Com a entrada em vigor do novo Código
Civil, uma grande celeuma se formou em razão de qual a taxa de juros
moratórios seria aplicada pelos Tabelionatos de Protestos, nos
documentos de dívidas apresentados para protesto, quando os mesmos não
forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou ainda quando
provierem de determinação da lei.
Pela atual redação do art. 406 do Código Civil, serão fixados os juros
segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos
devidos à Fazenda Nacional, ou seja, a Taxa Selic.
Os Tribunais até agora não se manifestaram sobre a questão. O Ministro
Franciulli Netto, em recente palestra proferida no Banco Central, em
Brasília, entende que a taxa de juros a ser aplicada em face ao art. 406
do atual Código Civil, deverá ser de 1% ao mês ou 12% ao ano e não tomar
como parâmetro a Taxa Selic.
Veja abaixo a íntegra da matéria, publicada no Boletim Eletrônico INR nº
277, e tendo como fonte o site do Superior Tribunal de Justiça:
Franciulli Netto analisa aplicação da Taxa Selic no Novo Código Civil
O texto abaixo são tópicos da palestra apresentada no dia 8 de março de
2004, no Banco Central em Brasília, sobre o tema "Os juros no Novo
Código Civil e a Taxa Selic". A palestra representa posição do
ministro palestrante, Franciulli Netto, sobre a aplicação da Taxa Selic
para fins tributários e em face do artigo 406 do atual Código Civil. A
priori, ele acredita que a taxa deveria ter sido criada por lei para
produzir conseqüências jurídicas e os tribunais, infelizmente, ainda não
enfrentaram sua constitucionalidade.
Para Franciulli Netto, atenta contra o princípio da segurança jurídica a
realização de negócios sem saber quanto o devedor deve pagar ao final.
Para verificar a incongruência da taxa no Direito Civil, ele recomenda
atentar para o modo de apuração da taxa. Ele lembra também que o Governo
a utiliza como forma de conter a inflação. Em conclusão, o ministro
analisa os óbices para a utilização da taxa para a hipótese do artigo
406 do novo Código Civil.
A seguir os tópicos da palestra proferida pelo ministro Franciulli Netto:
Até o presente momento não houve pronunciamento dos Tribunais
Superiores sobre a inconstitucionalidade da Taxa Selic para fins
tributários. Não se tem notícia de qualquer decisão a respeito do
Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça vem aceitando
a aplicação da Taxa Selic dando-a por constitucional e legal, sem
maiores considerações. Nenhum julgado, até onde se sabe defende
explicitamente a constitucionalidade e legalidade da Taxa Selic. Pelo
menos, não foram até o presente, respondidos os argumentos apresentados
pelo palestrante ao suscitar argüição de inconstitucionalidade da Taxa
Selic para fins tributários no REsp. nº 215.881/PR. A douta maioria da
Corte Especial do STJ, em 18.04.2001, acolheu preliminar de
não-conhecimento contra cinco votos. Prevaleceu a tese do Ministro
Nilson Naves, relator designado para o acórdão, no sentido de que o
mérito só poderia ser conhecido desde que fosse para beneficiar o
recorrido.
Juro "é o que o credor recebe do devedor, além da importância da
dívida"; "é o preço do dinheiro".
Os juros legais são aqueles definidos em lei; os juros moratórios,
aqueles que visam a compensar o retardamento ou o inadimplemento de uma
obrigação; os compensatórios têm como escopo cobrir eventuais perdas e
danos e lucros cessantes, ainda que potenciais; os remuneratórios são o
próprio preço do dinheiro; os convencionais são os decorrentes da
exteriorização da livre vontade das partes.
Se a taxa em vigor para o pagamento dos impostos devidos à Fazenda
Nacional, vale dizer, Taxa Selic, por força das Leis ns. 8.981/95,
9.065/95 e 9.250/95, não se prestar para servir de mora para os
tributos, por maculada pela invencível pecha da inconstitucionalidade,
com muito maior razão é insersível para o artigo 406 do Código Civil.
Depois de explanar sobre vinte e dois tópicos pelos quais entende ser
ilegal a Taxa Selic para fins tributários, matéria que se encontra
publicada em várias revistas ("Revista Dialética de Direito Tributário",
Dialética, São Paulo, 2000, p. 7 a 30; "Revista Tributária e de Finanças
Públicas", RT, São Paulo, 2000, ano 8, nº 33, os. 59 a 89;
"Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça", Ed. Brasília Jurídica,
2000, ano 2, n. 14, pp. 15 a 48; e "Revista de Direito Renovar", Ed.
Renovar, janeiro-abril de 2002, nº 22), apresentou outras
incompatibilidades entre a Taxa Selic e a legislação civil em vigor.
O fato de ter sido a Taxa Selic objeto de referência nas Leis ns.
8.981/95, 9.065/95 e 9.250/95 não autoriza a afirmação feita sem nenhum
respaldo jurídico que a Taxa Selic foi criada por lei, nem para fins
tributários nem para quaisquer outros fins.
A Taxa Selic foi criada por circulares do Banco Central - BACEN e sua,
por assim dizer, organicidade operatória está explicada em circulares e
atas do COPOM.
A Taxa Selic para ser aplicada tanto para fins tributários como para
fins de direito privado, deveria ter sido criada por lei, entendendo-se
como tal os critérios para a sua exteriorização.
Atenta contra o comezinho princípio da segurança jurídica a realização
de um negócio jurídico em que o devedor não fica sabendo na data da
avença quanto vai pagar a título de juros, pois, não terá bola de
cristal para saber o que se passará no mercado de capitais, em períodos
subseqüentes ao da realização do negócio, se repisado o aspecto de que
os juros são entidades aditivas ao principal e não mera cláusula de
readaptação do valor da moeda.
A Taxa Selic compreende, a um tempo, juros moratórios, juros
compensatórios ou remuneratórios, e indisfarçável conotação de correção
monetária.
Não há perder de vista que os juros são um plus ao principal. A correção
monetária e os juros são entidades absolutamente distintas. A correção
monetária imiscui-se no próprio principal; é uma entidade integrante do
próprio principal. É a cláusula de readaptação da moeda cujo poder
aquisitivo foi depauperado pela inflação. Então, representando-se a
correção monetária por "X", a equação que se forma é a seguinte: Valor
defasado multiplicado por "X" é igual ao novo valor.
Os juros, por seu turno são extrínsecos ou adventícios, são frutos civis
do capital ou frutos produzidos pelo capital. Sua apuração leva em conta
o capital, mas não como fator intrínseco. Apuram-se os juros com
multiplicação do percentual estabelecido por lei ou convencionado,
levando em conta o período e sobre o capital inicial. Em outras
palavras, esse novo valor é uma entidade que se aditou ao principal e
não uma entidade de readaptação do próprio principal como se dá com a
correção monetária.
Para verificar-se a incongruência da Taxa Selic no Direito Civil, basta
atentar para o modo pelo qual se apura essa taxa. Segundo informações do
próprio Banco Central, "as taxas das operações overnight, realizadas no
mercado aberto entre diferentes instituições financeiras, que envolvem
títulos de emissão do Tesouro Nacional e do Banco Central, formam a base
de cálculo da Taxa Selic".
O overnight é o expediente usado para a venda de um título negociável,
em operação compromissada, por parte de um banco, financiador ou
aplicador, para outra instituição, pelo período, em geral, de um dia,
sob o compromisso de que o comprador o revenderá e de que o vendedor o
recomprará no dia seguinte ou na data avençada. Por essa operação, que
se assemelha a um empréstimo, cobra-se um preço, que está embutido no
valor do negócio. Sobre a diferença entre o valor pago pelo título e o
valor da revenda, calcula-se a Taxa Selic.
Verifica-se, portanto, que a Taxa Selic reflete a liqüidez dos recursos
financeiros no mercado monetário. É um indicador da taxa média de juros
nas operações chamadas overnight e sua meta é a de, a um tempo, cobrir a
defasagem da moeda ocasionada pela inflação, e remunerar os
investidores.
Sabem-no todos, ocioso lembrar, até mesmo porque há mais de ano está em
pauta na mídia, que o Governo utiliza-se da Taxa Selic para conter a
inflação. Ouve-se, dia a dia, que o BACEN não abaixa a Taxa Selic para
conter a inflação. Em outras palavras, o nível da taxa de juros tem de
ser suficientemente alto para fazer frente às pressões inflacionárias.
Não só a Taxa Selic embute, simultaneamente, correção monetária, juros
remuneratórios e juros compensatórios, como vai além da própria previsão
inflacionária como instrumento de freio e contrafreio dos fluxos do
mercado.
Deveras, examinada a maneira como se dá a operacionalização de tal taxa,
vê-se que ela se exterioriza por uma entidade que pode conter de um
tudo, menos constituir-se em juros de mora.
Viu-se também acima que a capitalização do overnight é uma capitalização
diária em franco confronto com a nova sistemática do Código Civil, que
permite a capitalização desde que anual (art. 591), de sorte que a Taxa
Selic iria constituir-se anatocismo repudiado pela lei, pela ética, pela
função social do negócio jurídico (art. 421) e pelos princípios de
probidade e boa-fé (art. 422), pressupostos basilares do novo Código
Civil.
Basta enfocar que a Taxa Selic é uma mescla de várias outras entidades
(correção monetária, juros compensatórios e remuneratórios) e que
também, para fins tributários, é empregada não só para fazer frente a
esses itens, como também para fazer as vezes de juros moratórios, para
arredá-la de vez da parte final do artigo 406 do Código Civil, que
apenas refere-se a juros moratórios.
Não pode passar despercebido que a Taxa Selic, ainda que possa conter no
seu bojo viés de alta ou viés de baixa, é pré-fixada. Mas não faltam
operações que são pós-fixadas. Até o advento da técnica da correção
monetária, poder-se-ia falar nas taxas de juros flutuantes, isto é,
aqueles que se não conhecem de antemão, mas somente no momento do
cálculo dos juros que variaram no tempo. Agora, com a técnica da
correção monetária, o que se faz amiudadamente é aplicação da correção e
mais juros que só são pós-fixados de fachada, pois, na realidade, já são
pré-fixados.
Na mesma senda, em passado não tão longínquo, a referida taxa chegou na
casa de 45% ao ano, o que, agora, se voltar a ocorrer, poderá tornar-se
incompatível com postulados hodiernos consagrados no Código Civil,
voltados não só para a função social do contrato, como também para
princípios que procuram debelar a excessiva onerosidade do contrato
apenas para uma das partes.
Esses são alguns dos óbices para a inflexão da Taxa Selic para a
hipótese do art. 406 do Código Civil, entre os quais avulta a
circunstância da referida taxa conter simultaneamente ingredientes de
correção monetária, juros remuneratórios e juros compensatórios. Nos
últimos não podem ingressar os demais, sob pena de bis in idem ou tris
in idem.
Em conclusão: a mora referida na segunda parte do art. 406 do CC/2002
somente pode ser composta com os juros previstos no art. 161, § 1º, do
Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172, de 25.10.66), isto é, 1% ao
mês ou 12% ao ano, o que se acadrima com o Enunciado nº 20 da Jornada de
Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, realizada de 11 a
13.09.2002, sob a orientação geral do Min. Milton Luiz Pereira e a
orientação científica do Min. Ruy Rosado de Aguiar. |