Relacionamentos - Registrar em
cartórios que o relacionamento é apenas um namoro. Essa seria uma forma
de evitar, em caso de separação ou morte, que uma das partes reivindique
benefícios da união estável. Mas o tema ainda é controverso entre
operadores do direito.
O relacionamento pode até ir muito bem. No entanto, o casal não quer que
a relação seja confundida com uma união estável, hoje com direitos
equiparados ao casamento. Para isso, os apaixonados podem procurar um
cartório e firmar uma declaração de namoro, afirmando que, até aquele
momento, não têm intenção de constituir família. O procedimento já está
sendo recomendado por alguns advogados como forma de as partes
resguardarem bens, evitarem processos de pensão alimentícia ou a divisão
da herança, em caso de falecimento.
“Vemos através dos processos que as pessoas namoram por um período e
depois passam a viver por união estável. Quando a união se desfaz e uma
das partes promove ação, quer considerar o tempo de união estável desde
o primeiro brinde entre os dois, para garantir direitos desde então”,
exemplifica a advogada, doutora em direito civil pela Universidade de
São Paulo, Regina Beatriz Tavares da Silva.
Coordenadora e professora do curso de pós-graduação da Fundação Getúlio
Vargas, ela explica que a declaração em cartório explicita que, até a
data em que foi firmada, a relação era de namoro. “Se o namorado é
confundido como companheiro, há risco de pagar pensão”, ressalta.
Segundo ela, o procedimento dispensa a presença de advogado. Os
interessados podem redigir um texto afirmando não haver intenção em
constituir família até então e levar ao cartório, de preferência com
duas testemunhas. Ela ressalta que o documento só é válido juridicamente
quando reflete uma situação real.
Regina discorda do termo contrato de namoro, usado por alguns operadores
do direito. “Contrato cria, modifica ou extingue direitos e obrigações.
O namoro não é um ato de conteúdo jurídico. Fica só no plano social”.
Para o juiz e professor de direito civil da Universidade Federal da
Bahia (UFBA), Pablo Stolze Gagliano, o contrato de namoro é desprovido
de validade jurídica. “Uma união estável, diferentemente do casamento, é
um fato jurídico, ou seja, independe da simples vontade do casal”,
defende Stolze.
Mestrando pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo em
direito civil, ele considera compreensível a preocupação que leva ao
acordo. Mas alerta: “Se circunstancias da vida mostram que há união
estável, o contrato não terá validade”.
A questão ganha corpo com os tênues limites estabelecidos pela
legislação, Stolze lembra que a lei que regulamentou a união estável no
Brasil (n. 8.971, de 1994) utilizou referenciais objetivos. Exigiu uma
convivência superior a cinco anos ou a existência de uma prole comum
para o reconhecimento da união concubinária e seus efeitos.
No entanto, a Lei n. 9.278, de 1996, revogou parcialmente a anterior e
os critérios objetivos estabelecidos. Passou a admitir a existência da
união estável pelo simples fato de um homem e uma mulher conviverem de
forma pública e duradoura, com o objetivo de constituir família, não
importando o tempo de existência do relacionamento ou existência de
filhos. “Diferentemente do que se poderia imaginar, a Lei Civil de 2002
não inovou na matéria”.
Para complicar ainda mais, a súmula 382 do supremo Tribunal Federal (ST)
diz que, mesmo o casal morando em casas separadas, pode se constituir
união estável. “Na minha opinião, essa súmula existe, mas não vigora na
prática. Para os que pensam que vigora, há um risco de o namoro ser
confundido com união estável”, defende Regina.
Em meio à polêmica, uma dificuldade permanece: como dizer para o
parceiro que quer registrar o namoro em cartório?
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