Da mesma forma que a recusa do suposto pai
em submeter-se ao exame de DNA serve como elemento probatório para
demonstração de paternidade, a insistente recusa da mãe em submeter o
filho ao mesmo exame gera presunção de que o autor não é o pai da criança.
Com esse entendimento, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça
reconheceu uma negativa de paternidade e determinou a anulação do registro
de nascimento do menor.
No caso julgado, o suposto pai propôs ação declaratória de anulação de
registro civil cumulada com negatória de paternidade, por ter sido
induzido a erro quando registrou o bebê. Sustentou ter sido vítima de
gravíssima injúria, já que a criança não é seu filho biológico, conforme
constatado em laudo de exame de DNA realizado por conta própria em 1997. A
atribuição da falsa paternidade também motivou o ajuizamento de ação de
separação judicial litigiosa.
O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) rejeitou o laudo feito
unilateralmente por falta de instauração do contraditório e determinou a
realização do exame de DNA, mas a mãe do menor recusou-se, por quatro
vezes, a submeter o filho ao exame genético. Mesmo assim, o TJRJ entendeu
que a recusa da mãe foi insuficiente para o acolhimento do pedido e
aplicou a presunção de paternidade de filho nascido durante a constância
do casamento, conforme o artigo 1.597 do Código Civil.
O suposto pai recorreu ao STJ. O relator da matéria, ministro Luis Felipe
Salomão, votou pelo desprovimento do recurso. Mas, em voto vista que abriu
a divergência, o ministro Fernando Gonçalves sustentou que a presunção da
paternidade não se aplica ao julgado, já que o dispositivo vige nos casos
em que a criança nasce depois de 180 dias do início da convivência
conjugal. Segundo os autos, o casamento do recorrente foi celebrado em
novembro de 1994 e a criança nasceu um mês depois.
Prosseguindo seu voto, Fernando Gonçalves ressaltou que a insistente
recusa da mãe em submeter o filho ao teste de DNA, sem qualquer
justificativa plausível, faz supor a integridade e a credibilidade do
exame apresentado pelo recorrente. Segundo o ministro, a mera realização
do exame, hoje feito com a simples coleta de saliva, sequer necessitando
da retirada de sangue, afastaria de pronto as pretensões do autor em negar
a paternidade do filho.
O ministro destacou que nesse julgamento não foi a simples recusa à
realização do exame do DNA que o levou a presumir a inexistência de
vínculo filial. Para ele, a recusa da mãe, o exame de DNA juntado nos
autos e a determinação do recorrente em realizar o exame junto com o
suposto filho são suficientes para dar consistência à tese do artigo 232
do Código Civil: “A recusa à perícia médica ordenada pelo juiz poderá
suprir a prova que se pretendia obter como o exame.”
Em seu voto, o ministro também descartou a hipótese da aplicação da
filiação afetiva, já que a ação foi ajuizada em junho de 1997, quando a
criança contava com apenas dois anos de idade, sem que tenha convivido com
o pai sob o mesmo teto por mais de um ano. “A princípio, não há vínculo
suficiente entre as partes para configurar, mesmo que fosse, a filiação
afetiva definida pela estabilidade dos laços afetivos construídos no
cotidiano de pai e filho.”
Por outro lado, concluiu o ministro, deve-se considerar que a manutenção
de um vínculo de paternidade a toda força impede a criança de conhecer seu
verdadeiro estado de filiação, direito personalíssimo nos termos do artigo
27 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Assim, por maioria, a Turma acolheu o recurso para aceitar a
desconstituição da paternidade e determinar a anulação do registro de
nascimento relativo ao pai e respectivos ascendentes ali declarados.
REsp 786312