Registro Civil - Prenome - Erro de Grafia - Exclusão de Consoante - Admissibilidade


- A imutabilidade do nome e dos apelidos de família não é mais tratada como regra absoluta. Tanto a lei, expressamente, como a doutrina e a jurisprudência admitem sua alteração em algumas hipóteses, de acordo com as peculiaridades de cada caso.

- Quando não se vislumbra fraude, sendo manifesto o erro de grafia, permite-se à pessoa excluir de seu prenome a letra que descaracteriza a forma pela qual é reconhecida em seu ambiente familiar e social, desde que não enseje prejuízo a terceiros, não oculte a identidade do pretendente e seja mantida a estabilidade das relações jurídicas.

Apelação Cível nº 1.0309.03.900041-4/001 - Comarca de Inhapim - Relator: Des. Brandão Teixeira

ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, em dar provimento.

Belo Horizonte, 04 de maio de 2004. - Brandão Teixeira - Relator.

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

O Sr. Des. Brandão Teixeira - Os presentes autos versam sobre recurso de apelação interposto em função da sentença de fls. 21/22-TJMG, que julgou improcedente o pedido formulado em ação de retificação de registro civil movida por Serlene Maria de Manasses Silva, objetivando a alteração de seu prenome para Selene.

Em suas razões de apelação (fls. 25/28), a recorrente pugna pela reforma da sentença. Alega que, desde a data de seu nascimento, seus pais, irmãos e amigos a chamavam de Selene, nome pelo qual é conhecida até hoje no âmbito familiar e social. Imputa erro de grafia no seu prenome, o que a incomoda profundamente. Por tais motivos, pretende retificá-lo para retirar a consoante "R" e passar a assinar corretamente o nome de Selene. Alega questão de foro íntimo, personalíssimo, porque se sente incomodada com o alegado erro de grafia no seu prenome.

Juízo de admissibilidade.

Conhece-se do recurso, diante da presença dos requisitos de admissibilidade.

Juízo de mérito.

A apelante pretendeu obter a alteração de seu prenome "Serlene" para retirar a consoante "r" e passar a assinar corretamente o nome de Selene. Alegou que "(...) desde criança, seus pais, irmãos e amigos a chamavam de Selene" (fl. 03-TJMG), nome pelo qual é conhecida até hoje, mesmo após o casamento. Imputou erro de grafia no seu prenome, o que a incomoda profundamente. Pretendeu retificar a sua certidão de casamento e todos os documentos com relação ao seu prenome.

O MM. Juiz a quo julgou improcedente o pedido, fundamentando que "(...) a pretensão ajuizada pela requerente não se enquadra nos casos previstos em Lei, não devendo prosperar. A imutabilidade do nome visa garantir a estabilidade das relações jurídicas e só excepcionalmente deve ser rompida" (sic).

Permissa venia, a sentença está mesmo a merecer reforma. A solução da quaestio deve ser diferente daquela dada pelo ilustre Sentenciante.

No presente procedimento de jurisdição voluntária, a causa de pedir, a motivar o pedido de alteração de prenome do nome civil da apelante consistiu no fato de não ser a mesma conhecida no meio social como Serlene, mas, exclusivamente, como Selene. Justifica a apelante que "tal pretensão é porque a Apelante sempre foi conhecida no âmbito familiar e social como Selene" e que "(...) não quer causar prejuízo a ninguém, ou ocultar a própria identidade. Demonstra, porém, que houve engano por ocasião do assento de seu nascimento" (fl. 26-TJMG).

Sabe-se que a imutabilidade do nome e dos apelidos de família não é mais tratada como regra absoluta e irredutível. Tanto a lei, expressamente, como a doutrina e a jurisprudência admitem sua alteração em algumas hipóteses. O bem jurídico que o princípio da imutabilidade procura tutelar é "a fixidez e regularidade dos meios de identificação dos diversos indivíduos" (R. Limongi França, in Do Nome Civil das Pessoas Naturais, p. 251, RT, 1958). Por isto, imutável deve ser considerado o nome pelo qual a pessoa é socialmente conhecida, e não aquele com o qual fora registrada (vide jurisprudência do STJ: Recurso Especial nº 213.682-GO - www.stj.gov.br).

O artigo 56 da Lei nº 6.015/73 assegura ao interessado, no curso do primeiro ano após atingir a maioridade, alterar o nome desde que não prejudique os apelidos familiares. O artigo 57 e seus parágrafos disciplinam as alterações de nome depois da maioridade, exigindo para tanto justo motivo e sentença judicial, com intervenção do Ministério Público.

Com a redação atribuída pela Lei 9.708/98 ao art. 58 da Lei 6.015/73, passou-se a admitir a substituição do prenome por apelidos púbicos notórios. Assim, a Lei de Registros Públicos tornou mais flexível a retificação do nome civil, que não mais se respalda somente nas hipóteses que foram elencadas na sentença: "a) retificação em caso de erro gráfico evidente; b) mudança em caso de exposição ao ridículo".

Compondo o nome civil, juntamente com o nome de família (patronímico) e o cognome (apelido), o prenome destina-se mais comumente à identificação do indivíduo perante a família e a sociedade. Por isto, não se pode desconsiderar, para fins de julgamento do pedido de retificação, o fato de ser ou não ser conhecido o prenome de uma pessoa, no meio social, mormente quando ela é conhecida pelo prenome "Selene" e incomoda-se com o uso do prenome "Serlene".

In casu, é manifesto o erro de grafia. Compulsando os autos, infere-se que realmente não deveria constar a consoante "R" no prenome da apelante. O registro de batismo de fl. 10-TJMG evidencia a ocorrência do equívoco.

Modernamente, em casos como tais, tem-se admitido a exclusão da letra integrante equivocadamente do prenome, desde que tal modificação não enseje prejuízo a terceiros, nem oculte a identidade do pretendente.

Não admitir a retificação como a pretendida pela apelante significa apego exagerado ao formalismo, o que sofre repulsa nos dias de hoje, principalmente quando a mudança do prenome não se dá por capricho ou malícia e as provas documental e testemunhal comprovam que ela é conhecida apenas como "Selene" e não como "Serlene".

A manutenção do prenome "Serlene" e sua assinatura causam transtornos à apelante, por não ser conhecida como tal. A respeito de constrangimentos relativos a prenomes, confrontem-se as Apelações Cíveis nº 2000.04.01.004115-1/RS e nº 2001.04.01.057010-3/RS, julgadas pela 3ª Turma do TRF da 4ª Região.

Como essa noção advém das praesumptiones hominis (presunções do homem, presunções comuns) decorrentes das "regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece" (art. 335 do CPC), pode-se considerar existente no processo algum indício de que a autora não faz questão alguma, no foro íntimo, de manter o prenome "Serlene" em seu nome civil. Tanto é assim, que deseja alterá-lo.

Assim, inexistindo dispositivo legal que vede a retificação de registro em análise e observando que os autos versam procedimento de jurisdição voluntária, em que o Judiciário deve exercer função tipicamente administrativa, e não jurisdicional, sem sujeição a critérios de legalidade estrita, impõe-se, desde que tomadas as cautelas indispensáveis para o resguardo de interesse de terceiros, e a estabilidade das relações jurídicas, reconhecer o direito subjetivo da apelante de excluir de seu nome civil a consoante "R", que integra o seu prenome, evitando, assim, constrangimentos.

A jurisprudência acolhe o presente entendimento:

"Registro civil - Alteração de nome - Questões de fato e de direito - Processualidade. - Se as questões de fato e de direito foram devidamente comprovadas pelo requerente, não será desarrazoado o atendimento do pedido de retificação junto ao Registro Civil" (Ap. Cível nº 214.098-6/00. Relator: Desembargador Francisco Figueiredo, publicado em 08.02.2002).

Apelação cível - Registro civil - Retificação de assento de nascimento - Reconhecimento social - Recurso procedente. - 1. A alteração introduzida na legislação do registro civil (art. 58, parágrafo único, da Lei nº 6.015/73), pela Lei nº 9.708/98. Admite a substituição do prenome por apelido público e notório. - 2. Reconhecida em seu ambiente social e profissional através do prenome praticado, deve o nome civil coincidir com a real individualização da pessoa perante a família e a sociedade" (Apelação Cível nº 0109020000, Acórdão 7.804, 6ª Câmara Cível do TJPR, Santa Helena, Relator Des. Ramos Braga. j. em 10.10.2001).

Civil. Registros públicos. Prenome. Alteração. Possibilidade. - I - Para segurança das relações jurídicas estabelecidas entre as pessoas físicas é conveniente a imutabilidade do nome, pois atributo da própria personalidade. Porém, essa regra não é absoluta, podendo o prenome ser substituído por apelido notório de seu titular. Inteligência do art. 58, caput, da Lei de Registros Públicos, com a redação emprestada pela Lei nº 9.708/98. Depois, a recorrente busca a tutela jurisdicional para chancelar uma situação de fato preexistente. II - Recurso provido. Unânime". (Apelação Cível nº 20000110397249 (155357), 2ª Turma Cível do TJDFT, Relator Des. José Divino de Oliveira. j. em 21.03.2002, DJU de 19.06.2002, p. 36.)

Obviamente, devem-se resguardar todas e quaisquer obrigações, direitos e interesses de terceiros em relação à apelante ao tempo antecedente, seja quanto ao seu nome de solteira (Serlene Maria de Manasses), seja quanto ao nome após seu casamento (Serlene Maria de Manasses Silva).

Conclusão.

Ex positis, dá-se provimento ao recurso, para determinar a exclusão da consoante "r" do registro da apelante, para que conste no assento civil o nome Selene Maria de Manasses Silva.

Oficie-se o Cartório de Registro Civil competente para proceder à retificação da certidão de nascimento e da certidão de casamento.

Oficie-se à Secretaria de Segurança Pública Estadual; à Polícia Federal, ao Cartório Eleitoral; às Receitas Federal, Estadual e Municipal; à Justiça Federal e ao distribuidor cível e criminal da Justiça Estadual.

Custas, na forma da lei.

O Sr. Des. Caetano Levi Lopes - De acordo.

O Sr. Des. Francisco Figueiredo - De acordo.

Súmula - DERAM PROVIMENTO.
 


Fonte: Jornal "Minas Gerais" - 20/10/2004