AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C CANCELAMENTO DE PROTESTO -
DUPLICATA - PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS - SUSPENSÃO - ENDOSSO TRANSLATIVO -
ENDOSSATÁRIO - PARTE LEGÍTIMA PASSIVA - TÍTULO SEM LASTRO - CIENTIFICAÇÃO DO
BANCO SOBRE IRREGULARIDADE DO TÍTULO - PROTESTO INDEVIDO
- Tratando-se de endosso translativo de domínio, agindo a instituição na
condição de legítima proprietária do título, é nesse caso parte legítima
para integrar a lide. Assim, ao apresentar o título ao protesto, resulta
evidente que avocou para si a condição de interessada na sua liquidação,
estando, portanto, legitimada a ocupar o pólo passivo da relação processual.
- Se o banco endossatário recebe o título emitido por terceiro para protesto
e, inobstante previamente advertido pela suposta devedora de que a venda
geradora da cambial fora desfeita, prossegue na cobrança, enviando as
cambiais a protesto, possível a sua inclusão no pólo passivo de ação
anulatória cumulada com pedido de indenização por danos morais.
- Para que a duplicata ou triplicata sem aceite se formalize como título
executivo extrajudicial, é imprescindível que estejam presentes os
pressupostos exigidos, quais sejam o protesto e o documento comprobatório de
compra e venda mercantil ou prestação de serviços (art. 15, C, da Lei
5.474/68). Não se verificando a existência de notas fiscais, a justificar o
saque da duplicata, forçoso reconhecer a ausência de lastro.
Apelação Cível n° 1.0153.04.035776-3/002 - Comarca de Cataguases - 1º
apelante: Banco do Brasil S.A. - 2º apelante: Ambiental Pesquisas Projetos
Meio Ambiente S/C Ltda. - Apelados: Iberpar Empreendimentos Participações
Ltda., Banco do Brasil S.A. - Relator: Des. Tarcísio Martins Costa
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na
conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade
de votos, em rejeitar a preliminar e negar provimento a ambos os recursos.
Belo Horizonte, 4 de novembro de 2008. - Tarcísio Martins Costa - Relator.
N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S
DES. TARCÍSIO MARTINS COSTA - Trata-se de duas apelações interpostas contra
a r. sentença de f. 802-810, da lavra do digno Juiz da 2ª Vara Cível da
Comarca de Cataguases, que, nos autos da ação declaratória de inexistência
de débito c/c cancelamento de protesto, manejada por Iberpar Empreendimentos
e Participações Ltda. em face de Ambiental Pesquisas Projetos Meio Ambiente
S/C Ltda. e Banco do Brasil S.A., julgou procedentes os pedidos para
declarar a inexistência de relação jurídica que ensejou a emissão da
duplicata descrita na inicial, bem assim a sua nulidade e o conseqüente
cancelamento do protesto realizado pela instituição bancária, condenando os
réus nos ônus sucumbenciais.
Consubstanciado seu inconformismo nas razões de f. 812-817, pretende o banco
vencido, aqui primeiro apelante, a reforma do r. decisum, à consideração de
que, a despeito de não ter sido reconhecida a sua ilegitimidade passiva, não
pode ser responsabilizado por eventual inadimplemento ou descumprimento
contratual, isso porque não manteve qualquer relação jurídica com a
devedora. Muito menos contribuiu na emissão da duplicata.
Sustenta ter recebido o título da 1ª ré para cobrança e apontamento, agindo,
assim, no estrito cumprimento de um dever legal, inexistente qualquer
indício de má-fé ou ato ilícito, mesmo porque, a princípio, o título
preenchia todos os requisitos legais, sendo-lhe impossível aferir a
existência de qualquer irregularidade da cártula, não podendo figurar no
pólo passivo da ação. Demais disso, aduz que, pelo princípio da literalidade
e abstração, as exceções pessoais ligadas ao negócio subjacente não podem
ser alegadas contra o portador de boa-fé.
Assevera que a notificação mencionada pelo d. Sentenciante não tem o condão
de demonstrar a má-fé do detentor do título, visto se tratar de simples
comunicação elaborada, unilateralmente, pela apelada. Enfatiza que somente
mediante prova robusta, instruindo a notificação, seria possível presumir a
ausência de lastro da cambial, o que inocorreu no caso.
Prossegue, afirmando que, além de ser credor da quantia constante do título,
em virtude de sua circulação, é endossatário de boa-fé, o que não impede que
a apelada seja ressarcida pelo emitente, por vício do negócio originário,
mediante ação própria, salientando que, a pensar de outra forma, o princípio
da segurança jurídica estaria sendo vulnerado.
As contra-razões vieram através das peças de f. 828-833, em evidente
infirmação, pugnando pelo desprovimento do apelo.
Irresignada, a empresa ré, aqui 2ª apelante, busca também a reforma do r.
decisum, ao argumento de que restou comprovada a origem do débito pelo
contrato firmado entre ela e a apelada (f. 110-119), a ensejar a emissão da
duplicata.
Acrescenta que, anteriormente à assinatura do instrumento, foi apresentada à
apelada proposta técnica e financeira para a execução dos trabalhos,
constando, claramente, a finalidade dos serviços contratados. Registra,
ademais, que a empresa apelada sempre teve ciência da necessidade de haver
uma "adutora para adução dos efluentes para a ETE" e demais aspectos
técnicos do projeto.
Argumenta que o fato de a Feam - Fundação Estadual do Meio Ambiente exigir
ajustes e alterações no projeto não legitima a suspensão do contrato, como
entendeu o d. Sentenciante, visto que tal procedimento é praxe rotineira
quando se trata de contrato de prestação de serviços de grandes proporções,
como no caso em exame.
Sustenta, ainda, que o aludido contrato poderia ter sido rescindido por
qualquer uma das partes, a qualquer tempo, consoante previsão expressa em
sua cláusula 9.1, contudo, na notificação que lhe foi remetida pela apelada,
não se divisa tal intenção, mas, tão-somente, a suspensão dos serviços
contratados.
Continua, dizendo que, mesmo considerando a suspensão temporária como
rescisão do contrato, o valor pendente totaliza o débito apontado na
correspondência enviada à apelada (f. 122- 123), inexistindo qualquer
impugnação da autora em relação à efetiva realização dos serviços, mas sim
singela insatisfação quanto aos custos necessários para a implantação do
projeto, que poderia ter sido solucionada com um simples pedido de revisão,
e não deixar de adimplir a obrigação contraída, acarretando-lhe prejuízos,
pois prestou efetivamente os serviços contratados e não recebeu por eles.
As contra-razões vieram através das peças de f. 834-839, da apelada, e f.
840-845, do banco apelante, em óbvia infirmação.
Conheço dos recursos, presentes os requisitos que regem sua admissibilidade.
Passo ao exame conjunto das apelações em virtude de sua estreita relação.
Preliminar - ilegitimidade passiva ad causam do banco.
Reprisa o banco apelante preliminar de ilegitimidade passiva, já rechaçada
na decisão de f. 249-251, sustentando ter recebido o título da 1ª ré, para
cobrança e apontamento, agindo no estrito cumprimento de um dever legal, não
podendo, assim, ser responsabilizado por eventual inadimplemento ou
descumprimento contratual, por inexistir qualquer relação jurídica com a
devedora, muito menos ter contribuído na emissão da duplicata, pelo que
deverá ser excluído do pólo passivo da relação processual.
Sem razão, data venia.
De plano, cabe anotar que restou incontroverso, e é fato até confessado, que
o apelante levou a questionada duplicata a protesto, sendo ele o legítimo
detentor do direito de crédito nela contido, haja vista que a recebeu em
virtude de endosso.
Não é, pois, o recorrente mero portador do título, cobrador ou mandatário,
pois não se trata de endosso para simples cobrança, como bem pontuou o digno
Juiz singular, litteris:
"Assim, o Banco do Brasil S.A. recebeu em cessão o crédito referente ao
título e, por via de conseqüência, recebeu por endosso a propriedade da
duplicata mercantil [...] o banco réu não trouxe com a contestação nenhum
documento que possa demonstrar o ventilado endosso-mandato. Pelos princípios
de respeito à aparência exsurgem as características do endosso-translativo,
razão pela qual se ocorreu realmente o endosso-mandato deveria o banco réu
tê-lo comprovado nos autos. Assim, tenho que o Banco réu, na indicação do
título para protesto, agiu em seu próprio nome, razão por que é parte
legítima para figurar no pólo passivo da presente ação" (f. 250-251).
É de se ressaltar, que o próprio banco recorrente reconheceu sua condição de
credor do título, ao consignar, expressamente, em suas razões de apelação,
que, "Quanto aos valores constantes no título, eles são devidos ao seu
portador, no caso o Apelante, por ter o mesmo circulado" (f. 815).
Como se vê, o caso dos autos se apresenta como endosso translativo de
domínio, agindo a instituição bancária como legítima proprietária do título,
sendo neste caso, parte legítima para integrar a lide e, por conseqüência,
também responder pelos ônus decorrentes da sucumbência, desde que seja
vencida na demanda.
A esse respeito, o Superior Tribunal de Justiça, no REsp nº 123073/97, de
26.08.1997, publicado no DJ de 27.10.1997, p. 54.811, por sua 4ª Turma,
relatado pelo em. Min. Ruy Rosado de Aguiar, assim decidiu:
"O banco endossatário, que recebeu por endosso translativo duplicata sem
causa, correndo os riscos do negócio, e a leva a protesto, que vem a ser
sustado em juízo, em ações promovidas pela sacada contra o endossante e o
endossatário, responde pelos ônus da sucumbência, juntamente com o
endossante. Art. 20 do CPC. Recurso conhecido pela divergência, mas
improvido".
No mesmo sentido, esta eg. Corte de Justiça já assentou:
"A instituição financeira que recebe duplicata sem lastro, por endosso
translativo, descontando-a, torna-se titular dos direitos emergentes da
letra, e, como tal, responde pelo pedido de cancelamento de protesto e
indenização. Em razão do crédito derivado da operação de desconto, deve-se
assegurar ao banco-endossatário direito de regresso contra a
emitente/endossante do título" (TJMG. Processo nº 1.0701.03.055655-2/001.
Rel. Lucas Pereira. Publicação: 05.10.2006).
"O banco endossatário de duplicata sem causa tem legitimidade para figurar
no pólo passivo de ações manejadas pelo sacado, quer para a declaração de
inexigibilidade do título, quer para a sustação ou cancelamento de seu
protesto cambiário" (TJMG. Processo nº 2.0000.00.501361-2/000. Rel. Dárcio
Lopardi Mendes. Publicação: 04.10.2005).
Por isso, sem dúvida, o apelante endossatário é titular dos respectivos
direitos emergentes do título, por força do endosso (art. 19 da Lei
Uniforme); e, em tais circunstâncias, tinha mesmo - obrigatoriamente - de
integrar a lide.
Embora indiferente à discussão sobre o negócio e a relação jurídica
subjacente entre sacadora e sacada, necessária e obrigatória a sua presença
no pólo passivo da relação processual, quanto à discussão sobre o protesto,
os efeitos da ineficácia do título em relação a ele, terceiro-endossatário,
além de sua eventual responsabilidade no ato do protesto.
Rejeita-se, portanto, a preliminar.
Mérito.
Denota-se dos autos que a autora apelada ingressou com ação declaratória de
inexistência de débito c/c pedido liminar de cancelamento de protesto.
Indeferida a tutela antecipada (f. 44), foi interposto agravo de instrumento
(f. 45-59), distribuído à 1ª Câmara Cível do extinto TAMG, atualmente 9ª
Câmara deste Sodalício, sendo o recurso provido parcialmente, tão-somente
para suspender os efeitos dos protestos efetivados (f. 63).
Em sua peça de ingresso, diz a requerente ter firmado contrato de prestação
de serviços com a primeira requerida, com a finalidade de realizar projetos
de tratamento de "lixiviação" e efluente industrial, para captação e adução
de lixívia, encontrada na propriedade da empresa Florestal Cataguases Ltda.,
visando a sua implementação em futura estação de tratamento de efluentes, a
ser instalada na Indústria Cataguases de Papel Ltda., contrato este no valor
total de R$ 170.000,00.
Entretanto, após análise dos primeiros documentos apresentados pela empresa
ré, foi constatada a inviabilidade do projeto por se tratar de "obra
faraônica" e de custo exorbitante, levando a autora a solicitar a suspensão
do contrato, mediante notificação remetida à empresa ré (f. 22), não
obstante já ter realizado o pagamento de parcelas do contrato, em valor
superior aos serviços até então prestados.
Ocorre, contudo, que, a despeito da notificação expedida, a autora, ao
requerer certidão negativa de protesto, foi surpreendida com o protesto do
Título nº 882, emitido pela empresa ré, constando como cedente o 2º réu
Banco do Brasil S.A., no valor de R$ 44.177,54 (quarenta e quatro mil cento
e setenta e sete reais e cinqüenta e quatro centavos), com vencimento em
03.07.2004.
Salienta que, apesar da ausência de lastro da duplicata, deixou de ajuizar a
competente ação cautelar de sustação de protesto por não ter sido
regularmente intimada, visto que, mesmo tendo endereço certo, a intimação
foi realizada por via editalícia, impossibilitando a adoção das medidas
necessárias a tempo e modo.
O banco requerido, em sua contestação (f. 67-79), além da preliminar já
rechaçada, afirma ausência de culpa e/ou responsabilidade, ao argumento de
ter agido no estrito cumprimento do dever legal, na condição de mandatário
do cedente, que deve ser responsabilizado pelas informações constantes do
título. Sustenta que não é de sua competência perquirir a origem do negócio
jurídico que deu lugar à emissão do título, nem a regularidade das relações
entre o sacador e o sacado, cumprindo-lhe, apenas, verificar a regularidade
formal do título, que se encontrava perfeito.
A primeira requerida, por sua vez, em sua peça de resistência (f. 80-123),
afirmou ter sido contratada após o rompimento de uma barragem de contenção
de efluentes industriais, lançando milhões de litros de resíduos tóxicos na
bacia do rio Pomba, acarretando a maior tragédia ambiental da região. Aduz
que, em virtude da gravidade dos fatos, a autora anuiu em "Termo de
Ajustamento de Conduta", firmado com o Ministério Público Federal e o
Estadual, comprometendo-se a dar continuidade aos serviços contratados, do
qual também participou como interveniente.
Prossegue, aduzindo que a autora já havia concordado com a proposta técnica
e financeira apresentada, que se materializou no contrato firmado entre as
partes. Por conseguinte, inaceitável a alegação da suposta inviabilidade na
execução dos projetos, mesmo porque, se realmente assim entendesse, poderia
ter solicitado a sua rescisão, a qualquer tempo, consoante expressa previsão
contida em sua cláusula 9.1. Entretanto, na notificação que lhe foi remetida
pela apelada, não se divisa tal intenção, mas sim apenas a suspensão dos
serviços contratados. Demais disso, poderia ter pedido a sua revisão, e não
deixar de adimplir a obrigação contraída.
O MM. Juiz singular julgou procedentes os pedidos, para declarar a
inexistência de relação jurídica a ensejar a emissão da duplicata, bem assim
a sua nulidade e o conseqüente cancelamento do protesto realizado pelo Banco
requerido, ao fundamento de que, não obstante a existência de contrato de
prestação de serviço firmado com a autora, os projetos e relatórios
elaborados pela empresa requerida foram considerados insatisfatórios pela
Feam por não atender à legislação ambiental vigente. Por conseguinte, a
autora entendeu melhor suspender a execução dos serviços, notificando a
empresa ré da decisão (f. 22). Dessa forma, considerando, ainda, a falta de
notas fiscais-faturas a ensejar a emissão da duplicata, legítima a pretensão
autoral. Em relação ao Banco do Brasil S.A., porque, a despeito de ter sido
notificado acerca dos vícios da cambial (f. 19-20), ainda assim remeteu o
título sem lastro a protesto.
De princípio, cumpre lembrar que:
"A duplicata é título de crédito formal, impróprio, causal à ordem, extraído
por vendedor, ou prestador de serviços, que visa a documentar o saque
fundado sobre crédito decorrente de compra-e-venda mercantil ou prestação de
serviços, assimilada aos títulos cambiários por lei, e que tem como seu
pressuposto a extração da fatura" (ROSA JR. Luiz Emygdio F. da. Títulos de
crédito. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 733).
No caso posto em lide, dúvida não subsiste a respeito da existência de ato
ilícito praticado pelos réus, uma vez que os elementos de prova carreados
aos autos indicam que a duplicata foi emitida sem lastro pela empresa ré e
levada a protesto de maneira indevida pelo banco primeiro apelante.
Embora incontroversa a existência de contrato de prestação de serviços
firmado com a empresa requerida, em 08.10.2003 (f. 31-40), conforme
preceitua a cláusula 3.2 (f. 33), a autora lhe enviou correspondência, em
13.02.2004, informando acerca de sua decisão de "[...] suspendermos o
contrato de prestação de serviços para elaboração do projeto do sistema de
tratamento de lixívia, esgoto sanitário e efluente industrial da Florestal
Cataguazes Ltda. e Indústria Cataguases de Papel Ltda." (f. 22).
Como bem ressaltado na r. sentença atacada, a Feam - Fundação Estadual do
Meio Ambiente, após análise dos projetos e relatórios elaborados pela
empresa ré, em 17.12.2003, informou ao digno Juiz de primeiro grau que foram
eles considerados insatisfatórios por não atender plenamente à legislação
ambiental vigente (f. 298-299).
Nesse mesmo sentido, em 11.05.2006, o Ministério Público Federal do Meio
Ambiente, através do documento de f. 738, também prestou a mesma informação,
ali constando expressamente, litteris:
"[...] referente à solicitação de informações sobre a inviabilidade da
implantação do projeto de captação e adução da lixívia para tratamento de
efluentes, elaborado pela Ambiental Pesquisas e Projetos em Meio Ambiente
S/C Ltda. [...] Informamos que na última análise técnica procedida pelo
citado Órgão Ambiental estadual o referido projeto foi considerado
insatisfatório por não atender plenamente a legislação ambiental [...]".
Reforçando, ainda mais, a inviabilidade dos projetos apresentados pela
empresa requerida, em ofício enviado ao MM. Juiz, em 06.02.2007, a Feam
informa que:
"Em 17-12-2003, os projetos e relatórios elaborados pela Ambiental Pesquisas
e Projetos em Meio Ambiente S/C Ltda. foram considerados insatisfatórios por
não atenderem à legislação em vigor [...] foram solicitadas informações
complementares [...], a serem apresentadas à Feam [...] Em 17.02.2004,
realizou-se na Feam uma reunião, cópia da síntese da reunião em anexo, com a
presença dos representantes da Iberpar, técnicos da Feam, e outros órgãos
estaduais para discussão de pendências relativas ao acidente ambiental
[...]. Na ocasião a Iberpar informou o cancelamento do contrato com a
empresa Ambiental Pesquisas e Projetos em Meio Ambiente S/C Ltda. [...].
Informou ainda que a FMO - Fundação Mokiti Okada seria a nova responsável
pela elaboração dos estudos" (f. 753).
Também é importante salientar que, da simples leitura do aludido contrato,
tem-se que a empresa requerida assentiu em condicionar os serviços
contratados ao TAC - Termo de Ajustamento de Conduta, firmado com o
Ministério Público Federal e Estadual, nos termos da cláusula 2.2, litteris:
"O projeto básico acompanhado do processo de licenciamento deverá ser
apresentado impreterivelmente até 21.11.2003, nos termos do TAC assinado em
25.09.2003 com o Ministério Público do Estado de Minas Gerais" (f. 32).
Nessa linha de raciocínio, assim dispõe a cláusula 6.4 do TAC em referência:
"Fica a compromissária obrigada a: [...]
6.4 - executar, na forma e cronograma aprovados pelo órgão ambiental, as
medidas emergenciais e os procedimentos de desativação do passivo ambiental
mencionadas no item anterior..." (f. 346).
Dessa forma, descabida a asserção da empresa ré, aqui segunda apelante, de
que a autora já havia concordado com a proposta técnica e financeira
apresentada, materializada no contrato entre elas firmado.
Concernente ao fato de constar expressa previsão para rescisão do contrato,
por qualquer uma das partes, a qualquer tempo (cláusula 9.1), o fato de não
constar da notificação tal intenção, em nada altera a realidade dos fatos,
qual seja a insatisfação da Feam - Fundação Estadual do Meio Ambiente em
relação ao projeto apresentado pela primeira ré, "por não atender plenamente
a legislação ambiental...", restando sobejamente demonstrada, através dos
documentos administrativos encartados aos autos, a validade da notificação
enviada à empresa apelada quanto à suspensão dos serviços contratados,
conforme disposto na precitada cláusula 3.2, litteris:
"Para efeito deste contrato não serão levadas em consideração comunicações
verbais; para tanto deverão ser utilizados, além de cartas normais ou
eletrônicas (e-mail), fax e, em caráter excepcional, CI (Comunicação
Interna), desde que protocolada uma segunda via" (f. 33).
Lado outro, mesmo cientificada da suspensão dos serviços contratados, em
13.02.2004, como já enfatizado, a empresa ré emitiu a duplicata mais de 3
(três) meses depois do recebimento da correspondência, ou seja, em
19.05.2004 (f. 21).
Portanto, a meu aviso, trata-se de duplicata "sem lastro". Em verdade, a
empresa requerida negociou com o banco título sem a respectiva causa debendi,
e este, posteriormente, o remeteu a protesto sem antes se certificar da
regularidade de sua criação.
Demais disso, inexiste nos autos qualquer nota fiscal-fatura de prestação de
serviço, a ensejar a emissão da duplicata no valor pretendido. Ao contrário,
tudo leva a crer que a empresa requerida teria recebido até mais do que
deveria, pois, se pretende receber o valor de R$ 44.177,54, é porque já
recebera a diferença entre o valor do contrato e a quantia reclamada, ou
seja, R$ 125.822,46 (R$ 170.000,00 - R$ 44.177,54), o que representa 74,01%
do valor contratado, percentual superior àquele a que faria jus ao longo do
período de 124 dias (08.10.2003 a 13.02.2004) de serviços prestados,
considerando que o prazo de vigência contratualmente previsto era de 180
dias.
De qualquer sorte, analisando cuidadosamente o compêndio processual, como já
explicitado, constata-se que não traz dados concretos, completos e a
convencer da real existência do pretenso crédito, a justificar a emissão da
duplicata levada a protesto, no valor nela expresso.
Ademais, como já dito, não há qualquer nota fiscal especificando a prestação
de serviço, a ensejar a emissão da duplicata na quantia pretendida,
requisito essencial para validar duplicata sem aceite.
Vejamos os ensinamentos doutrinários:
"A duplicata é, em sua criação, um título causal, isto é, está subordinada à
existência de compra e venda ou à prestação de serviço, somente após o
aceite se reveste de liquidez e certeza representando obrigação cambial
abstrata. Antes do aceite, portanto, não há cogitar-se dos efeitos
cambiários. Assim sendo, sua emissão deve corresponder sempre a uma venda de
mercadoria ou à efetiva prestação de serviço" (ALMEIDA, Amador Paes de.
Teoria e prática dos títulos de crédito. São Paulo: Saraiva, 1976, p. 89).
"A duplicata é título de crédito formal, impróprio, causal à ordem, extraído
por vendedor, ou prestador de serviços, que visa a documentar o saque
fundado sobre crédito decorrente de compra e venda mercantil ou prestação de
serviços, assimilada aos títulos cambiários por lei, e que tem como seu
pressuposto a extração da fatura". [...] tem natureza causal por estar
legalmente vinculada, como cordão umbilical, à sua origem, uma vez que só
pode ser extraída em decorrência de compra e venda mercantil ou de prestação
de serviços, não sendo, portanto, título abstrato ou perfeito" (ROSA JR.,
Luiz Emygdio F. da. Títulos de crédito. Rio de janeiro: Renovar, 2000, p.
649-650 e 733).
Em suma, para que a duplicata ou triplicata sem aceite se formalize como
título executivo extrajudicial, mister estejam presentes os pressupostos
exigidos, quais sejam o protesto e o documento comprobatório de compra e
venda mercantil ou prestação de serviços (art. 15, C, da Lei 5.474/68).
In specie, como não se verifica a existência de notas fiscais, a justificar
o saque da duplicata, forçoso reconhecer a ausência de lastro.
Concernente à alegação do banco apelante, de que teria agido em cumprimento
do dever legal, já que o protesto se deu de forma regular, não sendo da
competência da instituição financeira perquirir a origem do negócio jurídico
que deu lugar à emissão do título nem a regularidade das relações entre o
sacador e o sacado, cumprindo-lhe, apenas, verificar a regularidade formal
do título, tem-se, concessa venia, por descabida.
De igual modo, a asserção de que a notificação, mencionada pelo d.
Sentenciante, não tem o condão de demonstrar a má-fé do detentor do título,
visto se tratar de simples comunicação elaborada unilateralmente pela
apelada. Bem assim, que somente através de prova robusta instruindo a
notificação seria possível presumir a ausência de lastro da cambial.
Ora, se, ao adquirir a cártula, deixou o banco apelante, instituição
financeira, de verificar o seu lastro, confiando somente nas declarações da
empresa cedente, obrou com negligência nesse particular. Assim, ao
apresentar o título ao protesto, resulta evidente sua condição de
interessada na sua liquidação, devendo responder solidariamente com o
sacador pela ilicitude de seu ato.
A respeito, já assentou o colendo Superior Tribunal de Justiça:
"Civil - Ação anulatória de título c/c indenizatória - Protesto indevido -
Endosso - Duplicata sem aceite - Responsabilidae do banco - Ressarcimento
devido - Valor razoável - Ausência de enriquecimento sem causa. - I.
Procedendo o banco a protesto indevido de duplicata sem aceite, responde ele
pelos danos morais causados, os quais, na espécie, foram fixados pelo
Tribunal estadual em parâmetro razoável, compatível com a lesão. - II.
Recurso especial não conhecido" (STJ, REsp nº 503.220/MG, Rel. Aldir
Passarinho Júnior, Quarta Turma, j. em 20.04.2006, DJ de 22.5.2006, p. 204).
"Agravo regimental - Ação anulatória de título c/c pedido de indenização -
Duplicata sem aceite - Protesto indevido - Responsabilidade do banco
endossatário - Dano moral.
1. O banco que recebe para desconto duplicata sem lastro e a leva a protesto
responde por perdas e danos.
2. O protesto indevido de duplicata enseja indenização por danos morais,
sendo dispensável a prova do prejuízo. Precedentes.
3. O valor da indenização por dano moral sujeita-se ao controle desta Corte,
mas somente quando a quantia arbitrada revelar-se irrisória ou exagerada, o
que não ocorre na espécie.
4. Agravo regimental improvido" (STJ, AgRg no Ag nº 284.676/SP, Rel. Min.
Barros Monteiro, Quarta Turma, j. em 14.2.2006, DJ de 10.04.2006, p. 193).
Assim, também, a jurisprudência deste eg. Tribunal de Justiça:
"Responsabilidade civil - Dano moral - Duplicata - Título causal -
Instituição financeira - Endosso-mandato - Protesto indevido - Legitimidade
passiva - Quantum.
[...] - O protesto assecuratório do direito de regresso é, de fato,
exercício regular de direito conferido ao endossatário. A essa faculdade,
entretanto, corresponde o seu correlato dever de investigar a autenticidade
do título. Com efeito, o endossatário que manda a protesto duplicata
simulada sem antes se certificar da regularidade de sua criação responde
solidariamente com o sacador pela reparação dos danos ocasionados ao sacado.
É que o protesto, em condições tais, constitui ato ilícito e ambos -
endossante e endossatário - concorrem para a sua realização.
- O indevido protesto cambial, por se constituir em manifesto meio vexatório
de cobrança, caracteriza dano moral ressarcível, devendo seu valor ser
fixado de forma tal que provoque no agente da ação ou omissão um certo abalo
financeiro, de modo a persuadi-lo a não perpetrar mais no mesmo equívoco, e
uma compensação satisfatória ao ofendido pelo dano por ele suportado" (TJMG
- Apelação Cível nº 506.649-1, Rel. Des. Renato Martins Jacob, j. em
25.10.2005).
No tema, já tive oportunidade de me manifestar, no julgamento da Apelação de
nº 1.0145.04.186466-4/001, de minha relatoria, ficando o acórdão assim
ementado:
"Protesto indevido - Banco endossatário - Endosso traslativo - Duplicata sem
lastro - Risco do negócio - Legitimidade passiva - Dano moral - Honorários
de advogado - Recurso adesivo - Ausência de tema contraposto -
Não-conhecimento.
- O banco endossatário que recebeu por endosso translativo duplicata sem
causa, correndo os riscos do negócio, e a leva a protesto responde pelo dano
moral, juntamente com o endossante.
- A duplicata, enquanto não aceita, constitui título causal, restando
vinculada ao negócio jurídico subjacente, impondo-se, pois, ao Banco que a
descontou, mesmo de boa-fé, antes de levá-la a protesto, averiguar se a
emissão do título está amparada em comprovado negócio jurídico de natureza
mercantil ou prestação de serviços devidamente cumprida.
- O simples protesto indevido de título já traduz a existência de um dano ao
conceito de uma pessoa, seja física ou jurídica, restando induvidoso, no
caso, que a autora teve seu nome, no mínimo, maculado com a inscrição no
banco de dados dos serviços de proteção ao crédito, cabível, portanto, a
indenização por dano moral assegurada nos arts. 5°, V, da Constituição da
República, 186 do Código Civil e 6º do Codecon. [...]" (Apel. Cível, 9ª
Câmara Cível, j. em 16.12.2005).
No caso, não pode o primeiro apelante, Banco do Brasil S.A., se eximir da
responsabilidade pelo protesto indevido da mencionada cártula por não ter
agido com a prudência exigida no negócio bancário, ao levar a protesto
duplicata sem lastro.
Ainda que se reconhecesse a necessidade de se proceder ao protesto, para a
salvaguarda de seus direitos, certo é que assumiu o risco de estar
protestando duplicata fria, que, na hipótese dos autos, ganhou maiores
proporções, haja vista ter sido devidamente cientificado sobre a
irregularidade do título, em 04.06.2004 (f. 19-20). Ainda assim, optou por
levá-lo a protesto, tal como ocorreu (f. 18), razão pela qual se coloca em
cheque até mesmo a alegada boa-fé da instituição bancária por ter agido, no
mínimo, com culposa displicência.
Harmoniza-se com esse entendimento o aresto abaixo citado, oriundo do
colendo Superior Tribunal de Justiça:
"Se o banco endossatário recebe título emitido por terceiro para protesto e,
inobstante previamente advertido pela suposta devedora de que a venda
geradora da cambial fora desfeita, prossegue na cobrança, enviando as
cambiais a protesto, possível a sua inclusão no pólo passivo de ação
anulatória cumulada com pedido de indenização por danos morais" (REsp nº
401.574/PR, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, Quarta Turma, 28.10.2003).
Trilhando esse mesmo entendimento, esta eg. Corte de Justiça:
"(...) 'Se o banco endossatário recebe título emitido por terceiro para
protesto e, inobstante previamente advertido pela suposta devedora de que a
venda geradora da cambial fora desfeita, prossegue na cobrança, enviando as
cambiais a protesto, possível a sua inclusão no pólo passivo de ação
anulatória [...]' (STJ - REsp 401574/PR)" (Apel. Cível nº
1.0024.02.796549-0/002, Rel. Des. D. Viçoso Rodrigues, 18ª Câm. Cível, j. em
04.09.2007).
"Processo civil. Agravo inominado. Ação anulatória. Duplicata.
Endosso-mandato. Legitimidade ad causam passiva de instituição financeira. -
'Se o banco endossatário recebe o título emitido por terceiro para protesto
e, inobstante previamente advertido pela suposta devedora de que a venda
geradora da cambial fora desfeita, prossegue na cobrança, enviando as
cambiais a protesto, possível a sua inclusão no pólo passivo de ação
anulatória cumulada com pedido de indenização por danos morais' - (REsp nº
401.574-PR, 4ª Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, DJU de 28.10.2003)
- Agravo inominado não provido" (Agravo Regimental nº
1.0145.05.221913-9/002, Rel. Des. Alberto Vilas Boas, 10ª Câm. Cível, j. em
25.04.2006).
Esta mesma 9ª Câmara Cível, na Apelação Cível nº 1.0518.05.076013-2/001, da
minha relatoria, teve ensejo de proclamar:
"Ação anulatória - Duplicata - Endosso-mandato - Cientificação do banco
sobre irregularidade do título - Protesto - Legitimidade passiva
configurada. - Ainda que se trate de endosso-mandato, se o banco foi
devidamente cientificado sobre a nulidade do título e, ainda assim, optou
por levá-lo a protesto sem antes se certificar sobre o seu pagamento e,
especialmente, a existência de lastro, é parte legítima para figurar no pólo
passivo da relação processual" (j. em 06.02.2007).
Frise-se que, apesar de expressamente advertido pela sacada quanto à
irregularidade da cambial, o banco apelante ainda assim prosseguiu na
cobrança do título sem indagar sobre a legitimidade da cártula, revelando
total desinteresse pela preservação do bom nome de terceiro, pelo que
inadmissível pretender eximir-se da responsabilidade pelo protesto indevido.
Em resumo, comprovado que a duplicata foi emitida sem lastro pela empresa ré
e levada a protesto de maneira indevida pela instituição financeira, que
recebeu o título e não agiu com a prudência exigida no negócio bancário, não
vejo motivos que possam autorizar a reforma da conclusão vertida na r.
sentença atacada.
Com tais considerações, rejeita-se a preliminar e nega-se provimento a ambos
os recursos, mantendo-se incólume a respeitável sentença de primeiro grau,
por seus e por estes fundamentos.
Custas recursais, pelos respectivos apelantes.
Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores José Antônio Braga e
Generoso Filho.
Súmula - REJEITARAM A PRELIMINAR E NEGARAM PROVIMENTO A AMBOS OS RECURSOS.
|