EMENTA
ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. TABELIONATO DE
NOTAS. PERDA DA DELEGAÇÃO. NOMEAÇÃO DE INTERVENTOR EM DETRIMENTO DO
SUBSTITUTO MAIS ANTIGO. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIOS DA
MORALIDADE E DA IMPESSOALIDADE. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. Em situações
excepcionais, é válida a designação de interventor, em detrimento do
substituto mais antigo (esposa do então titular), para responder pelo
expediente após a decretação de perda da delegação de serventia.
Interpretação do art. 39, § 2º, da Lei 8.935/94 realizada em consonância com
o disposto no seu art. 36, § 1º, e com os princípios constitucionais da
moralidade e da impessoalidade. 2. Recurso ordinário não provido. (STJ – RMS
nº 26.552 – SP – 1ª Turma – Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima – DJ 29.09.2010)
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima
indicadas, acordam os Ministros da PRIMEIRA TURMA do Superior Tribunal de
Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso ordinário em mandado
de segurança, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros
Benedito Gonçalves (Presidente), Hamilton Carvalhido, Luiz Fux e Teori
Albino Zavascki votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília, 16 de setembro de 2010 (Data do Julgamento).
Ministro Arnaldo Esteves Lima – Relator
RELATÓRIO
MINISTRO ARNALDO ESTEVES LIMA: Trata-se de recurso ordinário em mandado de
segurança interposto por ANA SIQUINELLI CATARIN, com fundamento no art. 105,
II, "b", da Constituição Federal, contra acórdão do Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo assim ementado (fls. 200/201e):
MANDADO DE SEGURANÇA. TABELIÃ SUBSTITUTA PRETERIDA NA SUBSTITUIÇÃO DO
TITULAR CONDENADO À PERDA DE DELEGAÇÃO. IMPETRANTE QUE É ESPOSA DO TITULAR
PUNIDO. INVIABILIDADE DE SE OUTORGAR A GESTÃO DA SERVENTIA CUJAS
IRREGULARIDADES RESULTARAM NA PERDA DA DELEGAÇÃO À ESPOSA DO PRINCIPAL
RESPONSÁVEL PELA SITUAÇÃO CONSTATADA PELA CORREGEDORIA GERAL DE JUSTIÇA.
ORDEM DENEGADA.
A fiscalização permanente dos serviços públicos extrajudiciais delegados a
particulares impõe que a Corregedoria Geral de Justiça remova os óbices ao
regular funcionamento dessas atividades estatais. Por isso é que a
formalidade da substituição natural deve ser arredada quando significar
continuidade de práticas irregulares detectadas após correição de que
resultou a perda de delegação do titular.
As Normas de Serviço da Corregedoria Geral de Justiça prevêem a
possibilidade de se designar outro substituto para a serventia cujo titular
perdeu a delegação por práticas irregulares, se o substituto mais antigo não
representar efetiva ruptura com essas práticas, mas significa, na verdade,
presunção de continuidade da situação anormal.
Sempre que o interesse público ou a conveniência administrativa o
recomendar, o substituto mais antigo de um serviço público delegado poderá
ser dispensado e outrem designado em seu lugar, a critério da Corregedoria
Geral de Justiça que, para isso, dispõe de reconhecida discricionariedade.
No acórdão objeto do recurso ordinário, o Tribunal de origem denegou a ordem
em mandado de segurança impetrado pela recorrente, no qual se insurge contra
ato que a preteriu na designação de tabeliã substituta para gerir o 2º
Tabelionato de Notas e Protesto de Letras e Títulos de Birigui/SP.
De acordo com os autos, o titular do tabelionato, WAMIR CATARIN, marido da
recorrente, foi condenado à perda da delegação, por violação ao art. 31, I e
II, da Lei 8.935/94. No curso do processo, foi designado um interventor para
assumir a serventia. Após a decisão que decretou a perda da delegação, a
autoridade impetrada manteve a nomeação do interventor até que a vaga seja
provida por concurso público.
Em seu recurso ordinário, a recorrente sustenta, em síntese, que o acórdão
recorrido violou o art. 39, § 2º, da Lei 8.935/94, que determina que,
extinta a delegação, o substituto mais antigo será designado para responder
pelo expediente até posterior realização de concurso público.
Afirma que a presunção adotada no acórdão recorrido, no sentido de que, por
ser esposa do então titular do tabelionato, sua designação para assumir a
serventia implicaria a continuidade da situação anormal, viola o art. 5º,
LVII e XLV, da Constituição Federal.
A FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO apresentou contrarrazões. Sustenta que o
acolhimento da pretensão da recorrente tornaria inócuo o afastamento do
tabelião, pois, no curso das investigações, ele teria atribuído a culpa das
irregularidades ao seu filho, "tendo ainda feito referências à esposa, que
naquela época era a sua substituta à frente da serventia" (fl. 282).
Alega que o ato impugnado foi praticado de acordo com o disposto no item 11
das Normas do Pessoal dos Serviços Extrajudiciais (Proc. CG 5/96) e com os
princípios constitucionais que regem a Administração Pública, em especial o
da moralidade.
O Ministério Público Federal, pela Subprocuradora-Geral da República MARIA
CAETANA CINTRA SANTOS, opina pelo não provimento do recurso ordinário (fls.
261/264).
É o relatório.
VOTO
MINISTRO ARNALDO ESTEVES LIMA (Relator):
Conforme relatado, o Tribunal de origem denegou a ordem em mandado de
segurança impetrado pela recorrente, no qual se insurge contra ato que a
preteriu na designação de tabelião substituto para gerir o 2º Tabelionato de
Notas e Protesto de Letras e Títulos de Birigui/SP.
De acordo com os autos, o titular do tabelionato, WAMIR CATARIN, marido da
recorrente, foi condenado à perda da delegação, por violação ao art. 31, I e
II, da Lei 8.935/94. No curso do processo, foi designado um interventor para
assumir a serventia. Após a decisão que decretou a perda da delegação, a
autoridade impetrada manteve a nomeação do interventor até que a vaga seja
provida por concurso público.
Sobre o tema, a Lei 8.935/94 assim dispõe:
Art. 35. A perda da delegação dependerá:
I – de sentença judicial transitada em julgado; ou
II – de decisão decorrente de processo administrativo instaurado pelo juízo
competente, assegurado amplo direito de defesa.
§ 1º Quando o caso configurar a perda da delegação, o juízo competente
suspenderá o notário ou oficial de registro, até a decisão final, e
designará interventor, observando-se o disposto no art. 36.
§ 2º (Vetado).
Art. 36. Quando, para a apuração de faltas imputadas a notários ou a
oficiais de registro, for necessário o afastamento do titular do serviço,
poderá ele ser suspenso, preventivamente, pelo prazo de noventa dias,
prorrogável por mais trinta.
§ 1º Na hipótese do caput, o juízo competente designará interventor para
responder pela serventia, quando o substituto também for acusado das faltas
ou quando a medida se revelar conveniente para os serviços.
(...)
Art. 39. Extinguir-se-á a delegação a notário ou a oficial de registro por:
(...)
V – perda, nos termos do art. 35.
(...)
§ 2º Extinta a delegação a notário ou a oficial de registro, a autoridade
competente declarará vago o respectivo serviço, designará o substituto mais
antigo para responder pelo expediente e abrirá concurso.
No caso, a recorrente sustenta que, por ser a substituta mais antiga da
serventia, deveria ter sido designada para responder pelo expediente após a
declaração de extinção da delegação, nos termos do art. 39, § 2º, da Lei
8.935/94.
O Tribunal de origem assim rejeitou a pretensão da recorrente (fls.
203/205e):
A hipótese não é nova e a hermenêutica a ser conferida à norma que impõe a
designação do substituto já mereceu elucidação nas Normas de Serviço da
Corregedoria Geral de Justiça. No Capítulo I, itens 11 e seguintes das
Normas do pessoal dos Serviços Extrajudiciais – Proa CG.5/96 – lê:se:
11. Extinta a delegação outorgada a notário ou a oficial de registro, o
Corregedor Geral da Justiça declarará vago o respectivo serviço e designará
o substituto mais antigo para responder pelo expediente, salvo motivo
concreto, ou situação adrede conhecida, em que não seja atendido o interesse
público ou a conveniência administrativa.
A clareza do item 11.2. é cristalina:
11.2. Sempre que o interesse público ou a conveniência administrativa o
recomendar, o substituto mais antigo poderá ser dispensado e outrem
designado na forma do item 11.3.
Para completar:
11.3. Não havendo preposto apto que possa assumir o serviço, o Corregedor
Geral da Justiça, preferencialmente, mediante sugestão da respectiva
Corregedoria Permanente, designará um responsável do mesmo ou de outro
serviço, da mesma comarca, quando possível, que passará a responder pelo
expediente.
A longeva orientação da Corregedoria assegura a fiscalização do Judiciário
sobre serviços que nasceram afetos ao desempenho judicial. Tanto que a
doutrina considera a atividade notarial e registaria como espécie de
jurisdição voluntária. Impor-se a um órgão correcional, que tem sob sua
responsabilidade a lisura dos serviços públicos delegados a particulares,
observância estrita e formalística de um preceito totalmente desvinculado do
regime das serventias é sepultar a função corretiva. Em evidente detrimento
do interesse público.
(...)
Ora, a impetrante é partícipe da administração cujos vícios ensejaram a
perda da delegação. Outorgar-se a ela o direito a permanecer à testa da
serventia é propiciar a continuidade dos erros e vícios detectados pela
Corregedoria Geral, no exercício angustiante do múnus da disciplina.
O Corregedor só pode exercer com higidez e eficiência a sua missão, se
dispuser de discricionariedade para afastar dos serviços que lhe são
subordinados, servidores envolvidos em irregularidades noticiadas ou
apuradas. Na espécie, houve apuração efetiva, perda de delegação e todo o
mérito de expurgar do sistema pessoal de conduta incompatível com a
relevância das funções ruiria e estaria sacrificado, pudesse a titularidade
residir – ainda que provisoriamente – na pessoa da esposa do principal
punido.
Tal designação, ainda que amparada por leitura estrita de texto legal,
contraria todo o sistema. Não condiz com o novo trato conferido pela
Constituição aos serviços, nem atende ao princípio da moralidade, abrigado
com explicitude no pacto vigente.
O acórdão recorrido deve ser mantido por seus próprios fundamentos. Com
efeito, diante das peculiaridades do caso, o art. 39, § 2º, da Lei 8.935/94
deve ser interpretado de acordo com o disposto no art. 36, § 1º, da citada
lei e, em especial, com os princípios constitucionais da moralidade e da
impessoalidade.
O Superior Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de apreciar caso
semelhante aos dos autos, tendo assim decidido:
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CARTÓRIO. PROCESSO ADMINISTRATIVO
DISCIPLINAR. AFASTAMENTO E PERDA DA DELEGAÇÃO. NOMEAÇÃO DE TERCEIRO COMO
INTERVENTOR. PRETERIÇÃO DE SUBSTITUTO MAIS ANTIGO. POSSIBILIDADE. ATO
DISCRICIONÁRIO. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL E DE CRISE INSTITUCIONAL. PRINCÍPIOS DA
IMPESSOALIDADE E DA MORALIDADE.
1. Caso em que o titular de serventia extrajudicial, após suspensão de suas
funções e afastamento para responder a procedimento disciplinar, perde a
delegação.
2. É discricionário o ato da Administração Judiciária que, em vez de optar
pelo substituto mais antigo, decide, nos termos do art. 36 da Lei 8.935/94,
nomear terceira pessoa como interventor e, diante das peculiaridades do caso
concreto (relação próxima de parentesco), manter, com base nos princípios da
impessoalidade e da moralidade, a referida nomeação até o preenchimento
definitivo da vaga. Precedentes do STJ.
3. Recurso Ordinário em Mandado de Segurança não provido. (RMS 28.013/MG,
Rel. para o acórdão Min. HERMAN BENJAMIN, Segunda Turma, DJe 3/8/10)
Para melhor compreensão da matéria, transcrevo trecho do voto que embasou o
citado acórdão:
Na sua função de fiscalização da serventia, a autoridade coatora designou o
litisconsorte, ora recorrido, para exercer o encargo almejado pelo
impetrante, ressalvando as razões de não ter designado o último.
Embora tenha sido, de certa forma, infeliz a escolha do motivo ora
questionado, deve ser feita distinção – ao meu sentir – crucial para solver
essa demanda.
É que se está diante de instituto jurídico diametralmente oposto, embora com
similitude de denominação. O caso, em verdade, trata de designação de
interventor, referido pelo art. 36 da Lei 8.935/94 nos seguintes termos
(grifei):
(...)
O interventor não é uma pessoa de livre escolha do delegatário quando no
exercício normal de suas funções privadas. Ele é um agente do Estado
designado para gerenciar temporariamente uma serventia extrajudicial na
constância do afastamento do titular, ou, nas palavras de Walter Ceneviva:
(...)
Assim, vale ressaltar que as hipóteses de designação de interventor estão
enumeradas nos arts. 35, § 1º, e 36 do referido regramento, respectivamente,
nos casos em que a suspensão do delegatário ocorre com probabilidade de
perda da delegação (inciso IV do art. 32) e nos casos de suspensão
preventiva, verdadeira medida cautelar para assegurar apuração das faltas
imputadas.
(...)
Em outras palavras: há o Estado atuando como interventor e fiscal ao mesmo
tempo, em situação de extrema gravidade, a qual pode colocar em xeque a
própria credibilidade da fé pública que rege os serviços notariais.
Em momentos de crise institucional, tal como se verificou no presente caso,
por óbvio que a cautela deve ser a regra.
(...)
O intuito dos princípios da impessoalidade e da moralidade na Administração
está direcionado para mostrar ao cidadão comum que o Estado deve estar
pautado, em tema de recrutamento de recursos humanos, nos critérios mais
objetivos possíveis, evitando-se as razões de ordem subjetiva e, sobretudo,
motivadas por laços familiares.
O que distingue o setor público do setor privado é justamente essa
necessária demonstração de impessoalidade, decorrente do trato com a coisa
do povo (res publica).
(...)
Conclui-se, nesses termos, que, a rigor, bastaria que a autoridade coatora
designasse o interventor, mencionando apenas a razão estampada na lei –
i.e., por conveniência dos serviços –, sendo desnecessário fazer alusão à
questão do parentesco. Essa é exatamente a dicção do art. 36 da Lei 8.935/94
e evidencia a natureza discricionária da designação.
Ante o exposto, nego provimento ao recurso ordinário.
É o voto.
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