Processo Civil e Serviço Registral

 

João Pedro Lamana Paiva*

Nesta época, em que as relações interpessoais são essencialmente dinâmicas, efêmeras e, inclusive, virtuais, aos Operadores do Direito é lançado um desafio: efetivar a justiça de maneira mais ágil possível, sem prejudicar a segurança jurídica. De tal sorte que, os legisladores vêm lançando mão de novos instrumentos processuais e se utilizando de setores extrajudiciais, para atribuir às decisões jurisdicionais agilidade e efetividade.

Assim, os registradores estão gradativamente sendo chamados para intervir no processo judicial, não como parte ou assistente, mas sim como guardiões da segurança jurídica da decisão. Contudo, este papel não é novidade a esses profissionais.

Sérgio Jacomino comenta que já no início do Século XX - Regulamento de 1924 (art. 5º, “a”, VII e VIII) - a publicidade registral foi consagrada e reconhecida como um meio efetivo para assegurar a pretensão daquele que buscava ressarcir-se na esfera patrimonial do devedor (hipoteca, penhora, arresto e seqüestro) ou resguardar algum bem da constrição judicial (bem de família).

Mas a publicidade registral não é a única privilegiada pelas reformas do Código de Processo Civil, o princípio da qualificação, também. Neste contexto, para definirmos bem a relação entre Registros Públicos e o Processo, é importante analisarmos quais e o porquê alguns títulos judiciais devem ser apresentados ao Registrador Imobiliário.

1. TÍTULOS JUDICIAIS E O REGISTRO DE IMÓVEIS

Como se sabe, o Sistema Registral Brasileiro é MISTO, atribuindo aos atos ali registrados/averbados os seguintes efeitos, segundo a função do título: (A) CONSTITUTIVO: cria um direito e gera a ficção de conhecimento para o Brasil e o Mundo. Ex.: compra e venda de imóvel; (B) DECLARATIVO: declara o direito. Ex.: nascimento.

Assim, os atos registrais fornecem eficácia às decisões através da publicidade registral,  a qual, em alguns casos, é necessária para constituir o direito (penhora, direito de preferência, etc) e outras vezes, apenas visa declarar o direito  (a usucapião), dando suporte a sentença judicial e maior transparência ao mercado imobiliário.

Note-se, então, que o Registro e o Processo Civil complementam-se, sendo, às vezes, os atos registrais indispensáveis para a propositura da ação, funcionando como prova pré-constituída no ajuizamento de uma ação. Em outras ações, o registro pode ser obrigatório para concretizar a decisão obtida em juízo ou assegurar o exercício de um direito que está sendo pleiteado.

Quanto a esta última utilidade, o art. 172 da Lei dos Registros Públicos dispõe sobre os efeitos jurídicos do registro. Ao passo que o artigo 221  elenca os títulos registráveis:

“Somente são admitidos a registro:

(...)

IV - cartas de sentença, formais de partilha, certidões e mandados extraídos de autos de processo.”

Os Títulos Judiciais encontram-se inseridos no inciso IV do artigo 221 da LRP e estão sujeitos ao mesmo exame a que se submetem os títulos extrajudiciais, podendo, igualmente, serem devolvidos e objeto de dúvida (art. 198 da LRP). Para Caio Mário da Silva Pereira, “o pressuposto fático do registro é um título hábil a operar a transferência, cabendo ao oficial do registro a função de proceder a um exame sumário, a levar perante o juiz as dúvidas que tiver, seja quanto à capacidade das partes ou a qualquer requisito formal, seja quanto ao direito do transmitente ou outro elemento que lhe pareça faltar para que esse direito se repute escorreito.” (in Walter Ceneviva, p. 391, nota de rodapé nº 15)

Assim, temos que para o acesso de qualquer título ao sistema registral, constitui-se imprescindível a presença de alguns requisitos, como o atendimento aos princípios da: CONTINUIDADE, visando a impedir o lançamento de qualquer ato registral sem o registro anterior e a obrigar as referências originárias, derivadas e sucessivas (arts. 195, 222 e 237 da LRP); ESPECIALIDADE, que exige  a plena e perfeita identificação do imóvel nos documentos e dos sujeitos/titulares (arts. 176, § 1º, II, item 3, e 225 da LRP)”; DISPONIBILIDADE, com base no qual ninguém pode transferir mais direitos  do que os constituídos pelo Registro Imobiliário, a compreender a disponibilidade física (área disponível do imóvel) e a jurídica (a vincular o ato de disposição à situação jurídica do imóvel e da pessoa), conforme previsão legal do artigo 176, § 1º, III da LRP;  e, ainda, LEGALIDADE, o qual impõe o exame prévio da legalidade, validez e eficácia dos títulos, a fim de obstar o registro de títulos inválidos, ineficazes ou imperfeitos, contribuindo para a concordância do mundo real com o mundo registral, de modo que o público possa confiar no registro (arts. 167, I e II; 169 e 198 da LRP).

Ressalta-se, contudo, que o Princípio da Legalidade, que pressupõe o fenômeno da qualificação registral, ainda é questionado quando o título em questão provém do Poder Judiciário, como asseverou o eminente Desembargador Ricardo Henry Marques Dip: “Novamente se questiona se o registrador deve ou não qualificar, isto é, examinar e apreciar a possibilidade de inscrever o título judicial”.

Outra questão polêmica é a discussão doutrinária sobre ser exaustivo ou meramente exemplificativo os instrumentos registráveis do artigo 221 da LRP. Para Walter Ceneviva, a indicação dos títulos registráveis é restritiva em virtude do advérbio somente excluir qualquer título estranho aos catalogados nos quatro incisos do referido artigo, reiterando orientação do direito anterior. Já para Mário Pazutti Mezzari, os títulos que têm acesso ao Registro de Imóveis encontram-se elencados de maneira genérica, não exaustiva, mas sim, exemplificativa, havendo outros títulos registráveis como as atas de incorporação de imóveis para formação de capital em sociedades anônimas (art. 89 da Lei 6.404/76), como os atos relativos a fusão, cisão e incorporação de imóveis (artigo 64 da Lei número 8.934/94), como a Alienação Fiduciária (Lei 9.514/97), e, ainda, os títulos de domínio e de concessão de uso conferidos aos beneficiários de distribuição de imóveis rurais (art. 189 da CF/88).

Embora exista a discussão, entende-se que o rol dos direitos reais é taxativo, mas o elenco de atos passíveis de ingresso no Fólio Real é exemplificativo, permitindo ingresso de outros direitos no álbum imobiliário, consoante determina o PRINCÍPIO DA CONCENTRAÇÃO - idealizado e defendido pelo Doutrinador e Professor Décio Antônio Erpen e pelo registrador João Pedro Lamana Paiva - que estabelece a possibilidade de se proceder todo e qualquer lançamento registral, desde que haja relevância quanto ao objeto ou ao seu titular de direitos (art. 167, II, item 5 c/c §1º, do art. 246, da LRP). Por exemplo, cita-se o caso do confisco de bens imóveis em processo de tráfico de entorpecentes (Lei nº 8.257/91 e Decreto nº 577/92).

1.1. AS REFORMAS DO CPC E O REGISTRO

O sentido dessas reformas na legislação processual é dar eficácia a norma constitucional, proveniente da Emenda n°45, que estabeleceu o princípio da duração razoável do processo (art. 5º, LXXVIII). De tal sorte que temos instrumentos processuais renovados e a criação de novos institutos.

Nesta alteração, uns dos capítulos que foi mais atingindo pelo legislador foi o tão flagelado processo de execução. Processo de execução, segundo a nova lei, é o instrumento hábil de que lança mão o credor, visando à satisfação de crédito. Percebe-se que o princípio da menor onerosidade ao devedor, restou mitigado, sobretudo quanto se trata de cumprimento de sentença.

As novas regras processuais refletem no dia-a-dia dos registradores e notários na medida em que a lei 11.382/06 traz, para o âmbito registral e notarial, a constituição de eficácia probatória submetendo, igualmente, a eficácia e o êxito do próprio processo à publicidade registral. É o que ocorre com a fraude à execução, apenas para citar um exemplo.

Observe-se que o registro desempenha também um importante papel como ordenador do direito, ao expor ao juízo, a situação jurídica do imóvel, informando-o a existência de alguma hipoteca, o direito de terceiro (promissário-comprador) e etc. Além de no seu cotidiano definir e graduar os direitos reais, seja em relação à qualidade dos créditos, seja quanto à precedência.

Logo, embora o processo civil também seja dotado de publicidade - as partes podem solicitar uma certidão e conhecer os processos sobre direitos reais, pessoais e reipersecutórias – a publicidade registral é mais competente.

Ademais, as reformas vêm a corroborar com a tese que o Registro, principalmente o Registro de Imóveis, deve acolher todos os atos pertinentes aos fatos ali registrados, ou seja, adotar o Princípio da Concentração.

Neste passo, por ser exigida a interligação do registro e do processo civil é interessante analisarmos os títulos judiciais registráveis, de acordo com a Lei 11.382/06:

I - Da Certidão Premonitória e/ou Acautelatória

(CPC, art.615-A):

Finalidade: noticiar a formação de processo de execução que pode alterar ou modificar o direito de propriedade;

Averbada No Fólio Real: matrícula;

Comunicação do Ato Ao Juízo: em 10 dias.

Atos Posteriores à Averbação: presume-se em fraude à execução a alienação ou oneração;

Cancelamento: O cancelamento deve ser feito por mandado judicial.

II - Da Penhora

(CPC, Art.659, §4):

Procedimento registral da penhora - que anteriormente era efetivada no álbum imobiliário por ato de registro - o que ocasionava dificuldade em proceder ao ato, em virtude do princípio da qualificação documental , agora trata-se de ato de averbação;

Finalidade: presunção absoluta de conhecimento por terceiros;

III - Da Penhora On Line

(CPC, art. 659, §6):

Constrição judicial por meio eletrônico, poderá ser feita não só em numerário, como também, em bens móveis e imóveis.

IV - Da carta de adjudicação:

Há duas espécies de cartas de sentença: as ordinárias e as especiais. As cartas de sentença especiais, que nos interessam aqui, são as que seguem:

Com a reforma, a primeira opção dada ao exeqüente é a adjudicação dos bens penhorados (Art. 685-A), para isso deve oferecer preço não inferior ao da avaliação. Também, possuem legitimidades para requerer o bem, o credor com garantia real, os credores concorrentes que hajam penhorado o mesmo bem, o cônjuge, os descendentes ou ascendentes do executado.

Assim, no caso de existir mais de um pretendente, proceder-se-á entre eles à licitação; em igualdade de oferta, terá preferência o cônjuge, descendente ou ascendente, nessa ordem.

Decididas eventuais questões, o juiz mandará lavrar o auto de adjudicação, sendo que a adjudicação considera-se perfeita e acabada com a lavratura e assinatura do auto pelo juiz, pelo adjudicante, pelo escrivão e, se for presente, pelo executado, expedindo-se a respectiva carta, se bem imóvel, ou mandado de entrega ao adjudicante, se bem móvel.

Nos termo do parágrafo único do artigo 685-b, a “carta de adjudicação conterá a descrição do imóvel, com remissão a sua matrícula e registros, a cópia do auto de adjudicação e a prova de quitação do imposto de transmissão.”

V - Da alienação por iniciativa particular

Se não for realizada a adjudicação do bem, o exeqüente poderá requerer sejam eles alienados por sua própria iniciativa ou por intermédio de corretor credenciado perante a autoridade judiciária.

Nesta hipótese, é imprescindível que o juiz fixe : (a) o prazo em que a alienação deve ser efetivada; (b) a forma de publicidade, o preço mínimo (art. 680); (c) as condições de pagamento e as garantias, bem como, se for o caso, (e) a comissão de corretagem.

Formalizada a alienação em termos nos autos - o qual deverá constar à assinatura do juiz, do exeqüente, do adquirente e, se for presente, do executado- expedir-se-á a carta de alienação do imóvel para o devido registro imobiliário, ou, se bem móvel, mandado de entrega ao adquirente.

A carta de alienação de imóvel deverá conter:

(a) a descrição do imóvel, com remissão a sua matrícula e registros;

(b) a cópia do despacho do juiz que definiu os termos da alienação;

(b) a cópia do laudo;

(c) a prova de quitação do imposto de transmissão.

Poderá o Registrador obstar o registro dessa carta, quanto o preço for inferior ao determinado no laudo e não cumprir as condições previamente dispostas pelo juiz?

VI - Da carta de arrematação

A Carta de Arrematação, nos termos do art. 703 do CPC, conterá:

I - a descrição do imóvel, com remissão à sua matrícula e registro”.

II a cópia do auto de arrematação;

III – A prova de quitação do imposto de transmissão

A carta de arrematação declarará as características do imóvel e todos os requisitos indispensáveis para abertura de matrícula, exatamente como são exigidos nas escrituras públicas, pois é uma escritura expedida pela autoridade judiciária que provém da arrematação de um bem imóvel em hasta pública. A carta de arrematação constitui título de propriedade da coisa adquirida em hasta pública.

CONCLUSÃO

Posto isso, é interessante salientar que a reforma do Código Processual Civil acentuou a necessidade de diálogo entre os registros públicos e a esfera judicial, na busca de assegurar a efetividade da sentença.

O princípio da duração razoável do processo estabelecido na Constituição Federal, no art. 5°, LXXVIII, resultou na obrigatoriedade de modificação das leis processuais. Novos mecanismos foram criados: averbação acautelatória e penhora on line; outros tomaram novas vestes: o processo de execução, separação, divórcio, partilha e inventário. Tudo para aparelhar e proteger o processo civil contra a nefasta demora de jurisdição

Assim, as novas regras do processo ingressam no âmbito extrajudicial, intensificando a relação da defesa do processo e do registro e, sobretudo, flexionando algumas formalidades do sistema registral. Por fim, resta por destacar que o Oficial é o magistrado do título a ser registrado, em virtude de que somente a este cabe exercer a qualificação - aliás, nenhuma máquina ou tecnologia  substitui-lo-á - admitindo ou não o ingresso do documento no fólio real.  Estando o título em ordem, será procedido o registro, gerando publicidade (ficção de conhecimento).

* João Pedro Lamana Paiva é Registrador e Tabelião de Protesto. Sapucaia do Sul, setembro de 2007.

 

Fonte: Boletim Eletrônico do IRIB n. 3124 - 18/09/2007

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