelada por ato de mera tolerância ou permissão e
não gera direito real.
Afirmou que os depoimentos das testemunhas são falsos e contraditórios, e a
liminar foi concedida com base em um mesmo documento que apresenta dois
selos de fiscalização e conteúdos distintos: o de f. 06 (selo nº BBI-95.476)
reserva à apelada o direito de uso da água que provém de suas terras e
atravessa as dela; e o de f. 52 (selo nº AWY-11982) atesta que o cano
atravessa a propriedade da apelada, mas o direito de uso da água continua a
ser de Luís Batista Pierrot e sua mulher.
Contrarrazões, às f. 110 a 113.
É o relatório. Decido.
Juízo de admissibilidade.
Conheço do recurso, pois tempestivo e o apelante está dispensado de efetuar
o preparo, por ser beneficiário da assistência judiciária.
O art. 926 do Código de Processo Civil dispõe que:
``o possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, e
reintegrado no de esbulho''.
No caso dos autos, foram suficientemente comprovados a servidão e o esbulho,
uma vez que o apelante bloqueou o curso da nascente localizada em sua
propriedade, impedindo a utilização da água pelo apelado.
Cópia da escritura de compra e venda comprova a manutenção do direito de o
apelado usar uma retirada de água proveniente da propriedade do apelante que
atravessa o imóvel vendido ao apelado por José Frata (f. 05 e 06). Note-se
que, questionado pelo MM. Juiz, o tabelião do Cartório de Registro de
Imóveis confirmou a autenticidade da inscrição "em tempo", constante daquela
escritura.
A testemunha Luís dos Reis Pierroti, antigo proprietário do imóvel do
apelante, confirmou que, nas terras do apelante, existem três minas d´água
que foram reunidas em uma só, e "metade das águas são do José Picheli e a
restante de Alcyone", e que nas terras do apelado não existem outras águas
para uso (f. 64).
Rosa Maria Pereira Machado, vizinha das partes, relatou que a água nasce nas
terras do apelante e é armazenada em uma caixa que abastece sua propriedade
e a do apelado, mas, como o apelante cortou o fornecimento, ela está
utilizando água de um poço artesiano (f. 65).
Além disso, ainda que não houvesse servidão legalmente instituída, o apelado
teria o direito de usar a água, uma vez que os arts. 69 e 90 do Decreto nº
24.643, de 10.07.1934 (Código de Águas), assim dispõem:
``Art. 69. Os prédios inferiores são obrigados a receber as águas que correm
naturalmente dos prédios superiores.
Art. 90. O dono do prédio onde houver alguma nascente, satisfeitas as
necessidades de seu consumo, não pode impedir o curso natural das águas
pelos prédios inferiores''.
Tratando da matéria, Antônio de Pádua Nunes observa:
"Em relação às águas, portanto, deve conceder-se a manutenção, desde que o
dono do prédio superior as deixou fluir, por não usá-las e desde que o dono
do prédio inferior as aproveita, com demonstração de obras para esse fim.
Esbulho será cometido pelo dono do prédio superior se alterar essa situação
criada por ele próprio" (in Nascentes e águas comuns. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1969, p. 53).
Nesse sentido, já decidiu o Tribunal de Justiça de Minas Gerais:
"A ação de reintegração de posse é a via para proteger o possuidor que foi
esbulhado da servidão de águas, já que esta decorre da lei, não havendo
necessidade do seu registro no cartório de imóveis" (Ap. Cível nº 395.774-8,
3ª Câm. Cível, Rel.ª Des.ª Albergaria Costa; fonte: site do TJMG na internet,
consultado em 13.07.2009).
Pelo exposto, nego provimento ao recurso, mantendo integralmente a sentença
que reintegrou o apelado na posse da servidão de água proveniente de
nascente localizada nas terras de propriedade do apelante.
Custas, pelo apelante, exigíveis somente se e quando cessar sua condição de
pobre no sentido legal, pois beneficiário da assistência judiciária.
Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Alberto Aluízio Pacheco
de Andrade e Pereira da Silva.
Súmula - NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO. |